DESFALQUES NOS FUNDOS DE INVESTIMENTOS
INTERVENÇÃO, LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, FALÊNCIA
São Paulo, 22 de março de 2009 (Revisada em 16/03/2024)
Referências: Crimes Contra Investidores (Lei 7.913/1989), Resgate de Cotas ou Quotas de Fundos e Clubes de Investimentos e sua Constituição e Administração, o Fundo é uma Sociedade Simples ou Associação entre Condôminos ou Cotistas, Apropriação Indébita ou Subtração do Patrimônio Alheio (Código Penal - artigos 168 a 170), Responsabilidades do Mandatário (Código Civil - artigo 667), Manipulação de Cotações no Mercado de Títulos e Valores Mobiliários - Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função no Mercado de Capitais ou de Valores Mobiliários (Lei 6.385/1976 - artigo 27-E), Blindagem de Patrimônio.
SUMÁRIO:
Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
1. A QUESTÃO
Em 05/03/2009 usuária do COSIFE ao ler o texto sobre Blindagem Fiscal e Patrimonial, não tendo a resposta que buscava porque o texto se referia a outro tipo de Blindagem, escreveu:
Investi num Clube de Investimentos, da AGENTE BR, que agora está em "Liquidação Extrajudicial" decretada pelo Banco Central do Brasil. Os responsáveis pela administração desse Clube já foram mudados mais de 3 vezes. O atual administrador diz que não pode reembolsar (liquidar) as cotas dos condôminos por causa da "TRAVA DE BLINDAGEM DE PATRIMÔNIO".
Pergunto: Isso é um golpe? O administrador desse clube pode estar agindo errado? Como posso realmente saber?
RESPOSTA DO COSIFE
2. INTERVENÇÃO OU LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Com denominação social semelhante a informada pela usuária do Cosife em 09/01/2009 foi decretada pelo Banco Central do Brasil a liquidação extrajudicial da AGENTE BR Sociedade Corretora de Câmbio Ltda.
É importante destacar que se trata de uma corretora de câmbio e não de uma corretora de títulos e valores mobiliários. Foi verificado na internet que diversos investidores reclamam o não ressarcimento de seus investimentos numa instituição sob a denominação de "AGENTE BR".
As operações das Corretoras de Câmbio são reguladas pela Resolução CMN 1.770/1990. Não consta no texto regulamentar que essas entidades possam administrar clubes ou fundos de investimentos. Talvez por esse motivo de estar exercendo atividade não autorizada pelo Banco Central, a liquidação tenha sido decretada. O motivo da decretação também pode ser outro, como por exemplo a má gestão de fundo de investimento ou da própria corretora de câmbio, se não estiver agindo de conformidade com as regras estabelecidas pelas normas regulamentares publicadas pelo Banco Central do Brasil.
Todo investidor, deve procurar no Banco Central do Brasil ou na CVM - Comissão de Valores Mobiliários se determinado Clube ou Fundo de Investimento foi autorizado a funcionar. Também pode verificar no site da Receita Federal se o Fundo ou Clube de Investimentos está escrito no CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. Basta solicitar à entidade administradora do Fundo ou Clube qual é a sua denominação social oficial e qual o seu número de inscrição no CNPJ.
Quando os fiscalizadores do Banco Central ou da CVM encontram alguma irregularidade nas instituições do sistema financeiro a intervenção na mesma ou a sua liquidação extrajudicial pode ser decreta de conformidade com o disposto na Lei 6.024/1974.
Veja também a Resolução CMN 4.502/2016 que estabeleceu as regras para a confecção de Planos de Recuperação (Extrajudicial). Veja no MNI 5 - Ação Fiscalizadora a Lei 13.506/2017 que foi sancionada para dar legalidade à referida Resolução.
Muitas vezes tais órgãos tomam essa iniciativa de fiscalizar somente quando recebem denúncias, principalmente quando essas instituições não estão devidamente autorizadas a funcionar. Nessa hipótese de a instituição estar operando sem autorização, obviamente os citados órgãos devem desconhecer que ela existe, razão pela qual faz-se necessária a denúncia. As demais instituições autorizadas são fiscalizadas regularmente.
Com base na citada Lei 6.024/1974 o interventor ou liquidante nomeado pelo Banco Central tem um prazo mínimo de 60 dias para efetuar as apurações necessárias e apresentar relatório sobre a situação patrimonial e operacional da empresa, apontando também as eventuais irregularidades encontradas. Esse prazo pode ser prorrogado, podendo chegar a 6 meses.
Se o Banco Central decretou a liquidação da empresa administradora do clube ou fundo de investimento, esse órgão oficial por intermédio do preposto nomeado deve informar para quem foi eventualmente transferida a administração do fundo ou clube de investimento em questão, tendo-se em vista que em tese os fundos e clubes de investimentos não pertencem à empresa administradora, a sua administração pode ser transferida para outrem se o seu patrimônio for declarado como integro (sem desfalques).
3. CONSTITUIÇÃO DE FUNDOS E CLUBES DE INVESTIMENTOS
A constituição e a administração de Fundos de Investimentos necessitavam da autorização expressa do Banco Central do Brasil até a sanção da Lei 10.303/2001, quando essa função foi transferida para a CMV - Comissão de Valores Mobiliários que deve obedecer à seguinte legislação: Lei 4.728/1965 (artigos 49 e 50) e Lei 6.385/1976 (item VI do artigo 1º).
Veja as regulamentações baixadas pelo Banco Central e pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários no MTVM - Manual de Títulos e Valores Mobiliários procurando no índice por Fundos e Clubes de Investimentos
Por sua vez, os Clubes de Investimentos geralmente são constituídos mediante autorização das Bolsas de Valores e ficam sob a responsabilidade fiscal das mesmas.
4. OS FUNDOS COMO SOCIEDADE CIVIL
Na realidade os fundos e clubes de investimentos são sociedades simples ou sociedades civis com determinado objetivo que é o de investir no mercado de capitais num sistema que poderia ser chamado de cooperativista. Isto é, o fundo de investimento é a união de diversos investidores de pequeno porte (cooperados) que se associam gerando uma massa de investimentos maior (mais significativa) com a finalidade de contratar um administrador especializado para gerir as suas finanças.
Essa mesma explicação vale para os clubes de investimentos, porém, estes geralmente têm máximo 50 condôminos.
Torna-se associado do clube ou fundo o investidor (condômino ou cotista) quem adquire cotas do referido fundo ou clube. Em tese, são esses cotistas que nomeiam o administrador do fundo ou clube. Mas, na prática é uma instituição do sistema financeiro quem constitui o fundo e o administra por intermédio de seus prepostos, vendendo cotas do mesmo a quem tiver o interesse de investir.
5. PROCEDIMENTOS DO LIQUIDANTE OU INTERVENTOR
Depois de decretado o regime especial (intervenção ou liquidação extrajudicial) pelo Banco Central o novo administrador nomeado na qualidade de interventor, liquidante ou administrador temporário tem um prazo mínimo de 60 dias para informar de forma clara as razões pelas quais está impossibilitado de resgatar as cotas dos fundos ou clubes administrados pela liquidanda. Entretanto, o liquidante somente poderá liberar o resgate das cotas depois que fizer as apurações determinadas pela Lei 6.024/1974 e se for devidamente autorizado pelo Banco Central que, antes de autorizar o pagamento, examinará o relatório firmado pelo seu preposto.
Veja também:
Aprovado o relatório de apuração, o preposto do Banco Central, mediante a convocação dos credores, vai verificar se o patrimônio encontrado é suficiente para pagamento de todos.
Se o patrimônio for suficiente para saldar 80% dos valores habilitados pelos credores, a liquidação continuará em seu processo normal. Mas, se não houver patrimônio que possa ser vendido para liquidação da dívida, o preposto mediante autorização do Banco Central pode solicitar a falência da empresa administradora do fundo ou clube de investimentos.
Caso não exista patrimônio suficiente e os credores numa assembléia geral de condôminos ou de cotistas NÃO concordarem em perder parte do seu investimento, somente através da justiça poderão ser arrestados (confiscados) os bens dos controladores da liquidanda necessário à complementação do pagamento.
De forma genérica a citada “Blindagem de Patrimônio” pode significar que, por ora, o preposto do Banco Central não pode efetuar o pagamento aos credores porque ainda não terminou as apurações necessárias para saber qual é a real situação líquida patrimonial da liquidanda e dos fundos ou clubes de investimentos por ela administrados.
Depois de apurada a real situação líquida patrimonial, a dita “Blindagem de Patrimônio” pode significar que o patrimônio dos clubes ou fundos de investimentos somado ao da empresa administradora é insuficiente para pagamento de todos os credores. Por este motivo, para recebimento parcial de seus créditos, os credores em assembléia geral precisam concordar em receber parte daquilo que teriam direito.
"Blindagem de Patrimônio" também pode ser o uso de artifícios legais ou administrativos com a finalidade postergar o processo de liquidação extrajudicial ou retardar o início da habilitação de créditos como forma de adiar o pagamento ou o ressarcimento aos credores. Com tal procedimento os administradores ou controladores da empresa em liquidação tentam conseguir meios de quitar a dívida sem a decretação da falência.
Tais administradores ou controladores também podem ter adotado os procedimentos descritos no texto sobre Blindagem Fiscal e Patrimonial com forma de ocultação de seus bens, direitos e valores para que não sejam confiscados pelo juiz da falência para pagamento da dívida apurada pelo liquidante.
Aliás, é preciso deixar claro que o indivíduo que proferiu o termo "Trava de Blindagem de Patrimônio" na realidade não tinha vontade de explicar (absolutamente nada) ao geralmente leigo investidor o que de fato estava ocorrendo. Tinha vontade de esconder o que estava ocorrendo.
7. PRINCÍPIO CONTÁBIL DA ENTIDADE
Há outro detalhe importante a ser observado. É que o Princípio de Contabilidade da Entidade estabelece que os patrimônios de diversas entidades não se confundem. Ou seja, eles precisam ser controlados e administrados separadamente um dos outros.
Portanto, numa empresa que administra vários fundos de investimentos, a própria empresa e os diversos fundos por ela administrados são entidades diferentes e por isso têm patrimônios distintos. Por esse motivo o interventor, liquidante ou administrador temporário precisa apurar o patrimônio de cada um deles separadamente, o que exige mais trabalho.
Depois de apurado os patrimônios de todas essas entidades, o preposto do Banco Central pode concluir que em alguma daquelas entidades não houve desfalque e por essa razão o seu patrimônio pode ser imediatamente liquidado (resgatado).
Por outro lado, se for constatado que está faltando parte do patrimônio nas demais entidades, até que se consigam os recursos financeiros necessários, o pagamento aos credores daquelas entidades fica suspenso.
Assim sendo, o próprio empresário administrador dos fundos ou clubes pode entrar em contato com os credores no sentido de formalizar acordos para pagamento da dívida. Se ele conseguir fazer acordos com grande parte dos maiores credores de forma que o patrimônio restante no fundo seja suficiente para pagamento imediato dos demais credores com quem não fez acordo, a intervenção ou liquidação pode ser suspensa.
Nesta hipótese de ser firmado o acordo particular entre o administrador mediante a aquisição à vista ou a prazo dos créditos dos condôminos, o patrimônio do fundo ou clube pode ser revertido em favor da empresa administradora, se assim desejar a pessoa que adquiriu os créditos. Se o adquirente dos créditos for pessoa estranha à empresa (não sócio), mediante esses créditos ela até pode assumir o controle da entidade mediante cessão de direitos firmado pelo controlador falido.
8. EXEMPLOS DE FATOS OCORRIDOS
Em liquidações anteriores foi observado alguns problemas judiciais porque os condôminos de alguns dos fundos ou clubes administrados não queriam receber menos que os dos demais fundos administrados e por isso solicitaram a incorporação do patrimônio dos diversos fundos ao patrimônio da administradora, por julgarem ou por saberem que o patrimônio da administradora era maior e por isso podia liquidar toda a dívida.
O preposto do Banco Central até pode considerar que essa seria a melhor solução se não conseguir identificar qual é a verdadeira situação líquida patrimonial de cada um dos fundos ou clubes administrados.
Essa impossibilidade de se executar a perfeita avaliação patrimonial acontece quando a contabilização das operações realizadas pelo fundo ou clube não é confiável ou porque parte do patrimônio do fundo ou clube foi desviado pelo seu antigo administrador para outras finalidades, o que se configura como crime de apropriação indébita do patrimônio alheio (artigo 168 a 170 do Código Penal) ou de subtração de patrimônio alheio.
Isto significa que os registros contábeis dos clubes ou fundos de investimentos administrados não são dignos de fé pública por não expressarem a realidade econômico-financeira atualmente existente. Assim sendo, fatalmente haverá significativa diferença entre o contabilizado e o patrimônio apurado pelo liquidante.
Esse problema ocorre quando o administrador original (ou controlador da empresa em liquidação) se apropria de parte ou da totalidade do patrimônio dos cotistas do fundo ou clube de investimentos sem contabilizar essa subtração do patrimônio alheio como um empréstimo obtido por ele de forma irregular. Isto é, o administrador deixa de contabilizar o desaparecimento dos títulos que resultou na diminuição do patrimônio do fundo.
Acontecendo dessa forma não haveria títulos nem dinheiro em montante suficiente para pagamento a todos os cotistas. Então, o resgate será efetuado somente se um juiz autorizar o pagamento parcial, ficando o restante para ser habilitado na massa falida, quando a dívida passa a ser dos administradores ou dos controladores da empresa em liquidação. A partir daí essa parcela faltante no patrimônio do clube seria paga mediante o arresto (confisco) de bens do administrador e/ou do controlador da liquidada, se ele tiver algum patrimônio a ser arrestado - confiscado.
Esse tipo de crime em que o administrador de fundos e carteiras de investimentos se apropria do patrimônio em títulos de seus clientes sempre foi muito comum no mercado de capitais, razão pela qual o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil estabeleceram regras ou barreiras para impedir a manipulação das operações dos fundos de investimentos em proveito de seus administradores ou controladores e em prejuízo dos condôminos (cotistas). Sobre essas regras veja o texto intitulado Chinesse Wall no Asset Management que poderíamos traduzir como As Barreiras Colocadas entre os Gerenciadores de Ativos para Evitar o Desfalque em Fundos de Investimentos.
Veja ainda outros tipos de Crimes contra Investidores, incluindo outras formas de desfalque em Fundos de Investimentos.
10. RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
Segundo o dicionário Michaelis-UOL, MANDATÁRIO é aquele que recebe mandato ou procuração de outrem, para fazer certa coisa. É o executor de mandados, delegado, procurador, representante.
Os Gerenciadores de Ativos ou Administradores de Carteiras ou Fundos de Investimentos assumem automaticamente a qualidade de mandatários de conformidade com o que se depreende na leitura do Código Civil Brasileiro.
Portanto, o administrador do fundo de investimentos é o mandatário (procurador) daquelas pessoas que a ele delegaram a administração de seus bens, valores ou direitos.
Segundo ao artigo 668 a 671 do Código Civil:
a) - o mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente. Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento.
b) - O mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja.
c) - O mandatário não pode compensar os prejuízos a que deu causa com os proveitos que, por outro lado, tenha granjeado ao seu constituinte.
d) - Pelas somas que devia entregar ao mandante ou recebeu para despesa, mas empregou em proveito seu, pagará o mandatário juros, desde o momento em que abusou.
e) - Se o mandatário, tendo fundos ou crédito do mandante, comprar, em nome próprio, algo que devera comprar para o mandante, por ter sido expressamente designado no mandato, terá este ação para obrigá-lo à entrega da coisa comprada.
11. CONCLUSÃO
Mesmo depois dessas explicações, que se basearam na legislação, nas normas, em fatos concretos ocorridos no passado e em suposições, tendo-se em vista que o usuário do Cosife não soube explicar exatamente o que está ocorrendo com o fundo em questão, o liquidante nomeado ou outro preposto do Banco Central deve ser consultado para que seja possível saber o que realmente está acontecendo.