QUESTÕES SOBRE "OPEN BANKING" = "OPERAÇÕES BANCÁRIAS ABERTAS"
"OPEN FINANCE" - OPERAÇÕES BANCÁRIAS NÃO CONTROLADAS POR BANCOS CENTRAIS
São Paulo, 22/02/2019 (Revisada em 18/02/2024)
Canibalismo Econômico, Neocolonialismo Privado, Formação de Cartéis Controlados por Multinacionais ou Transnacionais, Shadow Banking System - Sistema Bancário Fantasma. Fraca Atuação dos Bancos Centrais diante das Inócuas Regras do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia - Suíça. Crise de Credibilidade da Governança Corporativa com Auditores Independentes estabelecidos em Paraísos Fiscais. Gerações XYZ, Geração dos Baby Boomers e Geração Silenciosa. Lavagem de Dinheiro, Blindagem Fiscal e Patrimonial, Internacionalização do Capital, Agiotagem, Especulação Financeira. Evasão de Divisas, Fraudes Cambiais, Déficits no Orçamento Nacional e no Balanço de Pagamentos. Subfaturamento da Exportações, Superfaturamento das Importações, Caixa Dois em Paraísos Fiscais, Anarquismo Institucional.
'OPEN FINANCE' - OPERAÇÕES BANCÁRIAS NÃO CONTROLADAS POR BANCOS CENTRAIS
Por Howard Davies (colunista do Valor Econômico). Publicado por VALOR ECONÔMICO em 21/02/2019. Extraído do clipping do Banco Central do Brasil em 22/02/2019 que é distribuído para seus servidores ativos e inativos.
Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
NOTA
1. DESDOBRAMENTOS DO MERCADO E POTENCIAIS AMEAÇAS À ESTABILIDADE FINANCEIRA
Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
Esta publicação foi redigida pelo coordenador deste COSIFE com base no escrito pelo colunista do Jornal Valor Econômico em 14/02/2019. Ele dizia que o FSB - Financial Stability Board (Comitê de Estabilidade Financeira), publicou um relatório sobre tecnologia financeira (“fintech”) e sobre a estrutura do mercado de serviços financeiros. O subtítulo era bastante revelador e expunha as intenções dos autores daquele relatório: “desdobramentos do mercado e potenciais implicações sobre a estabilidade financeira”.
Segundo a descrição do contido do livro "Fintech - Desafios da Tecnologia Financeira", editado em Portugal, FINTECH é um acrônimo que designa os serviços financeiros e as pertinentes tecnologias da informação. Refere-se a um amplo universo de inovações tecnológicas com implicações potencialmente transformadoras para o sistema financeiro mundial.
Em síntese, podemos dizer que se trata de sistemas computadorizados que seriam utilizados para controle ou centralização das operações bancárias mundiais. Seria uma espécie de SELIC MUNDIAL - Sistema Especial de Liquidação de Operações Financeiras, que poderia ser apelidado de SELOF.
O nosso pioneiro SELIC (Sistema Especial de Liquidação e Custódia - MNI-06-03) funciona perfeitamente desde quando passaram a operar as primeiras antenas parabólicas com transmissão via EMBRATEL. Esse sistema existe no Brasil desde o final da década de 1970, regulamentado pela Circular BCB 466/1979. Ela foi REVOGADA pela Circular BCB 1.859/1990, a qual foi REVOGADA pela Circular BCB 3.081/2002 que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização - Revogação de circulares e cartas-circulares sem função por decurso de prazo ou por regulamentação superveniente.
Depois de muitas alterações, foi editada a Circular BCB 3.587/2012, que foi REVOGADA pela Resolução BCB 55/2020, a qual aprovou o Novo Regulamento do SELIC.
Mediante a expedição de outras normas operacionais, a partir de 02/02/2023 passou a vigorar a Instrução Normativa BCB 346/2023 que estabelece prazos, horários e procedimentos operacionais previstos no Regulamento do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic).
Essa antiga tecnologia utilizada pelo SELIC, se colocada a serviço do OPEN BANKING (atual OPEN FINANCE ou a serviço do Shadow Banking System - SBS), pode ter duas finalidades principais como, por exemplo:
A segunda hipótese já vem ocorrendo de forma descentralizada sob os auspícios dos "donos do mundo", conforme o explicado a seguir.
Toda inovação científica (ou tecnológica) deve ser constantemente reestudada (desenvolvida - atualizada - aperfeiçoada). Porém, durante o governo Bolsonaro, por decreto presidencial, todas as normas vigentes foram obrigadas a ter novas denominações e numerações, o que não se constitui em verdadeira evolução técnica ou científica.
Em muito casos, poderíamos dizer que houve uma mera troca de seis por meia dúzia, o que vem causado generalizados transtornos, principalmente em razão da troca das denominações de órgãos públicos que foram desastrosamente incorporados por outros, que se tornaram inertes, assim dificultando o desenvolvimento da Nação.
Todo esse grandioso esforço (excesso de trabalho) devia estar concentrado numa maior e melhor fiscalização das operações e não na simples troca de denominações e numerações.
1.2. A EXISTÊNCIA DO SISTEMA BANCÁRIO FANTASMA DE PARAÍSOS FISCAIS
Para controlar essa aludida segurança, surgiu o chamado de Shadow Banking System = Sistema Bancário Sombrio ou Fantasma, com a participação de Bancos Offshores constituídos em Paraísos Fiscais que podem ser as administradoras das nossas riquezas a partir de quaisquer países, como por exemplo, do próprio Brasil, por ser o "nosso país" possuidor da riqueza que têm sustentado quase todos os países da Europa desde o ano de 1500, inicialmente através de Portugal.
Aliás, é importante esclarecer, ainda, que o Brasil também vem sustentando outros países tidos como desenvolvidos desde a abertura dos nossos portos às nações amigas, quando Portugal perdeu o controle de nossas riquezas naturais, que ficaram sob o controle da Inglaterra. Para isto, a Inglaterra ofereceu-nos uma teórica independência mediante a assunção e o pagamento de uma dívida de Portugal.
Assim, foi iniciado o neocolonialismo inglês, do qual o Brasil foi vítima até o término da Segunda Guerra Mundial. A partir dali, até o início da década de 1970, os Estados Unidos da América assumiram a exploração das nossas riquezas naturais e, mesmo assim, chegaram à bancarrota que resultou na extinção do Padrão Ouro para o Dólar.
A partir da década de 1980, as empresas norte-americanas e de países europeus fugiram para paraísos fiscais. Então, passamos a ser vítimas das multinacionais ou transnacionais que, sediadas em Paraísos Fiscais (as Ilhas do Inconfessável), em CARTEL, passaram a controlar quase tudo que o Povo (no mundo) compra nos supermercados.
Veja em:
1.3. UM SISTEMA QUE DEVERIA SER CONTROLADO PELOS BRICS
Esse sistema financeiro de alta tecnologia computadorizada, com a utilização das telecomunicações, também poderia ser controlado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), sabendo-se que esse grupo de países (e os seus aliados em quase todos os continentes) são os com maiores RESERVAS MONETÁRIAS e ainda são os maiores detentores de elevadas reservas minerais, que os países do Hemisfério Norte Ocidental mais necessitam, porque não as têm.
Veja em Os Países e Suas Reservas (Minerais) Estratégicas.
Mas, os inimigos dos trabalhadores brasileiros e indianos, tão logo tomaram o governo, além de romperem relações diplomáticas com muitos países (ditos socialistas ou comunistas), também nos retiraram do grupo dos BRICS que agora é somente _R_CS - Rússia, China e África do Sul. Esse afastamento foi extra-oficial.
O autor do referido livro, escreveu que a utilização dessa tecnologia da informação no sistema financeiro mundial (real time = operando em tempo real) poderá alterar extremamente (e de forma definitiva) o modo como os serviços financeiros são prestados no mundo inteiro, podendo provocar roturas [ou rupturas] definitivas nos modelos de negócios nacionais e internacionais. Os desafios impostos pela tecnologia financeira deveriam ser objeto de maior debate e análise.
Eles estão preocupados com a imensa facilidade de Lavagem de Dinheiro e de Blindagem Fiscal e Patrimonial que resultarão em elevado índice de Sonegação Fiscal que já praticada palas grandes corporações com alguma dificuldade. A plena implantação de tal sistema significaria a total liberação da SONEGAÇÃO FISCAL.
Veja em Paraísos Fiscais Causam a Falência do Sistema Tributário Mundial
1.4. A OPINIÃO DOS DIRIGENTES DO BANCO CENTRAL SOBRE AS FINTECHS
De antemão, é preciso deixar claro que no rol das FINTECHS estão as Sociedades de Crédito Direto (SCD), as Sociedades de Empréstimos entre Pessoas (SEP), conforme explica o BACEN em seu site. Os normativos reguladores dessas entidades são:
Mas, podemos acrescentar que muitas das demais instituições do sistema financeiro já anunciaram na televisão (ou em seus sites e Home Banking) que já estariam operando no segmento internacional denominado como OPEN BANKING.
Para que isto seja possível, obviamente essas instituições devem ter ligações diretas com instituições sediadas em outros países e principalmente em Paraísos Fiscais. Os Bancos Offshore ali sediados são o que atuam no chamado de Shadow Banking System = Sistema Bancário Fantasma ou "Sombrio".
Essas instituições de paraísos fiscais, mediante norma expedida pelos dirigentes do Banco Central em 1992, em tese, podem indiretamente estabelecer-se no Brasil mediante a abertura de contas correntes bancárias de não residentes, que evidentemente são abertas em instituições financeiras que operam no mesmo esquema internacional.
Sobre os FINTECHS os dirigentes do Banco Central do Brasil escreveram no site daquela autarquia federal, visitado em 23/02/2019:
Um modelo baseado em transações entre contas transacionais é propício para o aparecimento de fintechs que desenvolvam soluções inovadoras para facilitar as transações de pagamento, tanto para pagadores quanto para recebedores.
As fintechs poderão se constituir tanto como instituições de pagamento, que ofertariam contas de pagamento para seus clientes, quanto como prestadores de serviço de iniciação de pagamento.
Além disso, as fintechs poderão oferecer serviços agregados ao serviço básico de pagamento, como oferta de seguros, crédito, investimentos, conciliação, pagamentos de tributos, etc. Existem diversos serviços que podem ser ofertados.
O serviço de pagamento funcionaria como uma porta de entrada para a oferta desses outros serviços.
É exatamente nessa camada de negócios que se espera a criação de um ambiente competitivo entre os diferentes PSPs (bancos tradicionais, bancos digitais, cooperativas, instituições de pagamento, fintechs, etc.).
O potencial competitivo é muito grande em virtude da existência de diferentes tipos de agentes, tanto tradicionais como novos entrantes, o que tende a ampliar e a melhorar a qualidade dos serviços ofertados e a reduzir os preços para os usuários finais.
Observe que os dirigentes do Banco Central do Brasil não mencionaram os paraísos fiscais que por enquanto "fazem apenas o serviço cartorial de registro de empresas ou bancos offshore". Observe ainda que tais dirigentes fingiram-se de Analfabetos Funcionais. Ou seja, não entenderam exatamente o que pretendem os seus idealizadores. Fingiram-se de mortos.
1.5. A OPINIÃO DO PRESIDENTE DO BANCO DE PORTUGAL
O Presidente do Banco Central de Portugal, na mesma linha dos liberais brasileiros, também elogiou esse, que aqui chamamos de, novo sistema de LAVAGEM DE DINHEIRO EM PARAÍSOS FISCAIS.
Para os desentendidos, poderíamos dizer (sem medo de errar) que os governantes neoliberais do mundo inteiro querem implantar um sistema que facilite a Lavagem de Dinheiro, tal como aquele que foi instituído no Brasil a partir de 1989, que foi chamado de MERCADO DE CÂMBIO DE TAXAS FLUTUANTES. Sobre esse mercado paralelo que se tornou oficial, veja a cartilha que foi publicada pelos dirigentes do Banco Central do Brasil em 1993, denominada O Regime Cambial Brasileiro.
Parece claro também que as multinacionais ou transnacionais não investiriam tanto dinheiro para competir com outras. Ou seja, não cometeriam o mesmo erro que cometeram os novos "proprietários" das nossas estatais privatizadas na área de telefonia, por exemplo. Seria mais fácil combinar a formação de um CARTEL MUNDIAL tal como já fizeram várias transacionais com as marcas dos produtos mais vendidos nos supermercados.
1.6. VOLTANDO À OPINIÃO DOS DIRIGENTES DO BACEN
E os dirigentes do BACEN continuaram infantilmente a escrever a seguinte propaganda enganosa (Fake News):
Isso [o novo sistema regulamentado] cria um ambiente propício ao desenvolvimento de modelos inovadores e que estimulam a competição.
O BC estudou detalhadamente os modelos de negócio de soluções de pagamento instantâneo já implementadas ou em fase de desenvolvimento em diversos países e regiões.
Esses estudos ajudaram na definição dos requisitos fundamentais para o ecossistema brasileiro.
A atuação na área de pagamentos instantâneos faz parte da ação “Incentivo à eletronização de pagamentos de varejo” do pilar SFN mais eficiente da Agenda BC+.
Do jeito como os dirigentes do BACEN escreveram (o transcrito texto em itálico), parece óbvio que eles desconhecem a existência do SHADOW BANKING SYSTEM ou cinicamente fingem desconhecer. Talvez sejam Analfabetos Funcionais, porque nem disseram que o Brasil já possui semelhante sistema desde a criação do SELIC - Sistema Especial de Liquidação e Custódia que deve ter mais de 40 anos de idade.
Porém, somos obrigados a reconhecer que é tarde demais para manifestações contrárias à sonegação fiscal que há anos se realizada com a indispensável participação dos bancos fantasmas que são constituídos nas chamadas de ILHAS DO INCONFESSÁVEL.
E os daqui precisam ser correspondentes bancários daqueles mediante a abertura de contas correntes de instituições fantasmas não residentes, que deveriam ser combatidas com base no artigo 64 da Lei 8.383/1990.
1.7. TEXTOS ELUCIDATIVOS CORRELACIONADOS
Sobre os contrários ao extremo liberalismo dos negócios empresariais, veja os textos:
1.8. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TEXTOS ELUCIDATIVOS
Nada do descrito nesses textos foi lido ou ouvido pelos "manda-chuvas" que decidirão o futuro desse nosso mundinho em que a miséria grassa, assim como vem acontecendo mais rapidamente no Brasil desde a deposição de Dilma Russeff.
Essa afirmação do coordenador deste COSIFE (sobre a liderança operacional brasileira em tecnologia para o setor bancário) foi possível diante do que vem sendo implantado no Brasil desde a década de 1970. Essa agora chamada de nova tecnologia (que no Brasil já é antiga) vem para ficar se houver uma entidade universal que a administre.
Porém, esse controle universal das operações bancárias não pode ser entregue a anônimos que direta ou indiretamente vem administrando, por exemplo, as operações com moedas virtuais e as operações versadas no Mercado Forex. Em suma, o controle do sistema financeiro mundial não pode ficar nas mãos da chamada de iniciativa privada neoliberal anarquista.
1.9. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESCRITO NO LIVRO SOBRE AS FINTECHS
Então, com base nesses mencionados fatos de conhecimento público, mas, que muitos analfabetos funcionais não conseguem entender e que muitos indivíduos participantes dos esquemas internacionais de sonegação fiscal preferem fazer de conta que não conhecem, o citado livro sobre as FINTECHS, segundo os seus editores, procura responder ou atender a essa indispensável necessidade de conhecimento.
Nele, ainda com base no escrito por seus editores, há uma compilação de estudos sobre temas incontornáveis, tais como são os bancos digitais (Bancos Virtuais, Bancos Offshore de Paraísos Fiscais), a tecnologia descentralizada de registro de dados (blockchain), a analise de dados na internet (big data analytics), a consultoria robótica, a internet de coisas ou o financiamento colaborativo (crowdfunding = vaquinha online).
Afinal, os editores do livro citaram as mais importantes instituições e redes de computadores que estão fora do controle dos bancos centrais. Isto já indica que os autores do livro estão mais bem informados que os dirigentes do Banco Central do Brasil. Portanto, as operações transitadas na área cinzenta (sombria) dos paraísos fiscais estão fora do controle dos Bancos Centrais, fora do controle das Nações Unidas e fora do controle do FMI - Fundo Monetário Internacional.
Enfim, com base nessas importantes explicações que nos forneceu o colunista do Jornal Valor Econômico, entende-se que o FSB, em parte contrapondo-se ao Comitê de Supervisão Bancária de Basileia - Suíça, quer dizer que os magnatas donos do mundo pretendem LIBERAR GERAL.
E aqui assistimos os dirigentes do Banco Central do Brasil fingindo-se de mortos.
Isto significa que, de conformidade com os estudos efetuados pelo FSB, aqueles magnatas mais ricos do mundo podem apoiar ou simplesmente implantar um sistema de controle particular (porém, universal) das operações financeiras que acontecem num Sistema Bancário Fantasma que os dirigentes dos bancos centrais não conseguem enxergar.
1.10. UM SISTEMA INOVADOR JÁ EXISTENTE NO BRASIL DESDE A DÉCADA DE 1980
Esse novo sistema de tecnologia bancária mundial ("revolucionário" e "inovador") logicamente será semelhante ao utilizado no Brasil desde quando foi criado o SELIC - Sistema Especial de Liquidação e Custódia para registro de emissões e liquidações financeiras das operações com títulos públicos.
Dentro desse mesmo padrão, no Brasil tempos depois surgiu a CETIP para os títulos privados. Recentemente a CETIP foi incorporada à BM&F Bovespa, formando a B3 - Brasil, Bolsa e Balcão.
Assim, junto com o Banco Central e com a participação de diversas associações de profissionais desses segmentos operacionais, o Brasil provavelmente tem o mais perfeito sistema de controle de operações bancárias.
Para regulamentar todos os possíveis sistemas de registro e liquidação de operações financeiras, no Brasil foi sancionada a Lei 10.214/2001 (que dispõe sobre a atuação das câmaras e dos prestadores de serviços de compensação e de liquidação, no âmbito do sistema de pagamentos brasileiro). Na página endereçada estão os gráficos a seguir mostrados.
Doze anos depois foi sancionada a Lei 12.810/2013 (que definiu a atividade de depósito centralizado e de registro de ativos financeiros e de valores mobiliários e estabeleceu a competência do BCB e da CVM para que, nas suas respectivas áreas de atuação, possam autorizar, supervisionar e estabelecer condições para o exercício dessas atividades).
Por sua vez, o sistema que os donos do mundo pretendem implantar deve ser semelhante ao usado no SPB - Sistema de Pagamentos Brasileiro. Isto significa que o sistema que eles querem para o mundo inteiro já existe aqui desde o final da década de 1970, quando a remessa e a obtenção de dados para todos os bancos habilitados era feita por antena parabólica, via satélite pela EMBRATEL, empresa estatal.
2. RSFN - REDE DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL BRASILEIRO
2.1. SPB - SISTEMA DE PAGAMENTOS BRASILEIRO - BANCO CENTRAL DO BRASIL - VERSÃO 3:
2.2. OPERAÇÕES COM TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS, DERIVATIVOS E CÂMBIO DE MOEDAS ESTRANGEIRAS
3. O DESGASTADO COMITÊ DE SUPERVISÃO BANCÁRIA
Veja em Os Dilemas da Supervisão Bancária e em As Inócuas Regras do Comitê de Supervisão Bancária.
O FSB - Financial Stability Board (Comitê de Estabilidade Financeira) em parte se contrapõe ao Comitê de Supervisão Bancária de Basileia porque com a implantação de um sistema universal controlado por magnatas escondidos em Paraísos Fiscais, todas as operações financeiras mundiais passam a transitar pelo SHADOW BANKING SYSTEM (Sistema Financeiro Fantasma dos Paraísos Fiscais).
Assim ocorrendo com todas as operações transmitidas pela Rede Mundial de Computadores - INTERNET, fica praticamente anulada a Ação Fiscalizadora ou Supervisora de todos os Banco Centrais o que poderá resultar na inexistência ou extinção do Depósito Compulsório que já não existe na esfera daquele Sistema Financeiro Sombrio (Cinzento, Fantasma).
O controle de Depósitos Compulsórios só seria possível se cada um dos Banco Centrais existentes pelo mundo afora tivesse idêntico sistema local que estivesse integrado (conectado) a um sistema centralizador administrado por entidade constituída por todos os países participantes (o FMI por exemplo).
Trata-se um sistema de Contabilidade Integrada, semelhante ao SPED - Sistema Público de Escrituração Digital que ainda não é "Real Time", não opera em tempo real, salvo para emissão de documentos fiscais.
Esses sistemas de controle universal seriam semelhantes aos apresentados nos gráficos acima, que já existem no Brasil, processando os dados em tempo real (são Real Time).
Torna-se importante destacar que não havendo um sistema controlado por países (ou mesmo pelo FMI - Fundo Monetário Internacional), parece obvio que todos os grandes bancos brasileiros (talvez até os estatais) passem a atuar naquele Sistema Financeiro Não Oficial (neoliberal anárquico = sem qualquer controle governamental) em que não existe o Depósito Compulsório.
Então, SEM esse sistema semelhante ao existente no Brasil, controlado por exemplo pelo FMI ou mesmo pelo Brasil na qualidade de agente fiduciário (ou pelos BRICS também como agentes fiducários), aquele sistema não controlado por Nações Unidas seria totalmente neoliberal anárquico, em que já atuam as empresas virtuais que o articulista enumera a seguir.
4. SONEGAÇÃO FISCAL: A ATUAÇÃO NÃO TRIBUTADA DAS GIGANTES TECNOLÓGICAS
O articulista afirma que o pressuposto do relatório do FSB é claro. A chegada de gigantes tecnológicas consagradas, ou Big Tech, ao mundo financeiro poderá “afetar o grau de concentração e de contestabilidade em serviços financeiros, ao mesmo tempo com benefícios e riscos potenciais à estabilidade financeira”.
O foco do relatório da FSB são empresas como Apple, Google, Facebook, Amazon e Ant Financial, e não a multiplicidade de “startups” de fintech no Vale do Silício, em Israel ou aglomeradas em torno do trevo de Old Street em Londres.
Complementando, o articulista explica que os bancos centrais e os ministérios das finanças estão começando a perguntar se as atividades das mastodontes tecnológicas serão inteiramente benéficas.
Entretanto, bem antes do que foi apontado pelo FSB, sabe-se que o faturamento relativo às atividades dessas empresas constituídas em paraísos fiscais não é tributado nos países em que virtualmente atuam, sabendo-se ainda que todas essas "mastodontes" estão sediadas nas chamadas de "ilhas do inconfessável", onde também estão as mais afamadas empresas de Auditoria Independente.
Trata-se do império da sonegação fiscal causador da falência dos Sistemas Tributários de todos os países.
Então, diante desses fatos, podemos acrescentar que essas instituições virtuais são indiscutivelmente as rainhas da informalidade, da sonegação fiscal, da evasão de divisas dos países, da Blindagem Fiscal e Patrimonial e da Internacionalização do Capital Nacional (descapitalização) de todos os países, razão pela os valores de mercado [dessas mastodontes] eclipsam de forma meramente especulativa, porque as empresas não estão efetivamente à venda, pois ninguém teria o dinheiro necessário ou suficiente para adquiri-las.
Atualmente, até os maiores bancos brasileiros e estrangeiros estão fazendo o mesmo que aquelas "mastodontes". A diferença básica é que o Patrimônio dos Bancos é tangível e o Patrimônio das Mastodontes é intangível.
Principalmente em razão da sonegação fiscal internacionalmente reinante, neste COSIFE foi publicado o texto Os Paraísos Fiscais Causaram a Falência do Sistema Tributário Mundial e o denominado Desvendada a Rede que Domina o Mundo com Participações Cruzadas ou Participações Recíprocas, portanto, sem a necessidade de capital em dinheiro.
De certa maneira, diz o articulista, pode ser considerado surpreendente que essas questões inerentes à sonegação fiscal em paraísos fiscais só estejam sendo levantadas agora.
E podemos acrescentar que o problema praticamente passou a existir desde que a coroa britânica concedeu a autonomia às algumas ilhas situadas no Canal da Mancha, que se tornaram paraísos fiscais.
Podemos ainda afirmar que os dirigentes do Banco Central do Brasil conheciam semelhantes operações porque constaram de relatórios firmados pelos auditores (fiscalizadores) daquela autarquia federal desde 1978.
Com base nesses dados apurados, a partir de 1984 até 1998, cursos e palestras foram ministrados pelo coordenador deste COSIFE na ESAF - Escola de Administração Fazendária, tendo como participantes os Auditores Fiscais da Receita Federal, além de muitos de seus superiores.
5. A SEGUNDA INSTRUÇÃO DO FSB SOBRE OS SERVIÇOS DE PAGAMENTO
E o articulista continua informando que na Europa, mudanças regulatórias como a Segunda Instrução sobre Serviços de Pagamento (PSD2 em inglês) foram decisivas para promover a abertura do sistema bancário, e órgãos reguladores como a Autoridade de Conduta Financeira do Reino Unido criaram, por algum tempo, ambientes protegidos em termos de regulamentação a fim de amenizar o caminho dos recém-ingressos [de dinheiro sujo para ser lavado = legalizado], ao ajudá-los a se estruturar para cumprir os padrões.
Parecia lógico ou óbvio que o sistema articulado pelos europeus não daria resultados satisfatórios porque ele não controlava as operações transitadas por paraísos fiscais. Como as entidades registradas nessas ilhas do inconfessável são do tipo offshore, aquele pequeno país, considerado insignificante, nenhum controle tem sobre as operações virtuais realizadas pelas empresas ali registradas.
Assim sendo, o sistema engendrado pelos europeus, tal como As Inócuas Regras do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, não atingiam os Bancos Offshore que atuam no Shadow Banking System - Sistema Bancário Sombrio ou Fantasma de Paraísos Fiscais.
Portanto, torna-se perda de tempo ou trabalho inútil todo aquele que não imponha severas restrições às operações efetuadas por instituições registradas com offshore em paraísos fiscais.
Se essas severas restrições forem impostas, provavelmente os senhores feudais desses pequenos países encontrarão outras formas de fazer o mesmo.
Portanto, só resta aos demais países confiscar todos os bens, direitos e valores idos para (ou vindos de) empresas constituídas em paraísos fiscais ou de pessoas em idênticas condições
6. EXPLICAÇÕES SOBRE O OPEN BANKING (OPERAÇÕES BANCÁRIAS ABERTAS)
O articulista explica que o PSD2, frequentemente descrito como “open banking” (“operações bancárias abertas”), determina que os bancos ofereçam dados de seus clientes a provedores não bancários de serviços de pagamento e de informações sobre contas. Agregadores podem, a partir daí, apresentar ao cliente uma visão integrada de suas finanças e oferecer serviços complementares.
Pode ser que a época correta de avaliar os riscos à estabilidade financeira do “open banking” tenha sido o período de consultas anterior à aprovação da instrução do FSB. Mesmo agora, na lista dos que contribuíram com o trabalho do FSB mostra que a Comissão Europeia, e os principais órgãos reguladores da Europa e da América do Norte, não estavam envolvidos.
Os países dos grupos mencionados talvez sejam aqueles seguidores das inócuas regras do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia, as quais não atingem às instituições constituídas em paraísos fiscais.
7. Qual foi, então, a conclusão do FSB?
O articulista continua a explicar que os autores do relatório encabeçado pelo FSB começaram, educadamente, a fazer uma série de mesuras à Big Tech. Eles dizem, com razão, que “a maior eficiência dos novos participantes poderá elevar a eficiência dos serviços financeiros no mais longo prazo”.
Também é perfeitamente justo argumentar, como os autores, que o acirramento da concorrência na prestação de serviços financeiros pode beneficiar os consumidores ao aumentar as opções, estimular a inovação e empurrar para baixo os custos das transações. As pressões sobre os provedores tradicionais estão gerando fortes incentivos para reduzir os custos e melhorar os serviços.
Baseados nessas esdrúxulas ou arcaicas teses disseminadas pelos economistas ortodoxos, no Brasil, ao contrário do que esperava o governante de plantão (FHC), com a anuência dos dirigentes das Agências Nacionais Reguladoras, que se transformaram em líderes de vários cartéis por segmentos operacionais, os preços ao consumidor subiram vertiginosamente depois da privatização das empresas estatais.
Mas, para combater a inflação existente antes das privatizações, foi artificialmente provocado o desemprego em massa. Os trabalhadores foram penalizados como causadores da inflação e não foram penalizados os especuladores que, na qualidade de manipuladores do preço de mercado, para que tivessem maior lucro, foram os verdadeiros geradores da inflação.
Dessas demissões em massa resultou a drástica redução do número de consumidores e muitos deles tornaram-se inadimplentes contumazes, sem chances de recuperação financeira.
Então, sem dinheiro, as empresas privatizadas chegaram à beira da falência. A maior delas está em recuperação judicial (a velha concordata).
Essas demissões de trabalhadores para combate a inflação, tanto aconteceram durante o Governo FHC, como também ocorreram depois que Joaquim Levy substituiu Guido Mantega durante o Governo Dilma Russeff.
E, "para colocar os pingos nos is", o golpista Michel Temer chamou Henrique Meirelles que se mostrou totalmente incompetente, razão pela qual aquele desgoverno foi reprovado pela opinião pública.
Mas, aqueles mesmos eleitores insatisfeitos votaram num dos seguidores da política econômica e monetária de Michel Temer. "Durma-se com um barulho desses".
Na realidade, noutros países a coisa está muito pior, principalmente nos países chamados de desenvolvidos. Pelo menos o Brasil tem o que exportar para pagar suas dívidas. Os países desenvolvidos não têm. São meros importadores de quase tudo que precisam consumir.
Por isso, transformaram-se nos maiores devedores com dívidas que continuam a crescer rapidamente. E na América do Norte um louco, fazendo trampolinagens, quer gastar o dinheiro dos contribuintes com guerras e com o novo Muro de Berlin que vai ser construído em antigo território mexicano. Pior. Toda essa dívida gerada pelos imperialistas governantes norte-americanos e pelos governantes dos demais países desenvolvidos, tem como credores incógnitos proprietários de empresas fantasma registradas como offshore em paraísos fiscais.
8. CRIAR FAMA E DEITAR-SE NA CAMA, EIS A INÉRCIA - A COMIDA NÃO CAI DO CÉU
As empresas estabelecidas não podem mais se dar ao luxo de relaxar e se entregar à inércia, como fizeram no passado, quando a troca de contas era rara. Mas o FSB também adverte que o subsídio cruzado poderá permitir que empresas do grupo das Big Tech aumentem sua participação de mercado rapidamente e tirem as provedoras atuais de operação [mais falências]. Em decorrência disso, [ao contrário do que esperavam os defensores da livre concorrência] “participação das BIG TECH poderá não resultar num mercado mais competitivo no mais longo prazo”.
Trata-se de uma advertência à qual os formuladores de políticas públicas deveriam dar atenção. Mas o FSB é, supostamente, o principal interessado em estabilidade. E, nesse trecho, o relatório aponta para ambas as direções de uma só vez.
Por um lado, os autores argumentam que o aumento da competição pode criar um sistema financeiro com maior capacidade de recuperação, com uma gama mais ampla de empresas administrando os canais internos essenciais.
Por outro lado, a capacidade dos recém-ingressos de superar os bancos poderá tornar estes últimos “potencialmente mais vulneráveis a prejuízos”.
A redução correspondente dos “lucros retidos como fonte de capital interno”, argumenta o relatório, “poderá ter um impacto sobre a capacidade de recuperação e de assumir riscos do setor financeiro”.
Agora resta ao leitor resolver qual desses dois cenários tem maior probabilidade de ocorrer.
9. O QUE SE CONCLUI DESSA EXPLANAÇÃO?
O articulista esclarece: Embora o relatório do FSB mostre-se estão inequivocamente positivo sobre o impacto das startups de fintech, seja se elas continuarem sendo entidades independentes ou se integrarem a bancos que estão saindo de operação a fim de criar ofertas de produtos complementares, as conclusões dos autores sobre a Big Tech são muito mais matizadas [variadas, desconexas, diversificadas].
Enquanto análises anteriores sugeriram que as implicações da fintech sobre a estabilidade financeira seriam benéficas ou de pequeno alcance, agora o FSB acredita que “isso pode mudar rapidamente, com o envolvimento maior das grandes provedoras de tecnologia”.
Um possível caminho para a instabilidade financeira identificado no relatório é o de que os bancos poderão afrouxar os padrões de financiamento de uma forma um tanto insensata.
O articulista afirma: Eu avaliaria esse risco como sendo baixo. Os bancos já passaram por isso, na memória recente, e não estão interessados em revisitar esse cenário. Mas a ameaça à lucratividade é real, especialmente se forem adotadas estratégias de fixação de preços “abaixo do custo”, como o FSB julga possível.
9.1. DIRIGENTES DOS BANCOS CENTRAIS FINGINDO-SE DE MORTOS
Diante dessas colocações, parece óbvio que os dirigentes do BACEN estão como ostras dentro de suas carcaças.
Só vão ficar sabendo o que de fato está acontecendo no mundo exterior quando forem quebradas suas cascas, para comê-los.
Definitivamente eles não acreditam na existência do Canibalismo Econômico proporcionado pelas fusões e incorporações de empresas para formação pirâmides cartelizadas, que são inatingíveis quando a holding (ou holdings) está (ou estão) num paraíso fiscal ou em vários.
10. O RISCO DO SUBSÍDIO CRUZADO QUE É IMPOSTO OCULTO = IMPOSTO INDIRETO
Com base no relatório do FSB, o articulista opina: Eles se referem explicitamente ao risco do subsídio cruzado.
10.1. SUBSÍDIO CRUZADO É IMPOSTO OCULTO
Então, a bem da verdade, torna-se importante explicar que o imposto oculto no preço dos produtos não é pago pelas empresas.
Esses impostos ocultos são pagos apenas pelos consumidores. Por isso, diz-se que são impostos embutidos nos preços dos produtos.
Quem afirma que os impostos são pagos pelas empresas está mentindo. Está divulgando Propaganda Enganosa (FAKE NEWS). Os impostos sempre foram pagos apenas pelos consumidores.
As empresas são meras agentes arrecadadoras de tributos que serão recolhidos aos cofres públicos.
11. OS ENGANADOS INVESTIDORES E A CRISE DE CREDIBILIDADE DA GOVERNANÇA CORPORATIVA
O articulista alerta: Os bancos da Europa não têm sido especialmente bem-vistos pelos investidores atualmente, e seus papéis estão sendo negociados bem abaixo do valor contábil na maioria os casos. Uma perda significativa de participação de mercado nos serviços de pagamento ameaçaria ainda mais sua capacidade de sobrevivência.
Em reação a isso, não é de estranhar que o FSB argumente em favor de “vigilância” da parte dos supervisores do setor bancário [BANCOS CENTRAIS].
Os dirigentes dos Banco Centrais, tal como os do BACEN, estão fazendo-se de mortos.
Isto significa que os supervisores do sistema financeiro foram instados a fazer vista grossa aos fatos em questão. Há pouco tempo eles desconheciam a existência do chamado de Shadow Banking System.
Para os subalternos as chefias dizem: Fique quieto para que não seja prejudicada a sua carreira!!!
Esta é a razão da inércia no serviço público tal como também acontece em muitas empresas, quando uma máfia interna ou os terceirizados resolvem desviar dinheiro do patrão.
Neste caso em que fala dos órgãos estatais, por incrível que pareça, os patrões são os eleitores, que juntos, com mais de 50% dos votos válidos, são os acionistas controladores da Nação.
O articulista continua a dizer: Mas eu duvido que a resposta esteja, de fato, nos supervisores do setor bancário.
Se uma gama mais ampla de autoridades tivesse contribuído com o trabalho do FSB, elas poderiam, de forma mais pertinente, ter recomendado vigilância por órgãos reguladores de conduta e antitruste também.
Seguindo-se a própria lógica do FSB, é nos territórios desses órgãos que os maiores riscos têm maior possibilidade de surgir.
O articulista conclui, repetindo: Um possível caminho para a instabilidade financeira identificado no relatório é o de que os bancos poderão afrouxar os padrões de financiamento de forma insensata. Não creio. Os bancos já passaram por isso e não estão interessados em revisitar esse cenário.
12. FINTECH - SINOPSE DO QUE DIZEM OS AUTORES DE ALGUNS LIVROS PUBLICADOS
12.1. FINTECH:desafios da tecnologia financeira
Por Ana Perestrelo de Oliveira
FinTech, acrónimo frequentemente utilizado para designar serviços financeiros e tecnologia, procura referir um amplo universo de inovações tecnológicas com implicações potencialmente transformadoras para o sistema financeiro, os seus intermediários e usuários.
A utilização da tecnologia está já a modificar o modo como os serviços financeiros são prestados, mas essa transformação será cada vez mais acentuada pela chegada ao mercado financeiro de millennials, a geração da Internet, e de diversas sociedades startup com elevada especialização tecnológica e inovadoras, podendo mesmo provocar roturas definitivas nos modelos de negócio até hoje utilizados.
Sendo esta revolução tecnológica uma grande oportunidade transversal para o setor financeiro, seja no domínio bancário, segurador ou do mercado de capitais, ela comporta também riscos que devem ser avaliados juridicamente e, em certos casos, regulados. O tema está pois, presentemente, no centro das preocupações das instituições da União Europeia, como se pode constatar pela recente consulta pública lançada pela Comissão sobre a matéria de FinTech “um setor financeiro europeu mais inovador e competitivo” e pela conferência internacional que teve lugar em Bruxelas, em março do presente ano, sob o tema #FinTechEU. Na medida em que se assiste à revolução tecnológica no setor financeiro será necessário assegurar que ela respeite algumas diretrizes programáticas fundamentais: a regulação deve ser tecnologicamente neutra, de forma a estimular a inovação e garantir um quadro concorrencial equilibrado; deve ser proporcional, tendo em conta a complexidade e relevância sistémica dos modelos de negócio; e deve ser estimuladora da integridade do mercado e da proteção dos consumidores de serviços financeiros.
Por outro lado, a FinTech é um tema onipresente em diversas iniciativas políticas e legislativas de natureza geral ou estrutural. Entre estas podemos referir, por exemplo, a estratégia para a criação de um mercado único digital, o plano para a união do mercado de capitais, ou mesmo o Regulamento Geral de Proteção de Dados, que entrará em vigor em todo o espaço da União em maio de 2018, e que introduz figuras novas ditadas pela tecnologia, como a formulação de perfis, as decisões automatizadas ou o direito à portabilidade dos dados. É também um tema presente em iniciativas sobre áreas específicas, como acontece na revisão da Diretriz de serviços de pagamentos (DsP2), na revisão da Diretriz dos mercados financeiros (DMIF II), ou mesmo na regulação nacional do financiamento colaborativo.
Dada a novidade dos temas e a premência de um debate sobre as diversas questões anteriormente identificadas, o Centro de Investigação de Direito Privado, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com a colaboração do Banco de Portugal, CMVM e ASF, organizou as II JORNADAS FINANCEIRAS, sendo as primeiras sobre o tema de FinTech, que tiveram lugar, no dia 9 de março de 2017, no auditório principal da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A iniciativa suscitou uma participação muito significativa, tendo registrado mais de 400 inscritos.
Por todos estes motivos julgou-se oportuno proceder a uma compilação das diversas intervenções ocorridas nessas Jornadas e, em alguns casos, à publicação de estudos mais desenvolvidos que foram elaborados na sequência dessas intervenções.
Lisboa, 25 de março de 2017
António Menezes Cordeiro - Ana Perestrelo de Oliveira - Diogo Pereira Duarte
12.2. FINTECH E BANCA DIGITAL
DR. HÉLDER ROSALINO - Administrador do Banco de Portugal
Fintech, a junção de Finanças e Tecnologia. Este é tema muito atual e que se reveste da maior importância para o sistema financeiro e para a sua regulação e supervisão.
O Banco de Portugal tem vindo a dedicar uma crescente atenção a este tema, procurando apoiar e dinamizar, ao nível nacional, o debate em torno dos grandes desafios que a inovação digital coloca ao sistema financeiro e à sua regulação.
Nesse sentido, o Banco de Portugal organizou, em outubro passado, uma importante Conferência internacional dedicada ao tema da Banca Digital e das FinTechs, que permitiu debater os desafios e as ameaças que se colocam ao sistema bancário nestes domínios. Essa Conferência mereceu a presença de reputados oradores internacionais, vindos de alguns dos maiores bancos centrais da Europa, do FED, do FMI e também de consultoras internacionais.
Paralelamente, o Banco de Portugal criou um grupo de reflexão interno, multidisciplinar, com o objetivo de estudar a evolução da Banca Digital e das FinTech e de perspectivar, no horizonte temporal 2020, os desafios que se lhe apresentam no contexto alargado da sua missão e no quadro específico das suas responsabilidades de regulação e supervisão.
Nos últimos 10 anos, temos assistido a mudanças muito significativas no setor dos serviços financeiros induzidas por constantes transformações no domínio das tecnologias de informação. Todavia as mudanças que se perspectivam que possam vir a acontecer até 2020 não terão precedentes.
Temos observado, e iremos continuar a assistir a uma progressiva digitalização dos serviços financeiros, fruto de um crescente desenvolvimento tecnológico, da pressão para a redução de custos, de uma mudança de comportamentos por parte dos utilizadores de serviços financeiros, bem como da entrada de novos intervenientes neste mercado, com relevo para as FinTechs.
A Comissão Europeia definiu FinTechs como sendo ‘Inovações tecnológicas com implicações potencialmente transformadoras para o sistema financeiro, para os seus intermediários e utilizadores’. Outras definições têm sido apresentadas, mas o conceito central é este.
As FinTechs têm tido um papel ativo no incremento da experiência digital e na inovação financeira, delineando muitas das soluções tecnológicas que apoiam o funcionamento do mercado financeiro digital. Tem sido muitas vezes responsáveis pelo desenvolvimento de novas plataformas tecnológicas, que permitem a distribuição de produtos e a prestação de serviços financeiros de uma forma mais célere, conveniente, adaptada às necessidades dos clientes, intuitiva e, por vezes, com custos mais baixos.
As FinTechs estudam também novas formas de interação entre os prestadores de serviços financeiros e os seus clientes, promovendo ferramentas de marketing associadas à prestação de serviços digitais.
As instituições financeiras tradicionais (incumbentes) são, atualmente, desafiadas a construir a sua oferta de serviços e produtos financeiros numa perspectiva de constante melhoria, adequação e foco na experiência do utilizador de forma a estar à altura das suas expectativas, que se revelam cada vez mais sofisticadas, customizadas e assentes em experiências digitais positivas. O conceito de experiência digital está intimamente relacionado com as expectativas do cliente e tem em vista proporcionar-lhe uma experiência intuitiva, integrada, personalizada e segura.
No âmbito da experiência digital, as instituições financeiras deverão atender aos diferentes segmentos de consumidores, nomeadamente a Geração Y (Millennials = Nascidos antes do ano 1996) e a Geração Z (Digital Natives = Nascidos na Era Digital). Estas gerações utilizam os diversos canais de comunicação com as suas instituições de diferentes maneiras.
As gerações Y e Z nasceram e cresceram com a internet, estão habituadas a que todos os serviços e informação lhes sejam disponibilizados online e em tempo real, são consumidores vorazes de tecnologia e procuram não só uma cada vez maior interação digital com os seus prestadores de serviços financeiros, mas também produtos mais completos e adaptados às suas características e desejos.
Em 2016, os entrevistados por órgãos de pesquisa eram segmentados em cinco classificações de estágio de vida: Geração Z (com idade de 15 a 20 anos), Geração Y (com idade de 21 a 34 anos), Geração X (com idade de 35 a 49 anos), os Baby Boomers (com idade de 50 a 64 anos) e a Geração Silenciosa (com idade de 65 anos ou mais).
Até o final de 2020, na Geração Z estariam os nascidos neste Século XXI.
As instituições deparam-se, assim, com a necessidade de adotar novas formas e canais de comercialização dos seus serviços e produtos e modernizar e adequar os canais já existentes, tendo em atenção os comportamentos e as tendências das diferentes faixas etárias da população.
A experiência digital nos serviços financeiros caracteriza-se por uma integração de serviços e canais, pela oferta de soluções personalizadas e customizadas, pela prestação de forte atenção às necessidades individuais do cliente e pela eficiência e alta qualidade dos serviços, visando proporcionar uma experiência atraente, conveniente, consistente e adequada ao quotidiano do cliente.
Isto implica, para as instituições, uma constante análise das expectativas e das tendências dos clientes, bem como uma estreita integração tecnológica, do modelo de negócio e de modelos operativos ágeis, tendo em atenção que não proporcionar a experiência que os clientes desejam e que vá ao encontro das suas expectativas, em especial no que diz respeito às gerações Y e Z, pode ter como consequência a quebra da relação, atendendo a que estas gerações mudam com maior frequência e facilidade de instituição.
A evolução verificada na banca de retalho, na sequência da introdução de novos (e diferentes) intervenientes, oferecendo novos (e distintos) produtos e serviços financeiros, tem sido caracterizada, por alguns autores, como a “uberização dos serviços financeiros”.
Perante todas estas transformações e como tem vindo a ser reconhecido, o sistema bancário vive atualmente confrontado com uma certa crise existencial, que não deixa antecipar com clareza como irão ser e funcionar os bancos num futuro não muito longínquo.
Esta crise resulta, por um lado, da significativa alteração das condições econômicas subjacentes ao seu modelo de negócio e à crescente pressão regulatória e, por outro, da profunda transformação digital da economia e da sociedade a que estamos a assistir.
Os efeitos da crise financeira vivida nos últimos anos, associados a uma União Bancária com um quadro institucional ainda incompleto, colocam grandes desafios aos bancos europeus e nacionais.
As consequências dos baixos níveis de crescimento econômico sobre o volume de negócio e sobre o crédito em incumprimento (inadimplemento), os efeitos das muito baixas taxas de juro e as elevadas exigências regulatórias são atualmente restrições muito ativas à atividade do sistema bancário.
Neste contexto, os efeitos das alterações tecnológicas em curso e que se irão acentuar, sejam no domínio da Banca Digital ou das FinTechs, para além de se apresentarem como um desafio cada vez mais exigente, podem constituir uma grande oportunidade para o setor bancário, mas também para as empresas e para os consumidores.
A Banca Digital e as FinTech têm traços comuns. Ambos os fenômenos constituem choques tecnológicos que estão a mudar em grande escala a arquitetura e os modelos de negócio do sistema bancário em todas as geografias. Mas existem diferenças entre estes dois movimentos tecnológicos, relativamente ao momento e à incerteza dos seus efeitos.
Os efeitos da Banca Digital já estão a alterar, de forma muito significativa, a relação entre os Bancos e os seus clientes, com a evolução da oferta de produtos e serviços de base tecnológica.
Este fenômeno será reforçado ao longo dos próximos anos, considerando que as novas gerações (sobretudo as gerações “Millennium” e “Digital Natives”) têm cada vez maior apetência pela utilização de novas tecnologias e pela oferta de serviços customizados às suas reais necessidades.
Por isso, não é surpreendente que esteja a ocorrer uma diminuição da presença física dos bancos, tanto em número de balcões, como de colaboradores.
No conjunto dos países da União Europeia observou-se uma redução de cerca de 40 mil agências nos últimos cinco anos. No caso de colaboradores essa redução foi de 250 mil.
No entanto, este processo de redução está longe de estar terminado, na medida em que têm sido anunciados pela generalidade dos bancos novos e expressivos ajustamentos nos próximos anos, em grande parte como resultado da evolução digital em curso.
No que se refere às FinTech o grau de incerteza sobre os seus impactos é bastante superior. Muitas das novas ofertas de serviços financeiros de base tecnológica foram desenvolvidas fora do sistema bancário por startups e cobrem áreas diversificadas, como os sistemas de pagamento, as operações de crédito, a gestão e a mobilidade financeira.
Para os seus promotores, esta onda de inovação e transformação digital promete uma revolução tecnológica que irá democratizar os serviços financeiros, com os seguintes benefícios imediatos:
Porém, não é certo que a maior parte das startups que estão dinamizar estas inovações venha a sobreviver, do mesmo modo que ainda não é claro quais serão às áreas de negócio que irão prosperar no universo das FinTechs. Também não é ainda certo o nível de resposta que o sistema bancário irá dar a este fenômeno.
Por isso, é ainda particularmente difícil antecipar a evolução do sistema bancário em resultado da inovação tecnológica associada a provisão de novos serviços financeiros baseados nas FinTech.
Uma das principais áreas onde se observa um grande potencial de crescimento para as FinTechs são os serviços de pagamentos. Existe já uma grande apetência por parte dos consumidores para o recurso a serviços de pagamentos digitas e a entrada em vigor da nova diretiva de pagamentos europeia (PSD2), prevista para 2018, deverá ser mais um importante estímulo, no que diz respeito ao aparecimento de novos players nesta área. A diretiva alarga a possibilidade de oferecer serviços de pagamentos e de agregação de contas bancárias a operadores não financeiros, tornando aquilo que antes era apenas feito por bancos ao alcance de FinTechs e até mesmo empresas de retalho ou telecomunicações.
As consequências destas evoluções, que podem ser bastante disruptivas sobre os modelos de negócios dos bancos, colocam igualmente grandes desafios às autoridades de supervisão, tanto na área prudencial, como na área comportamental.
A nova arquitetura e os novos modelos de negócios dos Bancos obrigarão a uma resposta multidisciplinar dos bancos centrais, colocando desafios a várias das suas funções “core”, tais como a implementação da política monetária, a gestão de ativos de reserva, a supervisão bancária e a garantia da estabilidade financeira.
Como dizia recentemente o Governador do Banco de Inglaterra:
“Face a estes novos desafios, os bancos centrais devem ter abordagens consistentes para atividades semelhantes levadas a cabo por diferentes instituições, que podem conduzir aos mesmos riscos para a estabilidade financeira.
Só porque algo é novo não significa necessariamente que deva ser tratado de forma diferente.
Da mesma forma, apenas porque está fora do perímetro regulatório não significa necessariamente que precise de ser trazido para dentro.”
Em suma, a mensagem do Governador do Banco de Inglaterra é a de que é preciso conhecer para atuar. E é preciso estar perto ou mesmo dentro da inovação tecnológica, para a compreender e orientar no interesse da estabilidade financeira.
Essa foi a razão pela qual o Banco de Inglaterra criou o “FinTech Accelerator”, que para além do objetivo de acelerar o ecossistema de FinTechs, pretende refletir sobre a forma como o supervisor pode beneficiar da inovação tecnológica nestas áreas.
Vivem-se tempos novos para o sistema bancário, mas também para os reguladores, que exigem novas abordagens, novos recursos e novas competências. Nos últimos anos, os legisladores europeus têm vindo a procurar criar um enquadramento regulamentar para os serviços financeiros que seja promotor de maior concorrência, transparência, segurança e inovação. Há várias iniciativas legislativas em curso neste domínio.
Contudo, o desafio é saber até que ponto a regulação existente, que não está ainda harmonizada, e as práticas atuais dos reguladores são adequadas e em que aspetos deverão ser alteradas, face às novas realidades emergentes.
Na ausência de um modelo regulatório harmonizado, algumas jurisdições estão a colocar em prática legislação nacional para enquadrar algumas atividades das FinTechs, originando modelos de regulação e supervisão distintos entre os vários países, criando distorções ao nível transfronteiriço que os operadores tendem a aproveitar.
A exemplo de outros temas, o acompanhamento e resposta a este problema implica a necessidade de ser assegurada uma abordagem, desde logo, coordenada ao nível nacional (CNSF) e ao nível europeu entre reguladores financeiros (EBA, ESMA, EIOPA, BCE, SSM).
A dinâmica de crescimento das FinTech e de aparecimento de novos prestadores de serviços exige uma resposta organizada, ágil, tempestiva e transparente, envolvendo todos os atores.
Nesse sentido, torna-se essencial a construção de uma visão tanto quanto possível partilhada sobre os desafios e os benefícios que a transformação digital e as FinTechs podem introduzir no funcionamento de todo o sistema financeiro e na sua regulação.
O presente texto corresponde, no essencial, à intervenção de abertura proferida nas II Jornadas Financeiras FinTech, organizadas pelo Centro de Investigação de Direito Privado da Faculdade de Direito de Lisboa. Felicita-se os Professores Doutores António Menezes Cordeiro e Pedro Romano Martinez pela iniciativa e todos os que estiveram envolvidos na sua concretização, com uma palavra especial de agradecimento ao Professor Doutor Diogo Pereira Duarte pelo empenho demonstrado na gestão e promoção das Jornadas.
12.3. FinTech e seguros
PROFESSORA DOUTORA MARIA DE NAZARÉ BARROSO - Administradora da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF)
12.3.1.A mudança da realidade
O mundo e o modo como vivemos tem mudado a um ritmo cada vez mais acelerado e essa mudança é visível, tanto nas notícias que nos chegam sobre novas descobertas científicas e desenvolvimentos tecnológicos, como no nosso dia a dia.
Dois dos principais motores da mudança são, sem dúvida, a tecnologia e a inovação. Os últimos anos trouxeram um desenvolvimento sem precedentes a estes níveis. A difusão dos computadores e da internet, que se tornaram acessíveis a quase todas as pessoas, e a sua combinação em smartphones progressivamente mais disruptivos e funcionais será a face mais visível para todos nós.
Os computadores, desenvolvidos para fins militares durante a Segunda Guerra Mundial, foram progressivamente ficando à disposição das empresas e dos indivíduos. As suas funcionalidades aumentaram e a sua dimensão diminuiu. Os microchips que os compõem puderam ser integrados em materiais que, à partida, não pareciam aptos a recebê-los e proporcionam uma série de dispositivos móveis e sensores que podem recolher dados biológicos, de localização e outros.
Podem ser aplicados nos denominados wearables, em objetos como relógios ou óculos, ou integrados na roupa, nos sapatos e mesmo implantados no corpo humano. Ao serem usados permitem, por exemplo, medir a frequência cardíaca, a tensão arterial, registrar percursos de corrida e número de passos, bem como comparar os resultados com os de outros utilizadores.
O impacto deste desenvolvimento tecnológico e digital é enorme. A área dos seguros não é, obviamente, exceção.
12.3.2.Impacto na área dos seguros – regulação e supervisão
Os desenvolvimentos tecnológicos e a inovação têm vindo a colocar grandes desafios, quer ao mercado segurador, quer à sua supervisão.
A difusão da possibilidade de pagar prêmios de seguro através da internet ou das redes móveis constituiu-se, sem dúvida, como uma inovação de grande impacto.
Mesmo um telemóvel rudimentar, em países em desenvolvimento, permite realizar pagamentos, o que está a revolucionar muitos negócios, inclusive no setor segurador. O microsseguro, por exemplo, tem beneficiado amplamente desta possibilidade.
Em aparelhos móveis mais sofisticados, ou em computadores, é possível realizar as mais diversas operações. O comércio eletrónico tem também beneficiado do desenvolvimento dos sites na internet e de plataformas que facilitam a publicidade e a comercialização à distância.
Outra inovação nesta área passa pelo recurso crescente a sites comparativos para apresentação e venda de seguros. Esta evolução surge diretamente ligada com o desenvolvimento de plataformas que suportem as funcionalidades necessárias aos procedimentos complexos que lhe estão subjacentes.
A aquisição do seguro automóvel através de sites comparativos teve, por exemplo no Reino Unido, um impacto significativo e já se começa a encontrar disponível em Portugal. Esta matéria tem sido objeto de análise e a nova Diretiva da Distribuição de Seguros, atualmente em processo de transposição, irá certamente abrir novos caminhos, tanto ao mercado, como à supervisão.
O uso massivo de dispositivos móveis tem vindo, igualmente, a transformar o modo como os clientes se relacionam com empresas de seguros e mediadores.
As empresas adaptam os seus sites e criam aplicações específicas para os telemóveis apps). Torna-se, assim, possível comprar seguros, participar sinistros, apresentar reclamações, permitindo que toda a relação contratual seja digital.
A associação de seguradores divulgou, recentemente, a criação da Declaração Amigável de Acidente Automóvel (DAAA) digital que, em caso de acidente de viação, pode ser preenchida através do telemóvel. É, ainda, possível recolher imagens (fotos ou vídeos) que ajudarão à regularização do sinistro.
Assistimos, também, a uma campanha publicitária de uma seguradora que criou uma aplicação de telemóvel para pessoas com deficiências auditivas, que usa linguagem gestual, permitindo o relacionamento direto destas pessoas com o operador.
Outro aspeto a destacar é a informação. A vida nas sociedades atuais, principalmente nos países desenvolvidos, implica a produção massiva de dados. A informação é gerada, recolhida, armazenada, tratada e usada. É a big data, que vem sendo considerada o petróleo do século XXI.
No âmbito do mercado segurador, esta realidade tem vindo a assumir grande importância. Desde logo, na publicidade. Depois, e mais importante, na avaliação do risco e do sinistro. Encontram-se disponíveis dados que, sendo utilizados, podem determinar decisões que, doutro modo, não seriam possíveis.
Por fim, será de referir os novos modelos de negócio que usam a tecnologia digital disponível, as redes sociais, a informação gerada e exploram as suas potencialidades.
Salientam-se os modelos colaborativos, em que um conjunto de pessoas se junta para prover às suas necessidades, sejam financeiras, de transporte (ex. UBER), ou outras. A oferta e a procura encontram-se diretamente (modelos peer-to-peer).
Esta realidade começa a encontrar-se no mercado segurador, onde já vão surgindo exemplos de modelos P2P (EUA, Alemanha, Reino Unido, China).
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões está atenta às novas realidades tecnológicas e digitais, englobadas no que se vem denominando Insurtech.
A ASF tem vindo a realizar a monitorização da publicidade nos meios clássicos e reforçado, especificamente, a supervisão da comercialização à distância de seguros. Estas ações de supervisão realizam-se numa base de análise de situações de risco, que surgem relacionadas com a publicidade monitorizada, ou que chegam de outro modo ao conhecimento desta Autoridade de Supervisão.
Existe, no âmbito da Supervisão Comportamental, um observatório digital em que se recolhem notícias, relatórios e estudos e são analisadas as novas realidades de que vai tendo conhecimento. Sempre que se justifica, desencadeiam-se as ações de supervisão adequadas.
A ASF colabora com vários organismos, nacionais e internacionais, que têm vindo a dedicar a esta matéria uma crescente atenção, tanto no sentido de compreender os diversos fenômenos que estão em causa, como de desenvolver a regulamentação que se venha a julgar necessária e adequada.
Em sede de regulação e supervisão, diversos fatores merecem atenção, salientando-se, entre outros, o risco de discriminação que o acesso a alguma informação pessoal pode acarretar.
A ASF vai continuar a dedicar especial atenção ao impacto que os desenvolvimentos tecnológicos e digitais têm no mercado segurador e diligenciar para que sejam enquadrados ao nível da regulação e acompanhados ao nível da supervisão.
O presente texto corresponde, no essencial, à intervenção de abertura proferida nas II Jornadas Financeiras Fintech, realizadas em 9 de março de 2017, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Agradece-se o convite endereçado à ASF para estar presente nestas Jornadas Financeiras dedicadas à Fintech.
12.4. FinTech e regulação no mercado bancário
CARLOS MOURA - Coordenador do grupo de trabalho do Banco de Portugal “Fintech e Digital Banking”
12.4.1. Enquadramento
Nos últimos 10 anos, temos assistido a mudanças muito significativas no setor dos serviços financeiros por força de constantes transformações no domínio das tecnologias de informação. Todavia as mudanças que se perspectivam vir a acontecer até 2020 não terão precedentes.
Segundo a entidade de research IDC, o impacto da transformação digital no setor financeiro irá trazer alterações significativas nos modelos de negócio estabelecidos e na forma como as instituições se relacionam com os clientes. De forma não exaustiva, é referido que:
Para esta disrupção contribuem não só as chamadas FinTechs, mas também as instituições incumbentes – e em particular os que se posicionam melhor em termos de mercado internacional –, não só através da diversificação dos serviços que prestam (e, em particular, da forma como os prestam), mas também por via da incorporação de inovações tecnológicas, muitas vezes desenvolvidas por FinTechs, com as quais estabelecem parcerias. Atualmente, o ruído existente à volta das FinTech passa a mensagem de que os serviços financeiros podem ser radicalmente alterados de um dia para o outro, mas afigura-se que as FinTechs representam, acima de tudo, uma inevitável mudança na forma como os serviços financeiros são disponibilizados e no modo de interação com os clientes. Além disso, as FinTech terão primeiro que provar que são capazes de satisfazer, a longo prazo, os desafios já hoje colocados aos fornecedores dos serviços financeiros (nomeadamente, em matéria de cumprimento do quadro normativo).
É neste contexto de forte e constante transformação que também o BdP deve avaliar o seu posicionamento estratégico, identificando que orientações devem ser endereçadas no sentido de acompanhar de forma mais pró-ativa todo o contexto envolvente da mudança e poder assim estar mais capacitado para acompanhar estas alterações em vários domínios de atuação: Autoridade Monetária, Supervisão Prudencial e Estabilidade Financeira, Supervisão Comportamental e Pagamentos.
Perante este desafio o Banco de Portugal criou um grupo de reflexão interno, multidisciplinar, com o objetivo de estudar a evolução da Banca Digital e do FinTech e de perspectivar, no horizonte temporal 2020, os desafios que se colocam no contexto alargado da sua missão e no quadro das suas responsabilidades de regulação e supervisão.
Como tem vindo a ser reconhecido em vários fóruns de reflexão, o sistema bancário vive atualmente confrontado com uma crise existencial, que não deixa antecipar com clareza como irão ser e funcionar os bancos num futuro não muito longínquo.
Esta crise resulta, por um lado, da significativa alteração das condições econômicas subjacentes ao seu modelo de negócio e à crescente pressão regulatória e, por outro, da profunda transformação digital da economia e da sociedade a que estamos a assistir.
Os efeitos da crise financeira vivida nos últimos anos, potenciados por uma União Bancária com um quadro institucional ainda incompleto, colocam grandes desafios aos bancos europeus e nacionais.
As consequências dos baixos níveis de crescimento econômico sobre o volume de negócio e sobre o crédito em incumprimento, os efeitos das muito baixas taxas de juro e as elevadas exigências regulatórias são atualmente restrições muito ativas à atividade do sistema bancário.
Neste contexto, os efeitos das alterações tecnológicas em curso e que se irão acentuar, sejam no domínio da Banca Digital ou das FinTech, para além de se apresentarem como um desafio cada vez mais exigente, podem constituir uma grande oportunidade para o setor bancário, para as empresas e para os consumidores.
A Banca Digital e as FinTech têm traços comuns. Ambos os fenômenos constituem choques tecnológicos que estão a mudar em grande escala a arquitetura e os modelos de negócio do sistema bancário em todas as geografias. Mas existem diferenças entre estes dois movimentos tecnológicos, relativamente ao momento e à incerteza dos seus efeitos.
Os efeitos da Banca Digital já estão a alterar, de forma muito significativa, a relação entre os Bancos e os seus clientes, com evolução da oferta de produtos e serviços de base tecnológica. Este fenômeno será reforçado ao longo dos próximos anos, considerando que as novas gerações (sobretudo as gerações “Millennium” e a “Digital Natives”) têm cada vez maior apetência pela utilização de novas tecnologias e pela oferta de serviços customizados às suas reais necessidades.
Por isso, não é surpreendente que esteja a ocorrer uma diminuição da presença física dos bancos, tanto em número de balcões, como de colaboradores.
No conjunto dos países da União Europeia observou-se uma redução de cerca de 40 mil agências nos últimos cinco anos. No caso de colaboradores essa redução foi de 250 mil. No entanto, este processo de redução está longe de estar terminado, na medida em que têm sido anunciados pela generalidade dos bancos novos e expressivos ajustamentos nos próximos anos, em grande parte como resultado da evolução digital em curso.
No que se refere às FinTech o grau de incerteza sobre os seus impactos é bastante superior. Muitas das novas ofertas de serviços financeiros de base tecnológica foram desenvolvidas fora do sistema bancário por startups e cobrem áreas diversificadas, como os sistemas de pagamento, as operações de crédito e a gestão financeira.
12.4.2. Desafios da transformação digital
Os progressos tecnológicos que têm caracterizado a evolução dos principais setores de atividade econômica ao longo das últimas décadas atingem facilmente uma dimensão global, tendo surgido, nos anos mais recentes, novas tecnologias e inovações no sector bancário. Na medida em que estas inovações são acompanhadas por alterações de preferências dos consumidores e pelo surgimento de novos intervenientes neste sector (FinTech), podem alterar a forma como os diferentes agentes de mercado se relacionam entre si, colocando desafios a várias funções “core” dos bancos centrais, tais como a implementação da política monetária, a gestão de ativos de reserva, a supervisão bancária e a garantia da estabilidade financeira. No futuro, a tendência será de uma busca constante por melhorias nas tecnologias utilizadas, de modo a obter ganhos de eficiência, sendo que a inovação, tanto no modo de operar, como dos produtos em si, permanecerá como a chave do sucesso.
Um dos principais desenvolvimentos tecnológicos mais recentes e que promete revolucionar o mercado financeiro é utilização do Distributed Ledger Technology (por vezes, simplesmente referido como DLT/Blockchain), nomeadamente ao nível do reporte de informação. Assinale-se que o próprio BCE se encontra a estudar potenciais casos de uso desta nova tecnologia. Da mesma forma, sobretudo em países com níveis de inclusão financeira mais diminutos, como a China, a Índia, o Quénia e a Tanzânia, os serviços financeiros digitais têm sido um importante catalisador em matéria de inclusão financeira.
12.4.2.1 Desafios transversais
Segurança
Tem sido comummente salientado, nomeadamente na literatura e nos fora internacionais que se têm debruçado sobre os serviços financeiros digitais, que a segurança é uma das principais preocupações de legisladores, reguladores e supervisores, quando está em causa a utilização de canais digitais para a realização de operações financeiras, assim como a intervenção de novos intervenientes (os incomers, muitas vezes FinTechs).
Com efeito, a realização de transações financeiras por via digital, além de acarretar riscos para a segurança relacionados com a utilização de dispositivos tecnológicos e conectados à internet, suscita também questões de segurança que se prendem com a ausência de identificação clara e precisa do prestador, a ausência de uma sede física e de mecanismos claros para apresentação de reclamações, a atuação transfronteiriça de prestadores, sem descurar a iliteracia tecnológica e digital de alguns clientes.
Os riscos de segurança têm sido encarados numa visão global, quer numa perspectiva individual, isto é no âmbito da relação cliente/instituição (supervisão comportamental), mas também numa dimensão de estabilidade do sistema financeiro, de risco sistémico (supervisão prudencial e estabilidade do sistema financeiro) e do correto funcionamento dos sistemas de pagamentos.
Acresce que o sentimento de insegurança pode comprometer o desenvolvimento de serviços e produtos financeiros inovadores, o que é suscetível de afetar a modernização do sistema financeiro e a sua maior eficiência, mas também o comércio eletrónico e, com isso, a economia.
Da mesma forma, as preocupações de segurança associadas à transformação digital e à experiência digital refletem-se não apenas de uma perspectiva externa (relação dos clientes com o sistema financeiro), mas também de um ponto de vista interno, isto é, os desafios que o BdP terá de ponderar em matéria de segurança, quando está em causa a digitalização da própria instituição.
No que diz respeito à perspectiva externa, saliente-se que as principais alterações normativas que têm sido adotadas para incrementar a segurança dos utilizadores têm como objetivo, entre outros desideratos, o reforço da segurança dos utilizadores e, concomitantemente, o aumento da confiança nos sistemas. Veja-se, a este propósito, o caminho seguido pelo legislador comunitário na nova Diretiva dos Serviços de Pagamento. Com a presente Diretiva, que deverá ser transposta para o ordenamento jurídico português até 13 de janeiro de 2018, os prestadores de serviços de pagamento devem, designadamente, assegurar a autenticação forte do cliente para a validação de operações remotas e monitorizar e reportar incidentes de segurança.
A EBA encontra-se a concretizar um conjunto de disposições desta Diretiva, por via de RTS e de Guidelines, destacando-se os RTS sobre a autenticação forte do cliente e comunicação segura, que estiveram em consulta pública recentemente.
Tratamento de dados
A proteção de dados pessoais dos clientes tem sido apontada como um dos desafios associados à introdução de novas tecnologias na área financeira, à prestação de serviços financeiros através de canais digitais e à participação de novas entidades (FinTechs).
Com efeito, muitos dos incomers baseiam a sua atividade no profiling com recurso ao Big Data como forma de oferecer produtos e serviços financeiros “tailor made” e “customer centric”, ou seja, adequados às preferências e necessidades dos clientes.
A utilização dos dados pessoais e dos perfis dos clientes constitui-se, cada vez mais, como um elemento chave para certos modelos de negócio (data economy). Fazendo uso de tracking tools (ex.: cookies) e de instrumentos de análise de dados (ex.: web or predictive analytics), os prestadores de serviços poderão direcionar os seus clientes, direta e individualmente, para determinados produtos e serviços e para ofertas personalizadas. De outro modo, e ainda que em eventual desrespeito pelas regras de proteção de dados existentes, tem-se verificado que os dados do consumidor são anonimizados e vendidos a terceiros.
Por esta razão, o legislador europeu identificou a temática da proteção de dados pessoais como uma das áreas de atuação prioritárias, tendo sido emitido recentemente o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (comummente conhecido como GDPR, “General Data Protection Regulation”).
Ao mesmo tempo, têm sido criados, a nível europeu, grupos de trabalho, nomeadamente na EBA e no Joint Committee das Autoridades Europeias de Supervisão (ESAs), com o intuito de perceber em que medida a utilização inovadora de dados pessoais alavancadas em plataformas de Big Data podem acarretar benefícios e riscos para os clientes, para as instituições financeiras e para o próprio sistema financeiro.
A temática da proteção e do tratamento de dados pessoais também tem sido suscitada a propósito da prestação de produtos e serviços financeiros através de canais digitais, sendo que as instituições terão que acautelar, no ecossistema digital, a recolha do consentimento do cliente, nos termos exigidos pela GDPR, para o tratamento dos respetivos dados.
A principal questão a salientar é a de que a fiscalização do cumprimento de normas relativas à proteção de dados é da competência, na ordem jurídica nacional, da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Regulação
Nos últimos anos, os legisladores europeus têm vindo a criar um enquadramento regulamentar para os serviços financeiros que seja promotor de maior concorrência, transparência, segurança e inovação. Neste enquadramento incluem-se, entre outros, o Regulamento (UE) nº 260/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março, que estabelece requisitos técnicos e de negócio para as transferências a crédito e os débitos diretos em euros (Regulamento SEPA); o Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões; a Diretiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno (DSP2); e a Diretiva 2014/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativa à comparabilidade das comissões relacionadas com as contas de pagamento, à mudança de conta de pagamento e ao acesso a contas de pagamento com características básicas (PAD).
As FinTech e os novos serviços prestados representam mais oportunidades para os consumidores, envolvem diferentes áreas (os serviços de pagamento, as infra-estruturas de mercado, os produtos tradicionais da banca comercial e de retalho) e acarretam novos riscos. O desafio é saber até que ponto a regulação existente e as práticas atuais dos reguladores são adequadas a esta nova realidade e em que aspetos deverão ser eventualmente alteradas.
Em paralelo com o fenômeno das FinTechs, das alterações decorrentes da transformação digital ao nível das instituições incumbentes (designadamente por via da adaptação ou alteração do modelo de negócio e da sua organização e práticas tradicionais de presença no mercado), também poderão advir necessidades de resposta ao nível da regulação.
Neste contexto, refira-se ainda os serviços ou tecnologias denominados de “RegTech”, que consistem na utilização de inovações tecnológicas para facilitar o cumprimento das exigências regulatórias de forma mais eficiente e com menores custos (por exemplo, ao nível dos reportes ou de sistemas de gestão de risco).
De qualquer forma, as interações entre todas as áreas abrangidas (supervisão, estabilidade financeira, segurança, pagamentos, entre outras) exigem uma abordagem multidisciplinar ao aspeto da regulação dos serviços prestados e uma partilha de informação interna dentro do Banco.
Autoridade Monetária e Sistemas de Pagamentos
No que diz respeito à função do BdP enquanto autoridade monetária, conhecer a tecnologia DLT, as suas potencialidades de uso e riscos associados é um desafio importante, uma vez que esta tecnologia poderá criar disrupções nos processos instituídos e alterar os papéis e as interações entre os vários participantes do sistema financeiro. Em particular, a tecnologia DLT poderá ter impacto na forma como os ativos são entregues em garantia, no registro de ações, obrigações, derivados ou outros ativos financeiros, e na compensação e liquidação de operações, tornando estes processos quase imediatos e sem necessidade de intervenção de entidades terceiras.
Vários bancos centrais, e inclusivamente o BCE, estão a estudar a possível adoção desta nova tecnologia em vários dos seus processos de negócio, designadamente no âmbito das infraestruturas de mercado, sistemas de pagamentos e atividades conexas (no retalho, TARGET2 e TARGET2-Securities). A utilização da tecnologia DLT apresenta várias vantagens, nomeadamente ao nível da promoção da transparência nas transações, redução do risco de contraparte (ex. não sendo necessários intermediários eliminação do “middle man”) e aumento da resiliência no domínio da cibersegurança.
Este conhecimento implica o intercâmbio de experiências e análises com outros bancos centrais nacionais e com o BCE. O BCE, para além da aplicação da tecnologia DLT a nível operacional, encontra-se também a estudar potenciais impactos nas restantes funções no domínio dos sistemas de pagamentos – enquanto catalisador e autoridade de superintendência.
Estabilidade Financeira e Supervisão
Pela diversidade e abrangência dos impactos das FinTech, a atuação ao nível da sua regulação e supervisão é necessariamente complexa, implicando que o tema seja analisado e discutido em diferentes entidades e fora internacionais, e seja acompanhado pelo BdP através de diferentes departamentos, no âmbito das suas diferentes competências. Salienta-se ainda que os supervisores e os superintendentes têm também aproveitado os desenvolvimentos tecnológicos para repensar os seus próprios procedimentos, nomeadamente em matéria de supervisão (RegTech) e de sistemas de pagamentos.
No que se refere aos fora internacionais em que o BdP participa, ao nível da EBA, o tema tem vindo a ser focado por um lado nas inovações tecnológicas ligadas aos meios financeiros (ex. crowdfunding, moedas virtuais, FinTech). Mais recentemente, por via da atuação do SCConFin, no âmbito do SGIP, foi constituído um WS sobre FinTechs, em abril 2016, que tem efetuado trabalho de pesquisa sobre o assunto, em particular na perspectiva da proteção do consumidor e da conduta. Do ponto de vista da supervisão microprudencial, este tema tem sido abordado desde 2015 ao nível da Taskforce on IT Risk Supervision da EBA, que o inclui no âmbito do relatório sobre acompanhamento de riscos.
No que concerne à regulação e riscos macroprudenciais, e no domínio dos serviços financeiros tradicionais, que são regulados, como nos depósitos, serviços de pagamento ou serviços de investimento, as FinTechs são sujeitas a procedimentos de autorização prévia e devem cumprir com a legislação europeia em vigor para os serviços financeiros. A implementação da PSD2 levará a que algumas FinTechs passem a ser abrangidas pela regulação dos serviços financeiros, designadamente por introduzir dois novos tipos de serviços de pagamento que serão provavelmente prestados por FinTechs – serviços de informação de contas e serviços para iniciação de pagamentos.
Organização interna do Banco de Portugal
O desafio de levar a cabo a implementação de um processo de transformação digital nas organizações significa também refletir sobre o impacto que essa transformação tem nos processos de negócio da organização. Esse impacto vai muito para além da simples mudança tecnológica, estendendo-se às pessoas e à cultura organizacional.
Esse impacto pode verificar-se em três níveis diferenciados:
Quando pensamos na transformação digital do BdP torna-se imperioso que, enquanto organização, prepare as suas equipas executivas, técnicas e operacionais e, em última instância, todos os seus recursos humanos, para progressivamente conseguir endereçar, passo a passo, os desafios dessa transformação.
A transformação digital não se esgota na definição de uma Estratégia Digital para a organização – é forçoso que na implementação dessa estratégia se reexaminem os modelos de negócio existentes, desde a forma como são desenhados à forma como são implementados e operacionalizados. Só assim será possível garantir que a Estratégia Digital, estendida a todas as áreas de negócio, incorpora uma reflexão estratégica sobre formas diferenciadas de repensar os modelos de negócios existentes e a experiência do utilizador ou do cliente final.
Como resumo, podemos afirmar que os desafios ao nível da organização no contexto da Transformação Digital são muitos, e podem ser sistematizados nas seguintes vertentes:
12.4.3. Conclusão: Áreas de particular atenção no contexto do Banco Central
Esta onda de inovação e transformação digital promete uma revolução tecnológica que irá democratizar os serviços financeiros, com os seguintes benefícios imediatos:
Porém, não é certo que a maior parte das startups que estão dinamizar estas inovações venha a sobreviver, do mesmo modo que não é ainda claro quais serão às áreas de negócio que irão prosperar no universo das FinTech. Também não ainda certo o nível de resposta que o sistema bancário irá dar a este fenômeno.
Por isso, é ainda particularmente difícil antecipar a evolução do sistema bancário em resultado da inovação tecnológica associada a provisão de novos serviços financeiros baseados nas FinTech.
Não obstante os níveis de incerteza serem ainda muito grandes, o certo é que os desafios que se colocam ao sistema financeiro são enormes no domínio da inovação e da transformação digital.
Exigem uma visão e uma estratégia, uma atitude inovadora, a abertura para introduzir novas abordagens de negócio e, não menos importante, capacidade de investimento e de reforço da capacitação interna dos bancos.
As consequências destas evoluções, que podem ser bastante disruptivas sobre os modelos de negócios dos bancos, colocam igualmente grandes desafios às autoridades de supervisão, tanto nas áreas micro e macro-prudencial, como na área comportamental.
A nova arquitetura e os novos modelos de negócios dos Bancos obrigarão a uma resposta multidisciplinar dos bancos centrais, colocando desafios a várias das suas funções “core”, tais como a implementação da política monetária, a gestão de ativos de reserva, a supervisão bancária e a garantia da estabilidade financeira.
Com base na caracterização atual e nos desafios que foram identificados algumas áreas de particular interesse:
12.5. Os desafios digitais no mercado segurador
MESTRE PAULA RIBEIRO ALVES - Departamento de Supervisão Comportamental da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões
“Foram tempos magníficos, foram tempos tenebrosos […], tínhamos tudo diante de nós, nada tínhamos diante de nós”. Charles Dickens, História em Duas Cidades
12.5.1. Prevenções, limitações e desafio
O mercado segurador, como quase todos, está a ser colonizado pela tecnologia. O batismo do fenômeno deu-se recentemente, com acrônimo estrangeiro, como se usa nestes tempos globais em que a nova língua franca é o inglês. Insurtech ficou.
No domínio da tecnologia aplicada aos serviços financeiros (Fintech) e, mais concretamente aos seguros (Insurtech), deparamo-nos com duas realidades complexas para todos e que importunam especialmente os juristas.
Uma é a necessidade de se recorrer com frequência ao inglês o que acontece, desde logo, por existir um consenso generalizado em torno do significado de vários anglicismos que são recebidos pacificamente nas várias línguas e usados com a possível eficácia, nacional e internacionalmente.
Podíamos chamar à internet “rede de alcance mundial”, mas convenhamos que não era a mesma coisa. O certo é que quando a mencionamos, conseguimos um consenso de entendimento sobre aquilo a que nos estamos a referir.
Outra razão, de algum modo decorrente da primeira, é a plasticidade extrema dos novos conceitos que estão sempre a assumir um contorno algo diferente. Isto porque passam a incluir novas realidades, normalmente digitais, que inexistiam e vão ser arrumadas onde melhor forem cabendo, até ganharem autonomia suficiente para passarem a ter nome próprio, primeiro em inglês e depois, eventualmente, noutras línguas. Refiram-se, a título de exemplo, os smartphones, cujas funcionalidades têm vindo a aumentar extraordinariamente. São especialmente relevantes na área financeira que é, por natureza, apta à desmaterialização que propiciam. O smartphone atual é computador, televisão, rádio, jornal, livro, biblioteca, banco, loja, casino, máquina fotográfica, GPS, calculadora, centro de saúde, lanterna, sala de convívio em redes sociais e uma infinidade de outras coisas. Ocasionalmente, também serve para telefonar.
O que nos leva à segunda realidade, que consiste num enorme desafio. Os conceitos com que lidamos apresentam-se muito fluidos. Tal dificulta, desde logo, a comunicação e, depois, a determinação do regime jurídico aplicável à situação. O legislador, principalmente o legislador da União Europeia, tem reagido através da proliferação de definições, explicadas em considerações. Na verdade, há que apurar o que está subjacente ao termo usado e interpretar. Refira-se, a título de exemplo, o suporte duradouro, fulcral ao contrato de seguro. O Decreto-Lei 72/2008, estabeleceu no seu artigo 32, nº 1 que “A validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial.” e no seu nº 2 prevê que “O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro.”. Isto é, a celebração válida do contrato de seguro dispensa forma especial, mas este continua estruturalmente consubstanciado na apólice que é obrigatoriamente “um documento escrito”. Ao que acrescem os deveres de informação pré-contratuais. Neste contexto adquire, pois, especial relevância determinar que meios se consideram adequados ao cumprimento das obrigações estabelecidas.
Desde que surgiram alternativas viáveis e até preferíveis ao papel para registrar, guardar e enviar informação que o legislador tem vindo a definir, para efeito de vários diplomas, o que é “suporte duradouro”, incluindo uma lista dos ditos. A novidade mais interessante é que, finalmente, incluiu o papel, terminando com a dicotomia subjacente papel/suporte duradouro.
Estas limitações, que não são novas, exceto na rapidez com que surgem e na larga escala que alcançam, colocam sérias dificuldades.
O primeiro desafio é, portanto, entendermo-nos sobre o que estamos a falar, sintonizarmo-nos sobre, senão os conceitos, pelo menos a natureza das realidades que se nos apresentam, de modo a podermos pensar o mais acertadamente possível sobre elas.
12.5.2. Realidades a considerar
Sabendo, pois, que a conceituação dos fenômenos que estão subjacentes aos desenvolvimentos da Insurtech, é difícil, não podemos deixar de abordar algumas realidades tecnológico-digitais a considerar, que são pressuposto dos desenvolvimentos que se notam nos seguros.
Falaremos, então, com a necessária brevidade, das redes sociais, dos robots e da inteligência artificial, da big data e da internet das coisas.
12.5.2.1. Redes sociais
As redes sociais, fenômeno digital vastamente conhecido e presente no quotidiano da maior parte das pessoas, já vão assumindo o caráter de fato público e notório, não carecendo de grande demonstração. São usadas massivamente pelos mais novos, têm grande adesão dos idosos, são a base de muita comunicação, quer pessoal, quer profissional. Mesmo os que se mantém firmes na sua rejeição, com razões fortes e coerentes sabem, no essencial, como funcionam.
Vale a pena, no entanto, destacar três pontos que vão ser determinantes nos novos fenômenos que estão a surgir no mercado segurador.
O primeiro é o fato de através da internet e, mais intensamente, das redes sociais, ser possível manterem-se em contacto direto online pessoas que doutro modo jamais se encontrariam e muito menos colaborariam.
O segundo é a desvalorização, em muitos casos a total anulação, da distância física. Pode ser totalmente irrelevante, para contribuir para um projeto comum que possa ser concretizado online, o local físico em que as pessoas se encontram. Dois acadêmicos podem fazer uma investigação conjunta e publicar um artigo com o seu resultado, vivendo nos antípodas, sem nunca se encontrarem. Se se organizarem para a recolha de dados ou experiências, falarem online (em regra, gratuitamente), trocarem os textos com a evolução do trabalho, ou arranjarem um espaço conjunto na nuvem (cloud) em que os partilham, poderão chegar a bom termo sem se chegarem a conhecer pessoalmente.
O terceiro é a dispensa de intermediários, privilegiando-se o contacto direto entre pessoas, entre os interessados, o que vem sendo conhecido como peer-to-peer (P2P), um novo modelo de comunicação e de negócio.
Este fenômeno tem um dos seus exemplos mais conhecidos na Uber e a rápida expansão do modelo a outras áreas, tem vindo a ser denominado “uberização” dos negócios e está a chegar aos seguros.
12.5.2.2. Robots, inteligência artificial e realidades alternativas
Os robots, a inteligência artificial (conhecida por AI – Artificial Inteligence) e as realidades alternativas, em especial na sua vertente lúdica e na sua vertente relacionada com a saúde, já saíram há pouco da ficção científica e entraram calmamente nas nossas vidas. Foi assim que passámos a dar ordens de voz ao telemóvel e à televisão, estando prestes a seguir o mesmo caminho com uma série indeterminada de eletrodomésticos. Vamos permitindo que o carro, quase totalmente construído por robots, tenha cada vez mais inteligência artificial incluída, já se chegando ao ponto de dispensar o humano na condução. No verão de 2016, a caça de Pokemons assumiu tal relevância que, mesmo em Portugal, foram criados seguros para o efeito.
Também a realidade virtual ou imersiva, que se alcança com capacetes ou dispositivos que se assemelham a óculos de mergulho, nos tinha já permitido há vários anos andar em montanhas russas sentados numa sala de cinema de algum parque futurista. Agora permite fazer o mesmo em qualquer lugar. Permite, por exemplo, visitar pormenorizadamente edifícios ainda não construídos andando dentro deles ou ver hologramas à nossa frente de obras de arte guardadas algures no mundo.
Na saúde, as cirurgias começam a ser realizadas com auxílio de realidade virtual e de robots e apoio de inteligência artificial. Os exames, as consultas, os diagnósticos apoiam-se cada vez mais na tecnologia e no digital.
Estas realidades vão, naturalmente, ter impacto no setor segurador e é importante estarmos atentos às suas manifestações.
Começam já a ser claras as consequências a dois níveis: o da responsabilidade civil e respectivos seguros e o dos riscos cibernéticos. Em relação à responsabilidade civil, o centro da questão parece estar na imputação de atos praticados por robots, inteligência artificial, ou pessoas “aumentadas” que agem sobre uma realidade que não existe, podendo causar danos à que existe.
Em relação aos riscos cibernéticos, o principal desafio parece ser o da avaliação do próprio risco. Em empresas, casas, cidades crescentemente baseadas em máquinas geridas por computadores e inteligência artificial, os riscos associados a avarias dos sistemas ou a ataques criminosos poderão ser difíceis de calcular e tão elevados que a resposta do setor segurador pode ser demorada ou desajustada.
A ligação homem-máquina vai inevitavelmente intensificar-se e espera-se amigável. É uma relação de competição, como se verificou nos jogos de um para um, como o Xadrez e o Go.
É uma relação de cooperação, como se vem verificando, por exemplo, na utilização de próteses cada vez mais integradas com o corpo que permitem ultrapassar limitações físicas.
Tende, progressivamente, a ser uma relação de simbiose. Os cyborgs são uma realidade que vai conquistando o seu lugar, no caminho inevitável para a criação de super-homens.
Acresce que o modo de funcionar da inteligência artificial e do cérebro humano são cada vez mais semelhantes. A possibilidade de os computadores aprenderem com outros computadores (machine learning), que se tornou realidade há dois ou três anos, assenta na construção de redes neurais com uma crescente semelhança com as redes neurais dos seres vivos. Em 2016, a um nível mais físico de incorporação, já se fez o implante de células vivas de um cérebro de uma abelha num drone.
Homem e máquina, inteligência humana e artificial, ligadas à big data e à internet das coisas estão a criar, inexoravelmente, um admirável mundo novo.
Estes desenvolvimentos originam questões jurídicas, éticas, morais, psicológicas, matemáticas, biológicas, físicas, químicas, informáticas, médicas e outras de todos os saberes. Todas as áreas vão ser chamadas a colaborar. O tempo da especialização acabou. A quarta revolução industrial em curso, assente na informação, está a gerar situações de um nível de complexidade tal que obrigam à criação de equipas multidisciplinares, apoiadas por inteligência artificial para lidarem com a evolução.
O setor segurador vai procurar, neste novo ambiente, oportunidades de negócio, vai-se deparar com limitações legais, regulamentares e físicas, vai procurar inovar com os recursos que for tendo ao seu alcance, encontrando-se perante um enorme desafio.
12.5.2.3. Internet das coisas (IoT – Internet of Things)
Quase tudo o que fazemos e temos atualmente deixa rasto digital.
A internet das coisas, também de difícil definição, aparece muito ligada ao adjetivo smart.
Temos vindo a reparar que muito do que existe à nossa volta, objetos do dia-a-dia, o carro, a casa e até a cidade em que vivemos vão progressivamente ficando smart. Esta é uma qualidade que está a tomar conta de quase tudo, impondo-se-nos. Os objetos, como máquinas de café, televisões, ares condicionados, lâmpadas tendem a saber melhor o que nós pretendemos deles, do que nós próprios. O adjetivo smart é a pista para identificarmos a internet das coisas.
A internet deixa de estar só nos computadores e, depois, nos telefones e passa a estar em chips integrados em potencialmente tudo, em todo o lado (everything, everywhere). Na roupa, nos eletrodomésticos, nos relógios, nos semáforos, nos sítios de estacionamento, permitindo medir, regular, adaptar, encontrar em tempo real o que se precisa e, com muita frequência, o que não se precisa. Por exemplo, numa smartcity os tempos dos semáforos são ajustados automaticamente ao volume de tráfego, os sensores nos lugares de estacionamento permitem imediatamente, através de uma aplicação no telemóvel (app), saber qual é o que está disponível mais perto, evitando voltas sem fim a um quarteirão completo, a roupa, os relógios, os werables em geral, permitem registrar os dados biométricos dos seus utilizadores, um frigorífico smart, pode registrar a falta de algum alimento, por exemplo, leite, enviar mensagem ao computador ou mobile, que o inclui numa lista de compras, que quando está completa é enviada online ao supermercado que, em hora combinada, vai entregar as compras a casa.
Naturalmente que tudo isto origina sérias necessidades de reflexão em relação aos contratos que lhes estão subjacentes.
No sector segurador o impacto da internet das coisas é enorme e já se revela intensamente em novos tipos de seguros baseados no uso. A experiência começou no ramo automóvel e passaram a ser conhecidos pela sigla UBI (Usage Based Insurance).
Numa primeira fase, foram criados descontos associados à quantidade, no caso do automóvel à quantidade de circulação, principal fator de risco, facilmente mensurável em quilômetros. Os veículos que menos circulassem poderiam obter, por essa razão, um desconto. Depois da quantidade, passou-se à qualidade. O desconto possível surgia associado ao modo como se conduzia. Ser bom condutor passou a ser sinônimo de poder aceder a descontos. Estes seguros baseados no comportamento começaram a ser conhecidos pela sigla PHYD (Pay How You Drive), algo equivalente a Pague Como Guia, já que o valor do prêmio se encontra diretamente relacionado com a qualidade da condução. A ideia de telemática associada aos seguros também vem sendo usada na descrição deste fenômeno.
Ora, certo é que fator determinante destas possibilidades é a internet das coisas. Sem os chips integrados, sem as caixas negras nos carros, sem a possibilidade de medir comportamentos e de registrar os dados em todo o lado, a toda a hora, não seria possível esta evolução.
Fator também determinante destas possibilidades é a big data. Se toda esta informação fosse produzida, registrada, armazenada e não houvesse modo de a tratar rapidamente e com eficácia, traçando perfis possíveis por comparação com standards quase infalíveis, o potencial de inovação nos produtos seria muito menor. É a big data que alimenta a máquina gigantesca, global, que se está a desenvolver, em larga medida em autogestão geral e micro gestão setorial, empresarial, individual.
12.5.2.4. Big data
A big data tem vindo a ser objeto de várias tentativas de definição, com pouco sucesso.
Melhores resultados têm sido obtidos com a identificação e autonomização das suas características.
No início, foram identificadas o Volume, a Variedade e a Velocidade, significando que estamos perante uma quantidade enorme de informação, estruturada e não estruturada, proveniente de várias fontes e que, para ser interessante, tem de ser trabalhada muito rapidamente.
Depois juntaram-se a Veracidade e o Valor, quando se começou a perceber que muita da informação que estava online não era verdadeira e havia que fazer uma triagem e quando começou a ficar evidente o valor da big data. Quem consegue criar melhores algoritmos e minerar melhor os dados passa a ter uma mercadoria para vender. Essa informação vai permitir orientar publicidade, aliciar potenciais clientes, avaliar o risco, gerir com mais eficácia e responder a muitas questões.
Atualmente, alcançaram-se mais duas, num total de sete, a Variabilidade e a Visualização, considerando que a informação se altera ao longo do tempo e é necessário ter em conta essa variação e considerando que é importante mostrar os resultados das análises de modos cada vez mais interessantes, apelativos e interativos.
Atualmente são estas as características atribuídas à big data que coloca enormes desafios em todas as áreas.
O setor segurador, assente no risco, vai provavelmente ser um dos que mais vai sentir a influência do potencial da big data. Tudo indica que nos próximos anos assistiremos a grandes alterações em relação ao modo como se calcula e conhece o risco, quer em termos prudenciais, quer em termos individuais, isto é, em relação a cada cliente, potencial tomador de seguro.
Por agora, vai havendo nas empresas, nas instituições, no Estado, a sensação de que há informação disponível, extremamente valiosa, que permitirá resolver muitos problemas, não sendo ainda muito claro como se poderá dar-lhe a devida utilidade.
Vão, também, sendo divulgadas bastantes notícias que mostram que vai sendo possível saber bastante sobre quase todos e quase tudo e que a preocupação das pessoas e das organizações vai aumentando.
Em relação à big data parece pertinente destacar um desafio geral e um desafio mais específico do mercado segurador.
12.5.2.4.1. Desafio geral
O desafio geral diz respeito ao fato de uma parte substancial da big data ficar de fora da área do Direito em que, à partida, pareceria ser a sua natural área de inserção e que é a da proteção de dados. Isto tanto no Direito passado, ainda presente, como no Direito futuro em implementação.
O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), estabelece no artigo 94º, nº 1 que “A Diretiva 95/46/CE é revogada com efeitos a partir de 25 de maio de 2018”. No artigo 99º trata da sua entrada em vigor e aplicabilidade estabelecendo, no nº 1 “O presente regulamento entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia”, o que ocorreu no dia 4 de maio de 2016 e, no nº 2 que “O presente regulamento é aplicável a partir de 25 de maio de 2018”.
Tendo o Regulamento aplicação direta nos Estados membros da União Europeia, mantém-se a legislação que transpôs a Diretiva revogada, no caso português, a Lei nº 67/98, de 26 de outubro (Lei da Proteção de Dados Pessoais – LPDP) até 25 de maio de 2018, data em que passa a ter aplicação o RGPD.
Ora, a implementação do RGPD poderá ter um significativo impacto no setor segurador, um dos que mais dados recolhe, armazena, trata e utiliza, obrigando a que sejam repensadas de base as políticas subjacentes à proteção de dados, que sejam feitos investimentos avultados em criação ou adaptação de sistemas informáticos e em formação dos trabalhadores, alterando-se a cultura existente. De recolher dados, just in case, “pode ser que sejam precisos”, deve ser construído de raiz um sistema assente no princípio da minimização. São recolhidos, guardados, tratados, usados o mínimo possível de dados, exclusivamente para finalidades predefinidas, comunicadas e autorizadas. Isto não é novo e decorria do regime anterior.
No entanto, além de mais detalhado, acrescentaram-se dois pormenores que, neste caso, são realmente “pormaiores”. Por um lado, foi criada a figura do responsável pela proteção de dados, centralizando em alguém, que vai ser designado e chamado pelo nome, a responsabilidade de garantir que o RGPD está a ser devidamente implementado e cumprido e, por outro lado, as sanções instituídas são fortemente dissuasoras do incumprimento.
O RGPD, tal como a legislação comunitária e nacional anterior, assenta no pressuposto de que existe um titular dos dados que, através do consentimento expresso, poderá autorizar a recolha, armazenamento, tratamento e utilização dos seus próprios dados pessoais a outra entidade. Isto é praticável, e mesmo assim com dificuldade, como a realidade veio demonstrando, em relação às clássicas recolhas e bases de dados.
Não abrange diretamente a big data, pelas suas características atrás descritas, nomeadamente pelo fato de incluir dados não estruturados, que não são recolhidos pelas empresas, neste caso pelos seguradores. Em muitos casos as pessoas nem se apercebem de estar a produzir quaisquer dados e é frequente que os mesmos sejam disponibilizados por terceiros. Por outro lado, vem-se verificando que o problema pode não estar nos dados, mas sim as inferências que sobre os mesmos a big data permite.
Neste contexto, sendo obrigatória a mudança nos sistemas instituídos de proteção de dados, o que vai implicar investimento e empenho reforçados, parece que poderia ser aproveitada a oportunidade para se procurar também um adequado enquadramento da big data.
12.5.2.4.2. Desafio específico para os seguros
O desafio da big data, mais específico para o mercado segurador, já se vai desenhando do que atrás ficou descrito, principalmente se o relacionarmos com a internet das coisas.
Intui-se que a instalação de um dispositivo móvel que é aplicado, por exemplo, no carro e registra todos os dados relevantes relativos à condução, dados esses que vão ser usados para posicionar o condutor num ranking, o que vai determinar qual o desconto a que pode aceder, terá grandes vantagens, mas não estará certamente isento de inconvenientes.
O registro de dados e a sua comparação com padrões é a base deste novo tipo de seguro já referido, baseado no comportamento do condutor (PHYD).
As vantagens são muitas. Desde logo, para a prevenção rodoviária, já que o condutor vai estar empenhado em conduzir bem o que contribuirá para a diminuição dos acidentes. Depois, porque vão ser medidos vários parâmetros e os resultados dessas medições, serão um incentivo à melhor condução o que será muito positivo para o próprio condutor e outros ocupantes do veículo, Por fim, concluindo o segurador que está perante um bom condutor, este vai ser premiado e pagar menos pelo seguro.
Há, no entanto, que refletir que é provável que sejam identificados também os maus condutores. E será razoável admitir que o segurador, disponível para fazer descontos a quem representa um menor risco, objetivamente mensurável, possa entender seguir também o caminho inverso, aumentando o prêmio a quem se revela um mau condutor ou, mesmo, fazendo cessar o contrato de seguro. E que, no limite, nenhum segurador tenha interesse nesse risco. No caso do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, se um risco for recusado pelo mercado, a lei estabelece condições especiais de aceitação dos contratos, que possibilitam a colocação do risco, o que não acontece noutros tipos de seguro.
Por outro lado, existindo sinistro, isto é, havendo acidente de viação as condições em que o mesmo ocorreu poderão estar detalhadamente registradas na caixa negra de um veículo que a tenha e serem só normal e humanamente suscetíveis de avaliação noutro que não a tenha. Esta situação parece originar um desequilíbrio, não só entre os intervenientes, como em relação aos dados de que o(s) segurador(es) dispõe(m) para avaliar o sinistro.
Por fim, dependendo do acesso a big data que o segurador possa ter, a sua capacidade de avaliar o risco concreto e individual que lhe é proposto no início dum contrato pode estar muito aumentada, o que ainda acentuará mais o usualmente reconhecido desequilíbrio existente entre as partes.
Parece, pois, pertinente ponderar estas questões no setor dos seguros, nomeadamente a discriminação ilegítima que poderá ocorrer.
12.5.3. Novos tipos de seguros
A realidade, como se viu, evolui muito e depressa. Se o que está a acontecer é só isso ou uma verdadeira disrupção, ou mesmo revolução, é o que se irá vendo.
Certo é que o desenvolvimento tecnológico, ao facilitar a vida das pessoas, tornando-a mais barata e dando acesso a novas possibilidades que lhes interessam, veio para ficar e não parece ter retorno. As empresas não se podem alhear e, ao fazerem investimentos em inovação, propiciam novos desenvolvimentos.
No setor segurador este ambiente tem-se vindo a intensificar e já deu origem a novos tipos de seguros.
12.5.3.1. Seguros Baseados no Uso (SBU) – Usage Based Insurance (UBI)
A concorrência foi intensificada pela comercialização à distância, em especial com o surgimento de operadores que usam a internet e o telefone como meios exclusivos de contratação nem tendo, muitas vezes, qualquer estabelecimento “físico”. Essa situação permitiu a essas empresas reduzir custos e oferecer seguros mais baratos. Esta experiência iniciou-se no seguro automóvel e tem-se vindo a alargar a novos ramos Não Vida e, mais recentemente, também ao ramo Vida.
Sendo o preço, em regra, fator determinante na opção de compra, principalmente num produto como o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, com apólice uniforme, mesmo que lhe sejam acrescentadas coberturas de danos próprios, também elas muito standartizadas, esta primeira digitalização do seguro começou a ter de imediato consequências no mercado. A concorrência das empresas digitais impulsionou o desenvolvimento de produtos que pudessem ser competitivos, principalmente em preço.
Estando, no caso do automóvel, o principal fator de risco associado à circulação, era uma evidência que menos circulação, significava menos risco, o que possibilitava diminuição do preço.
Os primeiros seguros baseados no uso surgem, assim, ligados ao “quanto”. PAYD, Pay As You Drive, era a fórmula para produtos em que o preço estava ligado à quantidade de circulação. Neste contexto, surgiram seguros específicos, para o “segundo carro”, com menos uso e para os “carros de garagem”, aqueles que se encontram guardados e raramente circulam, mas que sendo o seguro automóvel obrigatório, têm de o ter.
O desenvolvimento da telemática, dos wearables, da internet das coisas, da robótica, da big data, da inteligência artificial e de tudo isto ligado, vem implicar uma explosão, que é provável que se torne evidente, num futuro muito próximo, também em Portugal, na oferta de novas soluções, mais baratas, mais adequadas às reais necessidades dos clientes, mais próximas do modo como as pessoas passam a viver.
O investimento aumenta, a inovação dispara. As novas tecnologias, que rapidamente ficam baratas, acessíveis e são massivamente adotadas, abrem caminhos.
No caso dos UBI, permitiram a evolução da quantidade para a qualidade e o avanço do automóvel para outros ramos.
PAYD passou, como se viu, a PHYD, pague como guia, na proporção do crescimento da possibilidade de medir a qualidade da condução.
A tarifação, estática e abstrata, baseada em fatores de risco atuarialmente calculados, como a idade do condutor e do veículo, a experiência a conduzir (anos de carta), o tipo de veículo, a zona de residência/circulação, ajustada concretamente com a sinistralidade anterior que tinha um peso intenso, determinava o preço. No entanto, estão em causa categorias abstratas, programadas em simuladores que se têm sofisticado e pormenorizado, mesmo assim não indo além da inserção de um standard (condutor, de certa idade, com determinada experiencia, etc) noutro standard (risco calculado para alguém, qualquer pessoa, com essa a junção de fatores).
Os dispositivos colocados nas viaturas, permitem uma tarifação completamente diferente, dinâmica e concreta, que se altera na vigência do contrato, com a periodicidade que se decidir, e possibilitam que seja aferido, o risco concreto e contínuo de cada condutor, com um grau de exatidão elevado.
A contrapartida para quem aceita o escrutínio e demonstra ser bom condutor é um desconto no prêmio.
12.5.3.2. Tarifação Instantânea do Seguro (TIS)
Para este tipo de, chamemos-lhe Tarifação Instantânea do Seguro (TIS), é necessário, em primeiro lugar, determinar o que é suscetível de ser medido, isto é, os fatores de risco na circulação rodoviária, em segundo lugar, verificar se já existem instrumentos de medição adequados e de que modo podem ser usados para este efeito. Em terceiro lugar, caso não existam, há que promover a sua criação.
No âmbito do seguro automóvel podem ser medidos fatores como travagens, velocidade, se circula de noite ou de dia e por onde, caraterísticas das estradas (por exemplo, curvas apertadas), se o dispositivo tem possibilidade de ser desligado (botão on/off) e o estado do veículo.
Evolui-se, depois, para o PHYL, pague como vive, quando o mercado dos dispositivos móveis vai ficando suficientemente maduro, porque as pessoas vão experimentando e se vão habituando a verificar e registrar os seus dados biométricos. Os dispositivos e aplicações mais populares estão associados ao Fitness, embora se tenham difundido muito para além dessas funcionalidades. Pode-se, com toda a facilidade, medir o que se ingere, o sono e outros parâmetros ligadas a doenças, como a glicemia, a tensão arterial, o ritmo cardíaco, os níveis de oxigénio no sangue, o colesterol, entre outros dados de saúde suscetíveis de serem registrados através de dispositivos móveis específicos para o efeito, ou de aplicações (apps) descarregadas nos smartphones e através deles usadas.
O objetivo pode ser lúdico, competitivo, a alteração do estilo de vida, o rastreio médico, o alerta de profissionais de saúde se os resultados da medição estiverem fora dos parâmetros definidos, ou outros.
A comparação sobre a evolução de tradicional, para “as” e “how” vai sendo efetivada, tomando em consideração fatores como riscos, modo de fazer e utilização dos dispositivos e que benefícios os seguradores podem oferecer aos tomadores e segurados.
No setor dos seguros, será usado principalmente para obter descontos associados a um estilo de vida saudável. Este objetivo será, em primeira linha, pessoal. Depois, interessará o segurador que, além de ter um controlo sobre o risco, pode oferecer melhores condições, a tomadores de seguros e segurados. Por fim, poderá interessar a outras entidades que beneficiem com a saúde e o bem-estar dos utilizadores.
Entre estes estão as entidades patronais. Quanto melhor estiverem os seus trabalhadores, mais produtivos vão ser. Daí que este tipo de seguro se mostre muito apto, principalmente sob a forma de seguro de grupo, para o desenvolvimento de parcerias entre empregadores e seguradores. Todos têm a ganhar. Nesses casos, além de se acentuar o fator lúdico e de competição entre colegas, a entidade patronal que, muitas vezes, oferece ou contribui para o pagamento do seguro de saúde ou de vida, como benefício laboral, também pode proporcionar vantagens a usufruir na própria empresa, ou oferecer presentes aos seus trabalhadores mais saudáveis.
Este tipo de seguro, que se estende do automóvel a outros ramos, de que se destaca a saúde está, com a ajuda da internet das coisas, a incrementar e diversificar o seu alcance e com a ajuda da big data a aperfeiçoar os seus moldes.
Também nos seguros relativos à habitação, quanto mais smart for a casa, mais controlável é o risco, neste caso até com uma forte vertente de prevenção.
Muitas vezes pode acontecer que dispositivos e aplicações pensados para determinados objetivos concretos que nada têm a ver com os seguros possam ter utilidade para efeito de avaliação de risco. Refira-se, a título de exemplo, que dispositivos usados para medir o consumo de eletricidade podem ajudar a determinar se a casa está ou não ocupada.
Pode-se perspectivar este tipo de seguro em todos os ramos que tenham o risco imediatamente mensurável através de dispositivos instalados em pessoas ou coisas.
A monitorização instantânea do risco tende a diminuí-lo, principalmente na prevenção, mas também na mitigação dos prejuízos originados por um sinistro.
Conseguir monitorizar tempestades, pode ajudar a evitar ou diminuir sinistros no seguro de mercadorias transportadas, medir a quantidade de água no solo e prever a meteorologia ao pormenor de um terreno determinado, pode ajudar a prevenir ou remediar sinistros no âmbito do seguro de colheitas. E por aí fora. É uma questão de enumeração de riscos mensuráveis, modos de os medir e cálculo sobre o risco concreto, individual, associado a cada tomador de seguro ou segurado, aos seus bens e atividades.
O que está em causa é uma diminuição do risco concreta e individualmente mensurável, que pode estar diretamente relacionada com o comportamento de alguém, num Pay How You Drive, or Live, or Work, ou X, um pague como faz. Pode também estar diretamente relacionada com a possibilidade de prever e medir concretamente dados relativos às coisas, ou à natureza, através de instrumentos sofisticados, de sensores crescentemente eficazes.
A diminuição do risco permite a diminuição do valor a pagar pelo seguro.
Esta nova possibilidade de Tarifação Instantânea do Seguro (TIS) baseia também outro novo tipo de seguro, o seguro a pedido.
12.5.3.3. Seguro a Pedido (SaP) – Insurance on Demand (IoD)
Nos seguros a pedido, trata-se de acionar pontualmente coberturas determinadas, para determinados bens, de determinadas pessoas, em determinadas circunstâncias. É a ideia do seguro feito à medida (taylor made), que pode ser levado a extremos.
Um exemplo já em funcionamento é o da Trov, que afirma no seu site “Insurance just got smarter” e informa que estão “on a mission to make protecting your things simple & flexible, so you can enjoy them without worrying about rigid policies and confusing fine print.”.
Segundo informação do site, todo o processo se passa numa aplicação de telemóvel. Deve-se começar por uma lista de bens que se consideram importantes e merecedores de proteção. Essa lista, que pode ser feita com fotografias ou recibos, deve ter cada objeto devidamente descrito e deve ser organizada por categorias. A proteção, com coberturas de dano por acidente, perda ou roubo, é acionada ou suspensa através de um botão virtual de on/off e a participação de sinistro e reclamação do pagamento serão fáceis e rápidas.
É, portanto, um seguro on/off o que é estruturalmente diferente do modelo clássico de contrato de seguro.
Outro exemplo anunciado recentemente é o “Programa InsureMyTesla”. Ao que parece este fabricante de automóveis, posicionado na linha da frente para a construção e comercialização de automóveis auto-guiados, prepara-se para vender veículos que incluem seguro e manutenção. Os seguros provavelmente serão on-demand e personalizados. Poderão ser para cada viagem, no âmbito de um serviço de partilha do automóvel entre vários utilizadores.
Tudo indica que o seguro a pedido veio para ficar e se vai desenvolver. O grande desafio para o mercado segurador será adaptar-se a um modo de contratar substancialmente diferente daquele a que está habituado.
12.5.3.4. Seguros Colaborativos - P2P Insurance
A possibilidade de comunicar diretamente entre pares, peer-to-peer, sem intermediários, colaborando para prosseguir objetivos comuns é uma das principais características da denominada “sharing economy” que se vai instalando em vários setores. A ideia que tem subjacente é a de partilha, seja para otimizar recursos, para obter financiamento ou para, em conjunto, organizar um projeto, implementar uma solução ou resolver um problema.
Esta realidade já se encontra nos seguros, com a estrutura comum ao modelo assente na paridade entre os participantes e com variações geográficas, de modos de funcionamento e de objetivos secundários.
As experiências conhecidas parecem basear-se em algo que se assemelha à mutualidade originária. Em vez de mercadores apreensivos nos grandes portos da Flandres, de Veneza, de Lisboa, olhando para os seus navios carregados de riquezas, enfrentando perigos sem fim que, em face dessa incerteza, arranjaram uma bolsa em que colocavam em comum valiosas moedas de todos para, em caso de necessidade, acudirem à desgraça de algum, temos um conjunto de indivíduos a navegar na internet, apreensivos com a segurança dos seus bens ou pessoas, que criam uma bolsa online em que colocam em comum dinheiro desmaterializado, para objetivo semelhante.
Mutualidade originária e seguros P2P online parecem ter semelhanças relevantes. O desafio é verificar se e como se concretiza o regresso às origens no atual mercado dos seguros.
12.5.4. Tendências 2017 – Desafios
De entre tendências identificadas para 2017, destacamos algumas que têm especial relevância ou aplicação no setor segurador, procurando perspectivar os desenvolvimentos que irão trazer aos seguros e os desafios que o mercado poderá enfrentar.
Trataremos dos self-driving cars (automóveis auto-guiados), dos ataques de hackers, dos chatbots, da publicidade interativa e do crescimento da Insurtech.
12.5.4.1. Automóveis auto-guiados – Self-driving cars
Em 2016, os carros sem condutor, já longe da fase de protótipos e com algumas marcas aptas a produzi-los sem grandes restrições, foram postos em circulação em vários sítios. No entanto, ainda com um humano presente e pronto a intervir em caso de necessidade.
Em 2017, prevê-se que vão começar a circular com completa autonomia. Esta situação levanta questões complexas, a diversos níveis. Refira-se, por exemplo, a da moralidade dos automóveis sem condutor. A inteligência artificial de um automóvel autônomo, sem condutor, numa primeira fase, tem de ser programada para tomar decisões em situações imprevistas e extremas e, depois, irá aprendendo mais ou menos sozinha com o sistema do machine learning. Por exemplo, o que deverá fazer um carro auto-guiado se, não existindo outra alternativa, tiver de escolher entre atropelar um idoso ou uma criança. Para procurar construir essa “moralidade artificial”, o MIT tem o site Moral Machine, em que convida as pessoas a escolherem o que fariam nas situações que apresenta.
Podemos pôr-nos a imaginar que a moral que daí resultar vai ser uma estatística bastante abrangente, de decisões racionais, tomadas em segurança, por condutores e não condutores, em frente de um ecrã.
Depois, poderão ser temperadas com big data devidamente minerada em que terá sido analisada uma quantidade enorme de informação, processos de sinistro, decisões de tribunais, relatórios de psicólogos, fotografias e vídeos de acidentes.
Após o que os resultados poderão ser aprovados por pessoas devidamente habilitadas a validar moralidade.
Ora, seja assim ou de outro modo, certo é que a circulação de veículos auto-guiados tem riscos. Não tendo condutor, vão circular funcionando do modo como foram programados ou aprenderam e serão intervenientes em acidentes de viação. Nessa situação irá ser acionado um seguro.
A primeira questão é a de se saber se esse seguro será, como hoje, um seguro de responsabilidade civil. Em caso afirmativo, há que determinar a quem será imputada a responsabilidade? Ao proprietário do veículo que não o conduz? À empresa que produziu o veículo e o programou? Ou estaremos perante outro tipo de seguro de responsabilidade pelo risco ou de um misto de seguro de danos e de acidentes pessoais? Ou o quê?
As novas realidades que surgem colocam desafios enormes ao mercado e, em muitas situações, todo o modo de pensar a questão tem de ser posto em causa e será necessário (re)inventar produtos.
A Tesla, como se viu, propõe-se comercializar os veículos sem condutor, que pretende sejam usados por vários utilizadores, com seguros pontuais, para cada utilização e condutor. É uma mudança radical.
É provável que, tal como está a acontecer com a Tesla, sejam os agentes econômicos de outras áreas a idealizar novos produtos, já que não estão condicionados e espartilhados pela tradição. Será, no entanto, necessário que os seguradores façam o devido enquadramento, ou participem em parcerias que permitam que sejam cumpridas as regras necessárias a que os produtos tenham viabilidade.
12.5.4.2. Ataques de hackers
Os ataques de hackers têm-se vindo a multiplicar, alguns com enorme amplitude.
O funcionamento das empresas encontra-se progressivamente mais assente em sistemas informáticos e temos vindo a assistir à intensificação e diversificação dos crimes cibernéticos. Percebe-se que os prejuízos resultantes de um ataque poderão ser muito avultados. O risco existe e é uma oportunidade de negócio para os seguradores.
A principal questão que se coloca é sobre a sua avaliação. Não se sabendo ao certo o que está em causa, como se irá avaliar o risco, como se irá garantir, dum ponto de vista prudencial, a capacidade do segurador para responder a sinistros, como poderá o próprio segurador proteger-se de ataques cibernéticos?
12.5.4.3. Chatbots
Os chatbots, que se poderão descrever como computadores que comunicam, oralmente e por escrito, como humanos, são outra das tendências apontadas para 2017.
Temos vindo a aperceber-nos que a possibilidade de falarmos com máquinas, em linguagem natural, que nos respondem nos mesmos termos, tem vindo a aumentar.
Esta tecnologia vem sendo aplicada com sucesso em callcenters, em que inteligência artificial, falando em linguagem humana, mantém uma conversa acertada e responde às questões que lhe são colocadas pelos humanos que pretendem obter informações ou reclamar.
Ao nível dos seguros, levantam-se questões sobre, por exemplo, o cumprimento dos deveres de informação e mesmo da formação do contrato no âmbito de um seguro celebrado online ou por “telefone”.
A legislação existente sobre comercialização à distância não responde diretamente a estas questões. No entanto, e para além da necessidade de a doutrina as equacionar, terá entretanto de ser encontrada no sistema jurídico solução para os problemas que se coloquem.
12.5.4.4. Publicidade interativa
A publicidade é uma das áreas em que é mais evidente para todos a evolução tecnológica e digital. Nos últimos anos assistiu-se a uma alteração substancial no modo como se faz publicidade, encontrando-se os meios tradicionais, como a televisão, a rádio e a imprensa a sofrer transformações estruturais. Em relação à televisão, a possibilidade de ver o que se quer, quando se quer, saltando os anúncios levou as empresas a ponderar a eficácia do meio, enquanto a publicidade na imprensa passou a ser em grande parte canalizada para publicações online.
A massificação de sites e blogs, que se tornaram em larga escala gratuitos e de construção amigável, tornou possível a quase todas as pessoas, singulares e coletivas, terem o seu próprio espaço online para apresentarem os seus produtos e serviços, os seus trabalhos, as ideias que pretendem divulgar.
Por seu turno, as redes sociais passaram a permitir a circulação em larguíssima escala e com uma rapidez impressionante, de notícias, informações e publicidade. Passou a ser frequente as televisões noticiarem o que já estava largamente difundido através da internet e passou a ser prática das empresas produzirem publicidade para a internet, apostando no potencial de se tornar viral. O que é muito apelativo pode ter, em poucas horas, milhões de visualizações. A publicidade que circula nas redes sociais tem ainda a estranha característica de ser personalizada, em massa. É dada a conhecer por alguém aos seus amigos ou seguidores e tem intrínseca essa validação. Recebe-se, ou toma-se conhecimento de algo, através de alguém que se conhece, ou admira ou, pelo menos, suscita curiosidade.
Com a sofisticação da análise da big data, passamos a ter publicidade direcionada aos nossos interesses, manifestados no que pesquisamos, nos emails que enviamos, nos sites que visitamos. Ao navegar online posteriormente, surgem-nos anúncios específicos, com propostas de resposta ao que noutra ocasião pesquisamos.
Com a pesquisa por voz, com os chatbots a darem resposta através de inteligência artificial como se fossem humanos, é possível atingir um novo patamar na publicidade, que poderá ser interativa. Passaremos, quem sabe com naturalidade, a falar com um qualquer computador que nos vai questionando sobre os nossos interesses, apresentando sugestões que poderão ter em conta tudo o que sabe sobre nós e acabar a vender-nos produtos e serviços na sequência dessa conversa.
Ora, neste cenário, a grande questão é a de saber como se aplicam a estas novas realidades as regras relativas à publicidade existentes.
No que diz respeito aos seguros, dois grandes desafios se colocam. Um diz respeito à praticamente infinita produção de publicidade e à sua enorme diversidade e outro ao fato de as regras da publicidade neste setor conterem requisitos formais, nomeadamente em relação à identificação e informações obrigatórias, relativamente vastos, que são de difícil concretização em muitas destas novas formas de publicitar.
12.5.4.5. Crescimento do Insurtech
Em 2017, numa tendência que prossegue na linha da que já existia, é previsível o crescimento do Insurtech. A aposta em startups tem sido muito evidente nestes últimos anos, sendo o empreendedorismo muito valorizado. A realização da Web Summit em Portugal, que vai continuar em Lisboa nos próximos anos, deu uma visibilidade nacional e internacional à pujança do desenvolvimento da tecnologia e do digital.
Existe um aumento de investimento, também no setor dos seguros, em novas empresas que apostam na inovação e na criação de novos produtos, serviços, modelos de negócios ou que procuram adaptar o que está a funcionar noutras áreas aos seguros. Por outro lado, a possibilidade de financiamento colaborativo (crowdfunding) tem também dado um impulso importante neste ecossistema.
Maior investimento em Insurtech, em empresas tecnológicas na área dos seguros, só pode ter como consequência maior inovação. Essa inovação vai, certamente, resultar de equipas multidisciplinares e esta forma de trabalhar irá, provavelmente, propagar-se às próprias empresas de seguros.
Que inovações vão surgir, como é que se vão enquadrar na legislação vigente, como vai responder o mercado segurador a esta quadratura do círculo, são questões e desafios com os quais teremos de lidar o melhor possível nos próximos tempos.
12.6. As recentes tendências da FinTech: disruptivas e colaborativas
Dra MADALENA PERESTRELO DE OLIVEIRA - Assistente convidada e doutoranda na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Investigadora do Centro de Investigação de Direito Privado. Consultora na PLMJ, Sociedade de Advogados, RL
12.6.1. Recentes tendências da FinTech: contributo para a inclusão financeira.
Em janeiro deste ano, Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra e presidente do Conselho de Estabilidade Financeira, assinalou que a FinTech podia representar o fim do modelo bancário tradicional.
Com a viragem do milénio, surgiram novos players no mercado que vieram alterar, de forma duradoura, o setor financeiro. São entidades que surgem, essencialmente, no espaço vazio deixado pelos bancos, que, em resposta ao ambiente regulatório sentido pós crise financeira, se viram obrigados a desviar atenção dos clientes menos rentáveis e mais arriscados e desenvolveram plataformas digitais, como os empréstimos e transferências peer-to-peer (P2P), o online crowdfunding ou a consultoria robótica.
Uma das áreas nas quais a FinTech tem operado inovações estrondosas é a dos serviços de pagamento. E neste campo quero chamar a atenção para o importantíssimo papel desempenhado pela tecnologia financeira no desenvolvimento sustentável, no financiamento de pequenas e médias empresas e na inclusão financeira.
Existe uma pré-compreensão — obviamente enviesada — da FinTech como sendo composta por grandes tecnologias ao serviço de consumidores ricos e em países desenvolvidos. E claro que essa realidade existe. Mas existe também uma vertente social importante. Pense-se no conhecido exemplo do M-Pesa, um sistema móvel de pagamentos que foi implementado no Quénia em 2007 e que tem revolucionado a economia do país.
Estamos a falar do Quénia. Um país onde quase metade da população não tem acesso a água potável, mas onde as transações bancárias podem ser feitas pelo telemóvel, com um sistema de pagamento dos mais avançados do mundo. Os quenianos, sem acesso a serviços bancários, mas munidos de um telemóvel fazem todo o tipo de transações bancárias. E basta uma mensagem escrita. Não é preciso telemóveis de última geração: um clássico Nokia 3310 é suficiente para o efeito.
O sistema é muito simples: quem queira utilizar o serviço dirige-se a um agente para fazer o registro e trocar o seu cartão SIM por outro com um chip especial. Uma vez registrado, entrega dinheiro ao agente, que o irá transformar em créditos no telemóvel. A partir daí, através de códigos específicos, é possível enviar dinheiro para o destinatário, pagar contas ou levantar o dinheiro que fica acumulado.
Este sistema tem-se vindo a difundir um pouco por todo o mundo, chegando a países como Afeganistão, Egipto, Índia, África do Sul ou Tanzânia. No final de 2013, o M-Pesa tinha cerca de 16,8 milhões de clientes ativos cujas transações ascendiam a 900 milhões de euros por mês.
12.6.2. Momento Uber do setor financeiro?
Perante isto, é inevitável questionar se chegou finalmente o momento Uber do setor financeiro. Serão as novas tecnologias financeiras uma ameaça à indústria consolidada? Ou será que representam, pelo contrário, um mar de novas oportunidades?
Isto é o mesmo que perguntar se as recentes tendências FinTech são disruptivas ou colaborativas. Se representam uma quebra com os grandes poderes instituídos, deitando finalmente por terra os titãs do sistema financeiro, ou se são, antes, um novo elemento a ser explorado nos seus modelos de negócio.
Na China, as empresas FinTech já têm tantos clientes como os maiores bancos e, no resto do mundo, estima-se que 41% dos empréstimos são concedidos por entidades não bancárias, nomeadamente por via do shadow banking. Espera-se que este seja apenas o início de um longo ciclo de alterações digitais estruturais, que conduzirão a uma maior concorrência entre as FinTechs e as instituições financeiras, bem como ao desaparecimento de uma em cada quatro startups de FinTech nos primeiros quatro anos de vida, destino seguido por alguns bancos nos próximos anos.
Estas estatísticas e constatações levam muitos a dizer que a FinTech é uma “inovação disruptiva”, que veio alterar o status quo do sistema financeiro.
Mas para que uma tecnologia seja considerada disruptiva não basta que seja inovadora. É certo que todas as tecnologias disruptivas são inovadoras, mas nem todas as inovadoras são disruptivas.
Para merecer esta qualificação a inovação tem de ser caracterizada pela
Dito de outra forma, a disrupção descreve um processo mediante o qual uma empresa mais pequena e com menos recursos consegue desafiar os negócios já estabelecidos dos incumbentes. As empresas verdadeiramente disruptivas dirigem-se aos segmentos de mercado e clientes mais ignorados e vão progressivamente ganhando quota de mercado porque providenciam serviços mais adequados aos consumidores e a custos mais reduzidos. Como os incumbentes estão tipicamente concentrados em clientes mais rentáveis, acabam por não responder de forma vigorosa às novas tendências inovadoras, por assumirem que não são modelos de negócio disruptivos. Foi, no fundo, o que aconteceu no caso da Blockbuster que não antecipou o potencial disruptivo da Netflix, quando esta apareceu em 1997.
Por isso, é absolutamente essencial avaliar se uma tendência é disruptiva ou não para que os incumbentes adaptem a sua estratégia de resposta. A máxima “disrupt or be disrupted” é enganadora e pode conduzir a algumas sobre reações de empresas com modelos de negócio rentáveis, para as quais será suficiente o investimento em inovações sustentáveis.
Os desenvolvimentos e, acima de tudo, o percurso da FinTech revelam que é uma inovação verdadeiramente disruptiva. Pegando no exemplo dos empréstimos P2P ou do crowdfunding online, o que se verifica é uma desintermediação (ou antes, uma reintermediação) de relações que tradicionalmente dependiam de um middle man: o banco. Pela forma como a informação é analisada e automatizada implicam uma verdadeira alteração estrutural do setor.
Esta alteração estrutural tem um primeiro impacto disruptivo muito visível nos modelos de negócio que alteram as expectativas dos clientes, que, cada vez mais, exigem que lhes sejam fornecidos serviços e produtos eficientes, integrados, flexíveis, intuitivos e acessíveis. As expectativas dos consumidores hoje em dia são tão elevadas que o administrador do Citi Bank já afirmou que sentia que não estava a concorrer com qualquer outro banco, mas, sim, com a Uber, com o Airbnb ou qualquer outro serviço digital que tenha alterado a vida dos consumidores. De fato, os serviços financeiros têm de se adaptar a um mundo no qual os seus clientes têm telemóveis com poderosos processadores, que lhes concedem imediato acesso a todo o tipo de informação e serviços.
12.6.3. O grief cycle dos bancos: da negação à aceitação da FinTech.
A reação das instituições financeiras às disruptivas inovações FinTech tem evoluído ao longo dos tempos. É neste contexto que se tem afirmado que os bancos passam por um “ciclo de sofrimento” (um grief cycle), composto por cinco estados de infelicidade e adaptação à nova realidade da tecnologia financeira.
O primeiro estado é o de negação, que se caracteriza pela ideia que a indústria financeira é demasiado grande e protegida para colapsar ou ceder em face dos novos concorrentes.
Quando se torna impossível negar o efeito da FinTech, segue-se a fúria. Os bancos sentem-se injustiçados pelo duplo padrão regulatório aplicado a algumas FinTechs e às instituições financeiras e exigem mudanças.
A este estado, segue-se o chamado bargaining (negociação), em que os bancos finalmente reconhecem que têm de alterar o seu modelo de negócio para agradar aos millenials, mas se contentam por dar uns retoques no seu website e fazer uma nova app para o telemóvel, acreditando que será suficiente para combater a concorrência da FinTech.
Nada disto funcionando, segue-se a depressão e o desespero. Afinal, pensam os bancos, o setor financeiro está efetivamente mudado!
E aí chegam ao quinto e último passo do ciclo de sofrimento: a aceitação. O inevitável é finalmente encarado e abraçado. Reconhece-se que, apesar da ameaça, a FinTech encerra algumas oportunidades para as instituições financeiras.
É neste ponto que começam a ser ponderadas estratégias colaborativas. Ou seja, em que se reconhece que em vez de lutar contra a FinTech, o melhor é acolhê-la e aproveitar os seus benefícios, entre os quais se contam a diminuição dos custos imputados aos clientes finais, em resultado da crescente inovação e competência dentro do setor, bem como a melhoria da acessibilidade dos clientes aos serviços financeiros e aos produtos já existentes.
A verdade é que a cooperação entre os bancos e as empresas de fintech representa um cenário win-win para as duas entidades. Os bancos querem ter acesso em primeira mão às novas tecnologias financeiras, ao mesmo tempo que querem satisfazer as necessidades dos clientes. As FinTechs, por seu turno, necessitam de financiamento para desenvolver os seus projetos. Precisam também de formar uma base de clientes e fomentar a confiança do mercado numa nova marca até então desconhecida, o que não acontecerá sem a associação do projeto a um banco. Por outro lado, embora estejam ainda sujeitas a requisitos regulatórios mais ligeiros, vão precisar de ajuda na área da compliance e do conhecimento do mercado.
No fundo, a cooperação bancos-FinTechs permite transformar uma solução que é procurada no mercado num veículo que proporcione crescimento a longo prazo.
Este esquema de cooperação já tem sido seguido no domínio da banca de investimento. Neste setor, os clientes são sofisticados e exigentes e as relações bancárias são fortemente fundadas na confiança e numa utilização intensiva de capital. Assim, as poucas FinTechs que decidem enveredar por esta área fazem-no através de parcerias com instituições já sedimentadas, que lhes concedem acesso a infraestruturas adequadas e à sua base de clientes. Dois terços das FinTechs que se dedicam à banca de investimento adotam um modelo business to business (B2B) e apenas o remanescente está a tentar desintermediar a relação entre a banca e os clientes, adotando um esquema business to clientes (B2C).
No entanto, a maioria das empresas FinTech (quase três quartos) foca-se na banca comercial, disponibilizando serviços de empréstimo de dinheiro, gestão de patrimônios e criação de sistemas de pagamento. Neste domínio, tradicionalmente, as FinTechs dirigiam-se diretamente aos clientes finais, sem a ajuda do setor bancário, o que contribuiu para serem consideradas disruptivas. Porém, dados empíricos mais recentes demonstram que a percentagem de FinTechs com ofertas business to business aumentou para quase 50% do total de empresas lançadas anualmente. Estas estabelecem parcerias e prestam serviços aos bancos incumbentes, que mantêm a sua normal relação com os clientes.
12.6.4. Estratégias colaborativas entre instituições financeiras e FinTechs.
Chegando a este ponto e estando assente que o melhor caminho é o da colaboração entre bancos e FinTechs, pergunta-se:
Quanto ao primeiro ponto, há que salientar que escolher o parceiro adequado é absolutamente essencial. 75% das startups de FinTech acabam por não ser bem-sucedidas. Ou seja, um banco que invista numa startup sem potencial poderá comprar um problema contabilístico e financeiro.
Uma aliança bem sucedida será o resultado de duas partes que se complementam em competências centrais e que juntam os seus recursos para inovar e oferecer novo valor que supra uma necessidade dos clientes no mercado.
Da perspectiva da FinTech, o banco parceiro deve permitir e fomentar o crescimento das tecnologias financeiras e, idealmente, deverá ser uma instituição com uma reputação sólida no mercado.
Da perspectiva do banco, é essencial que o modelo de negócios da FinTech seja sustentável, no sentido de cumprir alguns requisitos mínimos de know your client, de controlo de esquemas de branqueamento de capitais e segurança em geral.
Quanto ao segundo ponto, ou seja, saber qual o modelo ideal de parceria que deve ser estabelecido entre os bancos e as empresas FinTech, existem essencialmente três modelos diferentes que podem ser adotados:
A solução de adquirir a empresa FinTech, à primeira vista, pode parecer a mais fácil para uma instituição financeira. Mas muitas vezes são as próprias FinTechs que não querem ser adquiridas, com medo de perderem a sua autonomia, flexibilidade de trabalho e velocidade. E mesmo que estejam abertas à aquisição é essencial considerar que esta apenas será uma solução adequada para aqueles bancos com elevada apetência pelo risco. O financiamento destas novas entidades é pesado e, embora os retornos esperados sejam elevados em caso de venda da empresa ou de lançamento no mercado regulamentado, os riscos de insucesso são consideráveis. A estes riscos acresce o choque de mentalidades entre o típico funcionário bancário e o trabalhador FinTech: o modelo de trabalho, horário e até mesmo a indumentária (lembre-se a expressão do The Economist: geeks in t-shirts) são radicalmente diferentes e a sua combinação será potencialmente problemática.
A segunda hipótese consiste em estabelecer uma parceria exclusiva entre o banco e a FinTech. Neste cenário normalmente o banco parceiro cria incubadoras, aceleradoras ou hackathons (maratonas de hackers) que promovem o desenvolvimento de novas tecnologias financeiras. É uma relação que assegura o total apoio do banco e o acesso à sua base de clientes.
Porém, a sua natureza exclusiva limita o potencial de crescimento noutros mercados e com outros bancos, o que será particularmente relevante naqueles casos em que a empresa de FinTech se queira expandir para territórios ou segmentos de mercado nos quais a instituição financeira não tenha implementação.
Neste tipo de parcerias é normal que seja atribuído ao banco uma parte social da empresa de FinTech, pelo que é um modelo particularmente indicado para aqueles bancos com uma estratégia digital bem delineada.
As estratégias de cooperação baseadas em parcerias conjuntas, por seu turno, apresentam a vantagem de exigirem uma menor disponibilidade de capital e são mais adequadas para investidores que se estão a iniciar na área, ainda de forma exploratória.
12.6.5. Reflexões finais
É impossível afirmar com toda a certeza qual o melhor modelo de colaboração entre bancos e empresas FinTech. A única coisa que devemos assumir como certa é que a reação a estas inovações disruptivas deverá ser a sua aceitação e integração nos modelos de negócio existentes. Naturalmente, a uma crescente digitalização dos serviços financeiros terá de corresponder uma igualmente crescente preocupação com a segurança digital.
A mensagem que pretendo deixar é: os bancos incumbentes não têm de temer as inovações disruptivas na área da tecnologia financeira se, com a ajuda de startups, a estiverem a liderar! A melhor forma de cooperação dependerá da capacidade financeira de cada instituição, da sua estratégia de digitalização e disponibilidade de capital. Acima de tudo, os bancos terão de estabelecer um modelo claro, lógico e organizado de inovação e decidir em que campos querem inovar.
Querem reforçar as suas competências tradicionais, em áreas clássicas que a FinTech tem dificuldade em acompanhar?
Ou, pelo contrário, querem investir em novas funcionalidades para os consumidores, nas quais a FinTech é essencial? Este é o caso, de entre muitos, de um banco na Austrália que estabeleceu uma parceria com uma rede móvel que permite localizar bens móveis, com o objetivo de permitir que sejam utilizados veículos e máquinas como garantia.
Ou pretendem, por fim, incutir uma mentalidade digital nos seus trabalhadores de forma a promover a inovação in house?
A análise e a decisão interna dos objetivos que se pretende prosseguir com a digitalização serão, necessariamente, o elemento essencial para decidir qual o modelo ideal de colaboração com as empresas FinTech.
12.7. A tecnologia descentralizada de registro de dados
Blockchain NO SISTEMA FINANCEIRO
PROFESSOR DOUTOR FRANCISCO MENDES CORREIA - Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Investigador no Centro de Investigação de Direito Privado. Advogado na Sérvulo & Associados
12.7.1. Introdução
A tecnologia Descentralizada de Registro de Dados – ou simplesmente Blockchain –, é atualmente considerada como uma das tecnologias mais promissoras no sector financeiro, sendo habitualmente sublinhada a possibilidade de viabilizar alterações muito consideráveis nas estruturas, métodos operacionais e até modelos de negócio existentes. Numa expressão também ela moderna, o Blockchain é visto como uma tecnologia disruptiva no sector financeiro.
A notoriedade inicial alcançada pelo Blockchain deve-se em grande parte à rápida expansão das moedas virtuais ocorrida nos últimos anos e, em especial, ao fenômeno de difusão da bitcoin. Como é sabido, a bitcoin é emitida através desta tecnologia, e muitas das suas principais qualidades – pelo menos do ponto de vista dos entusiastas das moedas virtuais – ficam precisamente a dever-se à utilização de um sistema descentralizado de registro de dados. Com efeito, a descentralização no registro de titularidade e operações de pagamento com bitcoin resolveu por exemplo o problema da dupla alienação (double spending), que tornava inevitáveis intermediários financeiros, nos anteriores fenômenos de moeda electrónica.
No entanto, independentemente do sucesso que as moedas virtuais venham a ter, em geral, e a bitcoin, em particular, têm-se vindo a assinalar recentemente outras aplicações da tecnologia subjacente no sector financeiro. O Blockchain pode por exemplo desempenhar um papel relevante em novas metodologias de autenticação da identidade de agentes econômicos, devido ao caráter multilateralmente controlado na informação presente no registro, sobre operações e comportamentos passados; mas pode também viabilizar ou potenciar mecanismos de financiamento peer-to-peer, através da internet, ou ainda permitir ganhos de eficiência nos procedimentos de contabilização e auditoria da atividade bancária.
De entre estas múltiplas possibilidades de uso do Blockchain no sector financeiro, é possível destacar o registro de titularidade e operações sobre instrumentos financeiros: são incontornáveis as insuficiências dos mecanismos de registro atualmente existentes, mesmo nos mercados mais sofisticados, e as principais características desta tecnologia parecem ir ao encontro das limitações hodiernas, permitindo a sua superação. Interessa então destacar as principais características do Blockchain, para depois analisar, muito brevemente, o modelo atual de registro de titularidade e transações sobre instrumentos financeiros, para depois sintetizar de que forma poderia o Blockchain contribuir, ainda que parcialmente, para uma melhoria do sistema.
12.7.2. Principais características do Blockchain
Como se referiu, o Blockchain é uma tecnologia descentralizada de registro, tratamento e armazenamento eletrônico de dados (na expressão analítica inglesa: Decentralized Ledger Technology). É descentralizada na medida em prescinde de um registro central ou de um responsável único (ou hierarquicamente superior) pelos dados introduzidos e armazenados no sistema, assentando antes na distribuição de responsabilidade pelos respetivos participantes, como característica essencial. Com efeito, cada participante é responsável pela manutenção e atualização de uma parte (ou da totalidade) da base de dados, e a validade dos registros decorre da coerência entre as inscrições individuais de cada membro, ao invés de assentar num critério hierárquico. Este carácter (necessária e intencionalmente) multilateral evita que a base de dados possa ser corrompida por um único participante, ou que um ou mais participantes exerçam uma posição dominante, tornando os demais reféns.
Assim, a introdução de novos dados na base depende da validação da nova informação pelos demais participantes, sendo por isso assente num consenso multilateral. Uma vez atingido esse consenso multilateral, a nova informação é acrescentada à base de dados, e a partir daí não pode ser alterada ou eliminada, senão com base num novo consenso.
Como terceiro aspeto distintivo, cumpre assinalar que a maioria das tecnologias assentes em Blockchain utiliza métodos de encriptação de dados e de validação temporal (através da aposição de selos temporais nos momentos-chave da introdução, alteração e eliminação de dados).
A combinação destas três características principais – caráter multilateral, inscrição de dados através de consenso multilateral e encriptação e validação temporal – tornam os Blockchain especialmente robustos e resistentes a tentativas de corrupção de dados, oferendo assim um grau muito considerável de (imutabilidade e) fiabilidade da informação.
12.7.3. Descrição sintética de algumas insuficiências do atual sistema de processamento e liquidação de transações internacionais relativas a instrumentos financeiros
É geralmente reconhecido que a complexidade de um mecanismo de processamento e liquidação de transações relativas a instrumentos financeiros aumenta com o número de intermediários financeiros envolvidos. Nas transações financeiras internacionais, é elevada a probabilidade de aumento de intervenientes, com a possível participação de Centrais de Valores Mobiliários (CSD’s) internacionais, CSD’s nacionais e de vários intermediários financeiros em cadeia, com o natural impacto no aumento de custos de transação e do risco jurídico. Num relatório preparado a pedido da Comissão Europeia – o Giovannini Report – foram identificadas transações internacionais relativas a instrumentos financeiros que implicavam uma cadeia de 11 intervenientes, sendo necessária a emissão de 14 ordens, entre as partes envolvidas.
Esta multiplicação de intervenientes no processamento e transação de operações financeiras corresponde a uma consequência natural e necessária do sistema de detenção indireta de instrumentos financeiros, que prevalece na atualidade, e nos termos do qual a esmagadora maioria dos investidores detém os seus instrumentos de forma indireta, através de um ou mais intermediários financeiros. Com efeito, e em síntese, a situação paradigmática para um titular de instrumentos financeiros corresponde à sua detenção por via indireta através de um intermediário financeiro, que detém outros instrumentos financeiros da mesma espécie, pertencentes a outros investidores (muitas vezes em contas abertas junto de outros intermediários financeiros, gerando assim uma cadeia de detenção).
Também em síntese, este sistema apresenta problemas evidentes: a multiplicidade de intermediários envolvidos, o registro agrupado de instrumentos da titularidade de diferentes investidores e a possível transformação de pretensões individualizadas (e absolutas) sobre ativos determinados em pretensões meramente relativas, ou pretensões parciais sobre conjuntos indivisos de ativos. Além deste efeito de transformação da natureza jurídica da pretensão do investidor, a agregação de valores mobiliários em contas de registro abertas em nome dos vários intermediários financeiros da cadeia traz consigo eventuais problemas de segregação e identificação, especialmente perturbantes em cenários de insolvência.
Se for ponderado agora o fator internacional da transação, facilmente se verifica que a múltipla intervenção de intermediários financeiros e a plurilocalização de contas onde o mesmo instrumento está registrado resulta numa incerteza jurídica assinalável: não só é problemática a decisão sobre a lei a aplicar às relações em jogo, como pode tornar-se necessária a determinação do sentido de uma lei estrangeira, com o consequente aumento de custos.
12.7.4. Blockchain e registro de titularidade e transações relativas a valores mobiliários
Atendendo às principais características acima apontadas, o Blockchain revela-se especialmente adequado – pelo menos em abstrato – para assegurar o registro de titularidade e de transações relativas a valores mobiliários: tratar-se-ia de um único registro, mantido numa base multilateral, em que as inscrições (da emissão, da titularidade e das posteriores transações) seriam feitas por consenso multilateral. Aos mecanismos de controlo recíproco inerentes ao caráter multilateral do Blockchain acrescentar-se-ia a fidedignidade das tecnologias de encriptação e validação temporal. Como se trataria de uma única base de dados, a determinação da lei aplicável poderia ser facilitada, com a consequente redução do risco jurídico e dos custos de transação.
Entre muitos outros, alguns fatores podem no entanto dificultar a conversão desta ideia abstrata numa base de dados multilateral efetivamente utilizada por emitentes e investidores. A necessidade de adaptação dos atuais incumbentes e dos seus modelos de negócio é sem dúvida relevante, mas sobretudo deve ter-se em conta a conveniência de entidades responsáveis pela operação de sistemas de registro no âmbito da supervisão. Do ponto de vista dos supervisores, com efeito, um sistema multilateral e atomístico dificultaria a aplicação das regras e metodologias de supervisão atuais. Por outro lado, a existência de um único registro pode facilitar, mas não elimina totalmente as questões de determinação de lei aplicável, quando é certo que os participantes seriam oriundos de jurisdições diferentes. Para terminar, o atual quadro legislativo, que se baseia em categorias assentes no paradigma atual (ex. centrais de valores mobiliários) e que dificilmente poderiam ser aplicáveis, sem mais, às eventuais bases de dados descentralizadas.
Assim, e em suma, muito embora a tecnologia subjacente ao Blockchain apresente características que permitem, em abstrato, conceber formas de superação dos problemas do atual sistema de detenção intermediada de valores mobiliários, também é certo que são facilmente identificáveis áreas de idêntica incerteza, face aos paradigmas legislativo e de supervisão, no que se refere ao registro de titularidade, e ao processamento e liquidação de transações relativas a instrumentos financeiros.
12.8. Aspetos jurídicos da análise de dados na Internet (big data analytics)
Nos setores bancário e financeiro: proteção de dados pessoais e deveres de informação
DRA ANA ALVES LEAL - Assistente Convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutoranda. Advogada. Investigadora do Centro de Investigação de Direito Privado
12.8.1. O problema
Este estudo tem por objeto um problema circunscrito: procura-se analisar em que circunstâncias é admissível a recolha [obtenção], na Internet, de informação relativa a uma pessoa (informação extraível dos chamados «big data», conceito explicado adiante) e [analisar] em que circunstâncias pode essa informação – que é tratada, posteriormente à sua recolha [obtenção].
[Então,] com base em modelos de análise que obedecem a certos critérios, [essa informação obtida pode] relevar ou ser utilizada, no contexto da celebração ou da execução de negócios jurídicos, pela contraparte do sujeito a que tal informação respeita. Interessa aqui, em particular, a utilização, com os contornos apontados, dessa informação no domínio bancário e no domínio financeiro, por parte de instituições financeiras e no contexto da celebração ou execução de negócios com os seus clientes (ou potenciais clientes).
Não se afasta, porém, a vocação transversal do problema enunciado, e nem sequer se pretende afirmar ser este, a partir dos seus elementos pré-compreensivos, o lugar natural do problema – basta, para tal, considerar que, quando analisados a esta luz os dados normativos do sistema, não é no Direito bancário nem no Direito financeiro que encontramos um acervo normativo com direta pertinência na regulação da recolha, armazenamento e utilização de big data.
Mas justifica-se a escolha do seu estudo no quadro do Direito bancário e do Direito financeiro não só pela evidente expressão que o recurso à big data aí tem vindo a assumir, mas também pelas especificidades que o problema aí apresenta, por se tratar de domínios marcados pela especial intensidade dos deveres de informação que conformam a relação entre a instituição financeira e o cliente, admitindo-se que a estrutura, âmbito e relevância dessa informação possa surgir perturbada pela atuação dos mecanismos próprios da big data – sobretudo quando perspectivadas as fontes, a qualidade e o conteúdo da informação por essa via obtida. Julga-se, portanto, que a análise que se enceta fica sediada em áreas de relevantes potencialidades aplicativas e dogmáticas.
As especificidades do problema enunciado nos setores bancário e financeiro têm estado, de resto, na origem das preocupações das autoridades europeias – preocupações essas registradas em estudos recentes sobre o tema, entre os quais se destaca o Joint Committee Discussion Paper on the use of big data by financial institutions, elaborado em dezembro de 2016 pelo Joint Comittee of the European Supervisory Authorities (do qual fazem parte a ESMA, a EBA, e a EIOPA). Na doutrina portuguesa, são (ainda) poucos os estudos sobre os aspetos jurídicos da big data e não se conhecem textos sobre o problema aqui especificamente tratado.
O propósito deste estudo parece esgotar-se nesta descrição do problema. Mas esta descrição nada diz sobre a irradiação do problema em diferentes disciplinas científicas (sobretudo, na Ciência da Computação, na Estatística e na Filosofia) e em vários ramos do Direito (desde logo, no Direito constitucional e no Direito civil). Por isso, mesmo que circunscrito aos setores bancários e financeiro, admite-se a interdisciplinaridade que o tema convoca e reconhece-se a impossibilidade de uma análise transversal do problema. Esta circunstância dificulta, naturalmente, a delimitação do âmbito do problema a tratar.
Serão duas as dimensões de análise a abordar. A título principal, impõe-se a análise do problema à luz das diretrizes fundamentais do regime e da disciplina da proteção de dados pessoais: é aí que se reúne o maior complexo normativo, doutrinal e jurisprudencial que poderá regular – pese embora as suas insuficiências – esta matéria.
Note-se que a navegação na Internet implica a exposição, consciente ou inconsciente, de informação que é normalmente suscetível de ser qualificada como «dados pessoais» do utilizador (saúde, patrimônio, rendimentos, preferências, hábitos de vida privada, etc.), o que leva a que o tratamento deste tipo de dados se encontre sujeito a um regime jurídico de proteção específico. Aqui avulta também a relação entre a proteção de dados e os deveres de sigilo das instituições financeiras; trata-se de uma relação intrincada e de difíceis contornos, merecedora de estudo autônomo; neste texto, será feita apenas uma referência pontual ao tema.
Apenas tendo por base as concepções gerais e o regime sobre o tratamento de dados pessoais é possível pretender obter modelos de decisão para o problema da relevância da informação referente ao cliente (ou futuro cliente) obtida pelas instituições financeiras via big data, no contexto da celebração ou da execução de negócios jurídicos entre esses sujeitos. Tendo isso presente, o problema será depois analisado à luz do Direito bancário e do Direito financeiro (com as necessárias incursões no Direito civil – que intervirá como Direito comum).
12.8.2. A noção de «big data»
No domínio da tecnologia da informação, utiliza-se a designação «big data» (em português, «megadados», «dados massivos» ou «dados em larga escala») para referir conjuntos de informação em larga escala, cuja dimensão excede a capacidade e impossibilita (ou, pelo menos, dificulta) a aptidão das ferramentas dos tradicionais "softwares de recolha, armazenamento, gestão e análise de bases de dados.
Diz-se serem estes conjuntos de informação caracterizados por “três V’s”: volumetria (grandes volumes de dados gerados em cada segundo), variedade (os dados são fornecidos em diferentes tipos de formatos e recolhidos através de diversas formas, correspondendo sobretudo a dados não estruturados) e velocidade de atualização (o conteúdo dos dados está em constante mutação, sendo gerados grandes volumes de dados por segundo, o que impulsiona a necessidade de processamento desses dados em tempo real).
A principal fonte de big data é a Internet. Estes dados são gerados pelos utilizadores da Internet (seja pela navegação através de browsers, seja pela utilização de programas ou apps) através dessa mesma utilização, pelos mais diversos dispositivos (computadores, telemóveis, tablets, etc.): pense-se nas transações online, no envio e recepção de e-mails e de mensagens em chats, nas visualização de vídeos e imagens, cliques, nos históricos de navegação, nas interações em redes sociais, nos registros e perfis digitais criados pelo próprio utilizador para aceder a diferentes funcionalidades, ou nos registros de localização. O utilizador deixa uma pegada digital que não é mais do que a materialização de inputs de informação pessoal que são, depois, agregados em conjuntos de dados de grande tamanho.
Mas o conceito « big data» não assenta apenas na constatação da existência de conjuntos de dados de grande tamanho; fala-se também de big data para referir as tecnologias e os processos implicados na recolha, armazenamento, tratamento e análise desses grandes volumes de dados, realizados em períodos de tempo muito reduzidos. Esses processos envolvem a exploração e prospecção de dados (data mining) com vista à criação de nova informação. Esta combinação de tecnologias e processos corresponde, assim, a uma técnica de conversão de fluxos de dados num conhecimento altamente específico (data-intensive knowledge).
Os processos de tratamento dos big data, como qualquer processo de análise de dados, são realizados através de modelos de análise, construídos por algoritmos e normalmente assentes em técnicas de "machine learning. Através desses modelos de análise, extrai-se dos dados recolhidos um resultado (outcome), e esse resultado servirá o propósito de auxiliar o seu utilizador na tomada de decisões.
Na big data, em termos muito simplificados, são geralmente utilizados três modelos de análise: análise descritiva (descriptive analytics), análise preditiva (predictive analytics) e análise prescritiva (prescriptive analytics). O que essencialmente os distingue são as questões a que visam dar resposta: na análise descritiva, a questão central é a de saber o que aconteceu e por que razão aconteceu; na análise preditiva, visa-se dar resposta à questão sobre o que irá ou poderá acontecer; na análise prescritiva, tendo presente os resultados da análise preditiva ou descritiva, o que se pretende é dar resposta à questão sobre o que se deverá fazer. Por isso, ainda que possam reportar-se ao mesmo universo de dados, o resultado obtido por estes processos será necessariamente distinto.
A análise preditiva é o processo de tratamento de dados mais utilizado pela big data. A análise preditiva corresponde ao processo de extração e identificação de padrões a partir de conjuntos de dados, de forma a prever resultados ou tendências futuros; a informação assim obtida será útil ao decisor – que, querendo, se pode adaptar no presente àquilo que serão comportamentos, eventos e preferências no futuro. Numa perspectiva necessariamente elementar, é possível decompor este processo analítico nos seguintes passos:
À análise preditiva cabe, assim, a tarefa de construir e utilizar modelos que façam previsões com base em dados históricos.
Na análise de dados, o conceito de «previsão» (prediction) deve, contudo, ser perspectivado num sentido amplo: não só no seu aspeto temporal (a previsão do que acontecerá no futuro), mas enquanto associação ou atribuição de um valor a uma variável incerta ou desconhecida. A forma mais conhecida de análise preditiva dá-se na meteorologia; mas registram-se ainda outras frequentes aplicações, como na previsão de preços, na avaliação de riscos, no planeamento de tratamentos de saúde, ou na classificação de documentos ou, em geral, de comunicações.
12.8.3. O recurso à big data no setor bancário e no setor financeiro
O conhecimento derivado do tratamento dos big data tem grande utilidade em diversos domínios. No domínio dos serviços bancários e financeiros, a utilização de big data por instituições financeiras apresenta vantagens incontestáveis – o que muito tem contribuído para o crescimento das empresas FinTech. Essas vantagens resultam essencialmente do fato de, com base na informação extraída desses dados, geralmente através de modelos preditivos, ser possível definir e conhecer os perfis de potenciais clientes ou melhorar a definição de perfis de clientes.
Pela personalização que permite, o recurso a big data, mais do que possibilitar a identificação de perfis que se insiram numa categoria ou grupo, possibilita a identificação de características específicas de um sujeito, viabilizando, por isso, a construção de perfis mais individualizados ou, no limite, de perfis únicos e exclusivos.
A construção desses perfis assenta, de uma forma simplificada, num processo de três fases: monitorização de comportamentos e preferências (tracking), atribuição de uma pontuação ou classificação em função do registro passado e da probabilidade de verificação, no futuro, desses comportamentos ou de outros comportamentos ou eventos que daqueles sejam consequência (scoring), e associação, em função desse scoring, aos sujeitos visados de certos interesses ou características específicas (personalizing).
Que os clientes das instituições financeiras tenham já um perfil definido – ou, pelo menos, atribuído –, não é de estranhar: desde logo, porque as autoridades de supervisão competentes disponibilizam informações relevantes sobre os clientes a que as instituições financeiras podem aceder; depois, porque há um conjunto de informações que os clientes de serviços financeiros têm, por determinação legal, o dever de prestar antes, no momento da celebração de contratos, ou durante a sua execução, e cujo conteúdo possibilita, por regra, a construção, de forma mais ou menos completa, desse perfil; por outro lado, porque as instituições bancárias e financeiras se encontram adstritas aos deveres de conhecer e de categorizar os seus clientes.
Tendo presente as potencialidades da aplicação de big data na definição de perfis de utilizadores de serviços bancários e financeiros, enunciar-se-ão as vantagens e as configurações mais frequentes dessa aplicação.
Não se pretende apresentar uma taxonomia compreensiva dos benefícios da utilização de big data; reconhecem-se, porém, três planos distintos onde essas vantagens predominantemente se concretizam e que, por contingente facilidade expositiva, se podem designar por plano comercial, por plano decisório e por plano regulatório.
Refere-se o plano comercial à angariação e fidelização de clientes, bem como ao desenvolvimento de mecanismos que visam a satisfação destes, seja em fase pré-contratual, contratual ou pós-contratual. Quando atinente à angariação de novos clientes ou à contratação de novos produtos ou serviços por clientes habituais, as vantagens de utilização de big data cifram-se sobretudo na possibilidade de as instituições financeiras, tendo conhecimento daqueles que são os perfis de utilizador de maior expressão, ajustarem a oferta dos seus produtos e serviços à procura de determinados segmentos de clientes, para incrementar essa angariação e contratação – o que se afigura particularmente proveitoso nas hipóteses de vendas adicionais (up-selling) e vendas cruzadas (cross-selling).
Já no domínio da gestão de qualidade dos produtos e serviços financeiros, potencia a big data o desenvolvimento de mecanismos, atuáveis em tempo real, dirigidos à avaliação e manutenção do nível de satisfação dos clientes – seja através da rápida identificação e resolução de problemas, seja pelo progressivo aperfeiçoamento e personalização de produtos e serviços existentes –, especialmente com base na monitorização de comportamentos, preferências, padrões de consumo (behavioural-based services) e no feedback desses clientes face a produtos ou serviços contratados, ou, mais amplamente, face à instituição financeira em si mesma considerada.
Num plano decisório, diz-se proporcionar a utilização de big data uma maior racionalidade na tomada de decisões por parte das instituições financeiras e por parte dos seus clientes, por permitir corrigir carências e assimetrias informativas e reduzir a complexidade dos processos de decisão. Interessam-nos aqui, em particular, as decisões, e seus processos, atinentes à celebração e execução de negócios jurídicos entre esses sujeitos. À primeira vista, esta racionalidade na tomada de decisões é econômica e seguirá os respectivos critérios de eficiência. Não se restringe, contudo, a isso. Guarda também, com evidente relevância numa dimensão jurídica, relação estreita com o que seja o âmbito da informação (em sentido amplo) que possa ou deva ser prestada, solicitada, e/ou conhecida pelas partes do negócio.
Por um lado, esses benefícios materializam-se na possibilidade de oferecer aos clientes uma melhor perceção, em tempo real, sobre o seu próprio comportamento e situação financeira – designadamente, sobre os hábitos de poupança ou de gastos, os tipos de investimentos realizados e sucesso desses investimentos –, o que facilita a gestão, por parte dos clientes, da respectiva situação financeira e os auxilia a tomar decisões de investimento mais informadas e, à partida, mais ajustadas ao seu perfil.
Por outro lado, possibilita-se uma avaliação mais rigorosa dos riscos associados ao cliente. A hipótese paradigmática será a do contrato de seguro, área onde os mecanismos de big data se têm mostrado particularmente vantajosos por introduzirem uma maior acuidade na aferição do risco em cada caso concreto, sem as desvantagens típicas a isso inerentes: permitem o fácil acesso a informação relevante sobre o tomador de seguro para determinar o nível de risco deste, o que possibilita a oferta, por parte dos seguradores, de produtos com coberturas de conteúdo superpersonalizado ou de prêmios à medida do risco do cliente, seja porque esse risco é mensurado com base numa análise preditiva assente em fatos passados, seja porque esse risco é mensurado em tempo real através de variadas soluções telemáticas.
É, aliás, neste contexto de análise de risco em tempo real que a contratação de seguros baseados na utilização (usage-based insurance models) se encontra em franca expansão. Sendo certo que este ajustamento ao risco do tomador de seguro é também benéfico para este (sobretudo quando, devido a uma análise assente em big data, este é considerado uma pessoa de baixo risco e consegue, por isso, contratar seguros com coberturas ou prêmios mais atrativos), não se pode deixar de apontar que os principais beneficiários das vantagens da utilização de big data são os próprios seguradores, que assim conseguem, sem os custos habituais, combater as práticas de antiseleção.
Fora das fronteiras do setor segurador, o recurso a big data no domínio financeiro é especialmente útil na determinação do grau de suportar, por parte do cliente, do risco de investimento – globalmente (risco da carteira) ou individualmente (risco de cada um dos ativos) considerado –, em caso de insucesso desse investimento. Note-se que em causa não está recorrer à big data como auxílio na determinação ou previsão desse risco de investimento: trata-se antes de usar esses dados para conhecer as características do cliente que, por sua vez, são relevantes para aferir da experiência e conhecimentos deste e da suficiência do patrimônio deste em suportar esse risco, caso um resultado desfavorável se materialize (através da existência de perdas e/ou inexistência de ganhos) – trata-se, pois, de traçar o comumente designado perfil de risco do cliente.
A instituição financeira deve traçar esse perfil. Este dever não é aqui referido numa perspectiva de prudência econômica, mas antes numa perspectiva de injuntividade jurídica: são várias as regras que cominam às instituições financeiras deveres de adequação e, em geral, deveres de informação e deveres de aconselhamento em função do perfil do cliente. Ainda que, em primeira linha, os principais beneficiários desta determinação de um perfil de risco e de adequação do investimento sejam os clientes – afinal, os sujeitos a cuja proteção se encontram teleologicamente orientadas as normas de onde tais deveres emergem –, as instituições financeiras também beneficiam com esta possibilidade de, com maior rigor, poderem definir esse perfil, desde logo, porque assim se encontra facilitado o cumprimento desses seus deveres.
Importa ainda referir as potencialidades da big data na análise do risco de não cumprimento do cliente perante a instituição financeira e na consequente atribuição, ao cliente, de uma pontuação que reflita e sinalize a possibilidade de materialização desse risco.
Especial referência merece, pela sua importância no domínio bancário, o recurso à big data na análise e classificação do risco de crédito (credit scoring) dos clientes – que, entre outras aplicações, é determinante para o grau de merecimento de crédito (creditworthiness, Kreditwürdigkeit) destes.
Esta refinação ou granulação da análise do risco de incumprimento [inadimplência], debruçada sobre as idiossincrasias do cliente, permite à instituição tomar uma decisão mais esclarecida (portanto, com maior autodeterminação) na altura de celebrar ou não certo negócio com determinado cliente (desde logo, pelas exigências regulatórias a que a instituição se possa encontrar sujeita em não se expor a um determinado nível de risco de não cumprimento), ou de ajustar a sua remuneração ao nível de risco que o cliente apresenta (como sucede, por exemplo, com a fixação do spread nos contratos de concessão de crédito).
Na perspectiva dos clientes, esta análise refinada e consequente individualização ou micro-segmentação não lhes é necessariamente desfavorável: dar-se-á o caso em que clientes que eram, à partida (i.e., com base em informação obtida sem ser por via dos mecanismos de big data) considerados indesejáveis, possam afinal, à luz destes dados, aceder a certos produtos e serviços financeiros, onde se destaca o acesso ao crédito – e que, de outra forma, lhes seriam (pelo menos, naquelas condições) recusados. Todavia, o inverso (clientes que são sinalizados como indesejáveis por causa da informação obtida via big data) também pode verificar-se.
Importa ainda referir a relevância do recurso à big data num plano regulatório. Do que se trata é de utilizar a informação obtida através da análise de big data para melhorar ou facilitar o cumprimento de exigências de regulação e de compliance a que as instituições financeiras se encontram adstritas. Esta utilização surge hoje inserida num domínio de crescente importância dentro da FinTech: a RegTech (do inglês, regulatory technology), que se reporta à criação, por empresas de base tecnológica, de soluções dirigidas à observância e à adaptação às exigências regulatórias de cada setor (neste caso, do setor bancário e do setor financeiro). As empresas RegTech utilizam maioritariamente tecnologias como cloud computing, big data e blockchain.
Neste contexto, a utilização de big data dirige-se essencialmente a melhorar os processos de deteção de fraudes e de operações ilegais, os processos de identificação e categorização dos clientes, e os processos de gestão dos riscos das instituições financeiras.
No primeiro caso, as valências da big data passam pela identificação e sinalização de atividades ou operações suspeitas (ou, face àquele cliente, anormais) antes da concretização das mesmas ou, sendo o caso, da produção do dano para o cliente (como a utilização fraudulenta de cartões de crédito, tentativas ou ataques de phishing, ou ameaças à cibersegurança em geral).
Este processo dá-se através da combinação e do cruzamento de informação extraída de diferentes bases de dados: as bases de dados da própria instituição financeira, que contêm informação agregada sobre índices de operações suspeitas (entre outros, em função do montante transacionado, dos sujeitos envolvidos, do tipo de operações, dos sistemas ou terminais de pagamento utilizados, bem como dos países onde esses sujeitos, contas ou sistemas de pagamentos se encontram domiciliados) e as bases de dados com informação relativa ao cliente, seja com dados históricos do cliente (ou de uma categoria de clientes com aquele perfil), seja com dados em tempo real.
O recurso à big data, sobretudo se apoiado em análises preditivas, permite que se abandone o modelo de um post-fato check dessas operações por parte das instituições financeiras e se adote um modelo de análise e combate, em tempo real, dessas operações.
A big data é também muito útil na identificação e categorização dos clientes, em cumprimento de exigências vulgarmente designadas por «know your customer» (KYC) e por «customer due diligence» (CDD). Estas exigências surgem em diferentes quadros reguladores da atividade bancária e financeira. A identificação e categorização de clientes integra um processo que assenta numa cadeia de fornecimento de informações (compliance information supply chain) e que tem, para as instituições financeiras, elevados custos.
A big data possibilita uma diminuição desses custos. Seja porque introduz novos métodos de obtenção ou extração desses dados, privilegiando as self-sourcing practices que dispensam um ato do cliente especificamente dirigido à transmissão dessa informação (diversamente do método tradicional de recolher esses dados através do preenchimento de questionários pelo próprio cliente, na fase comumente designada por «customer onboarding»), seja porque proporciona o acesso a um universo de dados mais abrangente, seja porque possibilita uma visão única e holística do cliente (geralmente denominada por «single view customer» e «customer 360-degree view») – pondo assim fim à gestão de dados altamente descentralizada e redundante no conjunto de sistemas de informação, normalmente divididos por departamentos da instituição financeira –, seja porque oferece métodos de classificação ou scoring do cliente mais rigorosos e de atualização em tempo real, seja porque viabiliza o reporte dessa informação às autoridades supervisoras de forma direta, automática e também em tempo real.
Por fim, quanto aos processos de gestão de riscos e de compliance, assinalam-se as aplicações da big data no cumprimento das obrigações de reporte das instituições financeiras às entidades supervisoras. Estas exigem às instituições financeiras, com cada vez mais frequência, dados cada vez mais refinados (os quais, na sua agregação, gestão e divulgação, devem ser de máxima qualidade, "i.e., estruturados, bem definidos, verdadeiros, rigorosos e completos). A utilização da big data possibilita essencialmente uma melhoria da qualidade dos dados a reportar e uma visão holística dos mesmos; quando combinada com técnicas automatizadas de extração e tratamento desses dados, aumenta a eficiência do processo de reporte e, em consequência, diminuem os custos a ele associados.
12.8.4. Conclusões intercalares: desafios epistemológicos, falta de qualidade da informação e os perigos da big data
A novidade do tema e a natureza multifacetada do fenômeno ditou a necessidade da sua descrição nos pontos anteriores. Aqui chegados, importa, à luz dessas considerações, perceber, num prisma estritamente jurídico, por que razão a big data vem introduzir desafios próprios no que respeita à obtenção e utilização da informação no contexto da celebração ou da execução de negócios jurídicos. Essa análise, por sua vez, está comprometida com um conjunto de ideias de base que, a partir da referida descrição, se podem formular.
Parte-se da premissa que os dados não são informação nem conhecimento. Os dados – aqui, os extraídos da Internet – são dados em bruto (brute data). Isto significa que são representações ou descrições (quantitativas ou qualitativas) neutras de fatos, cuja veracidade não pode ser posta em causa através de uma outra interpretação ou leitura e que servem de matéria-prima a um conjunto de inferências (as resultantes do seu processamento e análise). A informação, por seu turno, depende da existência de dados e é o resultado do seu processamento e análise, aos quais é atribuído um sentido ou significado. O conhecimento corresponde à estruturação e relacionação da informação (seja através de um processo computacional, seja através de um processo mental) de forma a torná-la útil, com vista a finalidades (aplicações) específicas.