COOPERATIVAS DE CRÉDITO
São Paulo, 06/07/2006 (Revisado em 19-02-2024).
Cooperativas de Crédito, Constituição do Fundo de Aval Sem Fins Lucrativos, Esquemas de Contabilização; PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
1. A QUESTÃO: Constituição de Fundo de Aval pelas Cooperativas de Crédito
Representante de Cooperativa de Crédito usuário do Cosife escreveu:
Gostaria de opinião sobre como contabilizar as operações de um fundo garantidor de crédito, criado por cooperativa de crédito para garantir operações de mutuários que venham a ficar inadimplentes.
Eis o que acontece na prática:
A Cooperativa de Crédito repassa aos seus associados recursos oficiais do governo federal vindos do PRONAF _ Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Antes da liberação do dinheiro, o mutuário deve contribuir com o percentual de 2,5% do valor total liberado para um fundo constituído pela cooperativa de crédito, chamado de Fundo de Aval. A obrigação de constituição do Fundo está estabelecida no convênio que a Cooperativa firma com o Banco e, através desse convênio por ele redigido, fica estabelecido que os recursos do Fundo devem ser aplicados no próprio Banco. Assim, quem arca na verdade com os valores atribuídos ao Fundo de Aval é o próprio associado da cooperativa. Se houver inadimplência, a cooperativa pode usar o fundo para saldar as dívidas dos mutuários. Se houver adimplência, o agricultor mutuário tem o direito de receber de volta o valor de sua contribuição financeira ao Fundo de Aval.
Os valores que constituem o fundo ficam numa conta de aplicação no Banco do Brasil e na cooperativa fica registrado em uma conta dentro do grupo Reservas para Contingências. Isto é, no Ativo Circulante é debitada a conta 1.3.6.20.99-6 - Títulos e Valores Mobiliários - Vinculados a Garantias Prestadas - Títulos Dados em Garantia - Outros e no grupamento do Patrimônio Líquido é creditada a conta 6.1.5.30.02-1- Reserva de Lucros - Reservas de Contingências.
Porém, a empresa de auditoria, que nos visitou recentemente, apontou que esses valores não devem figurar em Reservas para Contingências, visto que não se originam do resultado da cooperativa.
A questão é: Qual seria a melhor classificação contábil para estes valores do Fundo de Aval com base no COSIF?
2. CONSTITUIÇÃO DO FUNDO DE AVAL
Na realidade todo e qualquer fundo ou associação com finalidade específica e sem fins lucrativos deve ser constituído na forma de sociedade civil como Sociedade Comum ou Sociedade Simples, de acordo com o estabelecido no Código Civil Brasileiro de 2002. Portanto, não se trata de uma exigência específica do COSIF - Plano Contábil das Instituições do SFN - Sistema Financeiro Nacional. Conforme será explicado a seguir, deve ser levado em conta o Princípio de Contabilidade da Entidade.
Como entidades independentes das respectivas administradora devem ser constituídos os fundos e clubes de investimentos administrados por instituições do SFN - Sistema Financeiro Nacional, os grupos de consorciados geridos pelas administradoras de consórcios e também os fundos criados por determinação legal como, por exemplo, o Fundo Garantidor de Créditos que recebe contribuições dos estabelecimentos bancários com a finalidade de garantir os investimentos efetuados pelos clientes do sistema financeiro.
Assim sendo, o Fundo de Aval mencionado também deve ser constituído por Instrumento Público com o seu Estatuto ou Regimento Interno registrado em Cartório de Títulos e Documentos ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.
A participação do mutuário no Fundo inicia quando ele firma o “Termo de Adesão” e efetua a sua contribuição financeira de conformidade com o Estatuto e com a cláusula pertinente, contida no contrato de mútuo. Isto significa dizer que o Fundo de Aval também deve estar registrado no CNJP - Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas, como acontece com os demais fundos de investimentos.
O cadastramento no CNPJ é necessário especialmente para que seja aberta e movimentada conta bancária em nome do Fundo de Aval, tanto em Bancos como na Cooperativa de Crédito. Mas, as disponibilidades do Fundo de Aval também poderiam constar de Caixa Único na Cooperativa, cujo controle é efetuado por intermédio da escrituração contábil das duas entidades (fundo de aval e sua administradora).
Não sendo Advogado e sim Contador, o descrito é apenas uma opinião, devendo ser consultado, sobre a parte jurídica, o profissional com competência legal para dar as informações necessárias à constituição do fundo.
3. OBJETIVO OU FINALIDADE DO FUNDO
Conforme descreve o mencionado usuário do COSIFe, naquela ocasião o referido Fundo de Aval tinha a finalidade de Garantir a Liquidez no recebimento dos valores emprestados aos mutuários do PRONAF _ Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, assim evitando Risco de Liquidez.
Ou seja, a constituição do Fundo de Aval seria uma forma de controlar os Riscos de Liquidez no caso de inadimplência dos devedores de contratos de mútuo (empréstimo). Assim sendo, poderia ser chamado também de Fundo de Proteção ou Fundo de Hedge.
Veja também as informações do BNDES sobre seus diversos Fundos Garantidores.
4. PRINCÍPIOS DE CONTABILIDADE
Mesmo inexistindo a constituição jurídica do Fundo de Aval e sim por instrumento particular, quando será uma sociedade comum segundo o Código Civil Brasileiro de 2002, o patrimônio do mesmo não pode ser confundido com o da Cooperativa de Crédito que o administra.
Considerando-se que a cooperativa e o fundo têm finalidades diferentes e que nem todos os associados da Cooperativa de Crédito participarão do Fundo de Aval, os seus respectivos patrimônios não podem ser confundidos (não podem ser misturados), de conformidade com o que estabelece o Princípio de Contabilidade - da Entidade,
Portanto, conforme declarou o auditor independente citado pelo usuário do COSIFE, o patrimônio do Fundo de Aval não pode ser contabilizado na conta 6.1.5.30.00-7 - Reserva de Contingência da Cooperativa que o administra. De outro lado, os valores em dinheiro pertencentes ao Fundo de Aval não podem ser contabilizados como disponibilidade da cooperativa, devendo ser creditados ao Fundo quando for utilizado "caixa único".
Pelo mesmo motivo, os títulos pertencentes ao Fundo também não podem ser contabilizados no Ativo Circulante da Cooperativa na conta 1.3.6.20.00-6 - Títulos Dados em Garantia - Outros. Nesta conta, segundo o COSIF instituído pelo Banco Central do Brasil, devem ser registrados os títulos de propriedade da cooperativa dados em garantia a terceiros, que não sejam relativos a operações em Bolsas de Valores. No caso em questão, estão sendo contabilizados nessa conta os Títulos pertencentes ao Fundo de Aval. Isto é, os títulos são de propriedade de terceiros.
Para que a contabilidade do Fundo de Aval não seja confundida com a contabilidade da entidade administradora, ambas devem ser escrituradas em separado. Nestes casos, as contabilidades das entidades administradas são escrituradas em Contas de Compensação, onde são contabilizados os valores que alteraram o patrimônio da entidade principal, neste caso a entidade administradora do fundo de aval.
Isto é, o Fundo de Aval deve ser contabilizado como uma entidade ou sociedade autônoma administrada pela Cooperativa, assim como acontece com os fundos de investimentos e com os grupos de consorciados.
Não existindo conta apropriada no grupamento de CONTROLE das Contas de Compensação que possa ser utilizada pelas Cooperativas de Crédito, pode ser utilizada a denominada OUTRAS CONTAS DE COMPENSAÇÃO ATIVAS em contrapartida com OUTRAS CONTAS DE COMPENSAÇÃO PASSIVAS.
Os títulos de terceiros que ficarem sob a guarda da Cooperativa e de qualquer outra instituição do SFN - Sistema Financeiro Nacional devem ser registrados nas Contas de Compensação relativas à custódia, conforme será explicado nos esquemas de contabilização neste texto.
A apropriação dos resultados das aplicações financeiras deve ser efetuada com base no Regime de Competência.
No que concerne à avaliação dos investimentos, o antigo COSIF 1.25 - Fundos de Investimentos - Carteira de Investimentos (expedido em 1987) determinava que a apropriação de rendimentos deveria ser efetuada por dias corridos e, não, por dias úteis, como determinava algumas partes do COSIF.
Isto é, a apropriação de resultados NÃO deveria obedecer o que determinava o antigo COSIF 1.25.3 (extinto) e, sim, deveria obedecer ao que determinava a alínea "c" do COSIF 1.4.3.2 e o que determinava o COSIF 1.1.10 - Critérios de Avaliação e Apropriação Contábil. Nos citadas páginas daquele antigo COSIF estão endereçamentos para o Novo COSIF que passou a vigorar em 01/07/2022. Porém, um outro COSIF será expedido pelo Banco Central para vigorar a partir de 01/01/2025.
A afirmativa (sobre a apropriação de rendimentos) baseia-se no fato de que todas as entidades investidoras devem efetuar apropriação de rendimentos de conformidade com a forma de apropriação das despesas geradas pelos títulos de renda fixa na contabilidade de seus emitentes, que deve obedecer os critérios de avaliação constantes do RIR/1999 - Regulamento do Imposto de Renda e com base nos Princípios de Contabilidade - Competência. No antigo RIR/1999, publicado neste COSIFE estão os endereçamentos para o correspondente texto no atual RIR/2018.
O fato do banco repassador dos recursos oficiais, mediante convênio, exigir que as disponibilidades do Fundo de Aval administrado pela Cooperativa de Crédito sejam aplicadas em títulos e valores mobiliários por seu intermédio, pode ser considerado como Exigência de Reciprocidade, que é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), como se depreende da leitura do seguinte:
Num antigo endereço eletrônico do PRONAF podia ser encontrado "arquivo.doc" em cujo texto mencionava:
Reciprocidade é quando o agente financeiro condiciona a concessão do crédito à compra de um outro produto ou serviço do banco.
E complementava:
A exigência de qualquer forma de reciprocidade bancária na concessão de crédito é ilegal e sujeita a instituição financeira e seus administradores às sanções previstas na legislação em vigor. Qualquer denúncia sobre exigência de reciprocidade deve ser encaminhada, formalmente e por escrito, ao Banco Central, ao Ministério Público (Promotoria), à Polícia Federal, ou à Secretaria Executiva Estadual do Pronaf.
No site do Senado Federal pode ser encontrada notícia veiculada em 18/01/2005 pelo JORNAL DO BRASIL sobre a Exigência de Reciprocidade pelos Bancos Oficiais com o seguinte título:
Procon ameaça multar bancos oficiais
Jornal do Brasil, 18/01/2005, País, p. A5
6. ESQUEMAS DE CONTABILIZAÇÃO DO FUNDO DE AVAL
Com base no exposto, na contabilidade do Fundo de Aval inicialmente devem ser escrituradas no Passivo as contribuições temporárias dos associados da Cooperativa que obtiveram empréstimos oriundos do PRONAF e ainda as eventuais obrigações a pagar e no Ativo as disponibilidades e as aplicações de numerário em títulos e outros direitos.
Tal como foi mencionado e também como acontece com os fundos de Investimentos, que são controlados na contabilidade de suas administradoras, os valores dos totais do Ativo e do Passivo do Fundo de Aval devem estar registrados diariamente na escrituração contábil da Cooperativa de Crédito em Contas de Compensação da seguinte forma:
Nota: o lançamento inverso deve ser efetuado em caso de decréscimo diário do valor do ativo e do passivo do Fundo de Aval.
Observe também que a contabilidade do Fundo de Aval pode ser escriturada em livro auxiliar de Balancetes Diários e Balanços, cujos totais diários devem coincidir com os saldos diários das Contas de Compensação supra mencionadas. Mas, de conformidade com o constante nas NBC - Normas Brasileiras de Contabilidade, no Código Civil Brasileiro de 2002 e no RIR/1999 - Regulamento do Imposto de Renda deve ser escriturado o Razão com o detalhamento dos lançamentos efetuados em todas as contas movimentadas.
7. PLANO DE CONTAS PADRONIZADO
Como o Banco Central do Brasil ainda não estabeleceu no COSIF as contas específicas para esse tipo de fundo e também não previu a administração de fundos por cooperativas de crédito, como alternativa à escrituração contábil do Fundo de Aval podem ser utilizadas as contas padronizadas normalmente usadas pela cooperativa de crédito, da forma a seguir demonstrada.
1) - No Fundo de Aval - Pelo recebimento da contribuição do mutuário pelo Fundo de Aval:
Observações:
No caso de recebimento da contribuição do mutuário ao fundo em dinheiro, em CAIXA, este deve ser depositado no Banco do Brasil ou na Cooperativa de Crédito em conta corrente mantida pelo fundo. Ou transferido para o Caixa Único da Cooperativa. Nestes caso, serão efetuados os seguintes lançamentos na contabilidade do Fundo de Aval:
Por sua vez, na contabilidade da cooperativa de crédito será efetuado o seguinte lançamento contábil, pelo recebimento dos valores das contribuições dos mutuários ao Fundo de Aval:
2) - No Fundo de Aval - Pela aplicação das disponibilidades em Títulos de Renda Fixa com rendimento prefixado:
Observações:
Quando forem adquiridos títulos de renda pós-fixada, no esquema de contabilização acima não será utilizada a conta 1.3.1.10.96-3 - Rendas a Apropriar de Títulos e Valores Mobiliários. Os títulos adquiridos serão registrados em 1.3.1.10.00-4 - Títulos e Valores Mobiliários - Livres - Títulos de Renda Fixa pelo seu valor nominal (valor de emissão) e as rendas serão contabilizadas mensalmente no decorrer do prazo do investimento ou até o dia em que ocorrer a saída de associado ou até o dia anterior quando ocorrer a entrada de associado.
Na Cooperativa de Crédito, pela intermediação da compra dos títulos por conta e ordem do Fundo de Aval será efetuada a seguinte contabilização, quando o Banco do Brasil debitar a aplicação financeira na conta corrente da cooperativa:
3) - No Fundo de Aval - Pela apropriação de eventuais rendimentos de aplicações financeiras serão efetuados os seguintes lançamentos contábeis:
Nota importante: a apropriação de rendas será contabilizada mensalmente no decorrer do prazo do investimento ou até o dia em que ocorrer a saída de associado ou até o dia anterior em que ocorrer a entrada de associado
Apropriação de rendimentos de aplicações com renda prefixada:
Apropriação de rendimentos mensais de aplicações com renda pós-fixada:
4) No Fundo de Aval - Pelo eventual recebimento de rendimentos antes do vencimento de títulos com renda pós-fixada, considerando-se que já foi efetuada a contabilização imediatamente acima:
Nota importante: a apropriação de rendas será contabilizada mensalmente no decorrer do prazo do investimento ou até o dia em que ocorrer a saída de associado ou até o dia anterior em que ocorrer a entrada de associado
Observação:
Figurando a cooperativa com intermediária da aplicação financeira, na Cooperativa de Crédito, será efetuado o seguinte lançamento contábil:
5) No Fundo de Aval - Pelo resgate de Títulos e Valores Mobiliários
A Cooperativa de Crédito em sua contabilidade fará os seguintes lançamentos contábeis, por ocasião do resgate de títulos e valores mobiliários de propriedade do Fundo de Aval:
6) - Pela utilização do Fundo de Aval em razão de inadimplência do mutuário.
Observação:
Em contrapartida com o lançamento acima, na cooperativa de crédito será efetuado o seguinte:
7) No Fundo de Aval - Pela apropriação mensal do rendimento de Avais e Fianças Honrados:
8) No Fundo de Aval - Pelo ressarcimento e liquidação do aval ou fiança honrados pelo Fundo de Aval.
Observação:
Em contrapartida, na Cooperativa de Crédito serão efetuados os seguintes lançamentos pelo recebimento da dívida do mutuário relativa à Avais e Fianças Honrados pelo Fundo de Aval:
9) - No Fundo de Aval - Pela contabilização do acréscimo patrimonial proveniente dos resultados dos fundo.
10) No Fundo de Aval - Pela restituição ao mutuário de sua contribuição ao fundo, em razão da liquidação total do contrato de financiamento.
Na Cooperativa de Crédito, em contrapartida, será efetuado o seguinte lançamento contábil:
Em 21/07/2023, assinante do COSIFE escreveu:
Gostaria de solicitar a ajuda de vocês no sentido de classificar e mensurar corretamente a seguinte operação financeira:
O assinante do COSIFE escreveu: Tenho as seguintes perguntas:
Observação:
Torna-se importante destacar que os dirigentes do Banco Central (que se sucederam desde 1987, ano da implantação do COSIF) sempre consideraram as Cooperativas de Crédito como entidades SEM fins lucrativos. Porém, a Legislação Tributária vigente as considera como Instituições COM fins Lucrativos, tributadas com base no LUCRO REAL, tal como são tributadas as demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.