Ano XXV - 29 de março de 2024

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COVENANTS: INSTRUMENTO DE GARANTIA EM PROJECT FINANCE

TÍTULO

SUBTÍTULO

São Paulo, dd/mm/aaaa (Revisado em 01/02/2024)


REFERÊNCIA


SUMÁRIO

Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador deste COSIFE

NOTA

COVENANTS: INSTRUMENTO DE GARANTIA EM PROJECT FINANCE

TERMO MENCIONADO NA INTERPRETAÇÃO NBC-ITG-01 - CONTRATOS DE CONCESSÃO

São Paulo, 19/01/2012 (Revisada em 01/02/2024)

Referências: SPE - Sociedade de Propósito Específico, PPP - Parcerias Público Privadas, Consórcio de Empresas, SCP - Sociedades em Conta de Participação, Joint Venture - Empreendimento Controlado em Conjunto, Corporate Finance - Finanças Corporativas ou Empresariais, Controladas, Controladoras e Coligas, Fusão, Incorporação, Cisão - NBC-TG-15 - Combinação de Negócios, NBC-ITG-01 - Contratos de Concessão.

SUMÁRIO:

Após discutir as garantias tradicionais usadas em operações bancárias e sua inadequação ao setor de infraestrutura, o artigo analisa o instituto dos covenants, recomendando sua utilização.

  1. Introdução
  2. O Sistema de Garantia Bancária
    1. Informações Preliminares
    2. Garantias Reais
    3. Ritos Processuais para a Execução de Garantias Reais
    4. Garantias Pessoais
  3. Renegociação e Recuperação de Crédito
  4. Utilização do Project Finance
  5. Covenants
    1. Definição de Covenants
    2. Limitação ao Endividamento
    3. Limitação ou Impedimento para Contrair Novas Obrigações
    4. Manutenção de Capital de Giro Mínimo
    5. Obrigações Adicionais
  6. Agente Fiduciário
    1. DEFINIÇÕES BÁSICAS E ESCLARECIMENTOS
    2. LEGISLAÇÃO E NORMAS REGULAMENTARES
  7. Vencimento Antecipado
  8. Vantagens e Desvantagens
  9. Previsão Legal
  10. Conclusões
  11. Referências Bibliográficas

Texto datado de 06/02/2002, escrito por Luiz Ferreira Xavier Borges, advogado da Área de Infraestrutura do Departamento de Telecomunicações do BNDES. Publicado no site do BNDES e extraído em 19/01/2012.

Aqui editado por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do site do COSIFe, com negritos, anotações [entre colchetes], comentários [notas do cosife] e endereçamentos [para outras páginas na internet], com o intuito de atualização dessa importante e verdadeira monografia muito bem elaborada, sem a corriqueira burocracia exigida pelos arcaicos conservadores de tradições esdrúxulas, que não se adaptam à TI - Tecnologia de Informação atualmente vigente e que sempre está em evolução.

1. INTRODUÇÃO

Ao incrementar o apoio ao setor de infraestrutura, nesse momento [ano de 2002] de desregulamentação (introdução de produtores independentes de energia) ou de regulamentação de alguns setores (energia elétrica como um todo) e de pós-privatização em outros (telecomunicações), o Estado brasileiro [por intermédio de seu governante = plantonista] vem encontrando desafios que exigem novas [e engenhosas] soluções.

Diante dos limites apresentados pelas garantias reais para operar com entes privados, concessionários de serviços públicos cujos ativos operacionais não podem ser objeto de execução por estarem vinculados ao serviço público, a solução jurídica mais adotada tem sido a figura da garantia de recebíveis, materializada pelo mandato conferido a um agente financeiro que funciona como um agente fiduciário, para reter em conta especial os valores decorrentes dos créditos dos projetos apoiados.

Entretanto, essa garantia tem pouca serventia sem que sejam exigidas obrigações específicas (covenants) dos coobrigados, que permitam reduzir ao mínimo as variações do fluxo de caixa.

NOTA DO COSIFE: Veja também Hedge de Fluxo de Caixa.

Este artigo busca expor um ponto de vista pouco difundido e contribuir para a discussão e o aprimoramento desse mecanismo [o que pode gerar significativa alteração da legislação e das normas vigentes]. Assim sendo, não tem a pretensão de esgotar o tema nem utilizar a linguagem própria dos textos de técnica jurídica, permitindo um amplo espectro de discussão.

NOTA DO COSIFE:

A partir de 17/03/2016, passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015 - DOU de 17/03/2015 - páginas 1 a 51 - PDF), que nos seus artigo 156 a 158 versa sobre a necessidade de PERITO devidamente qualificado profissionalmente para que o juiz possa tê-lo como investigador, assessor ou consultor especializado durante a análise e comprovação do necessário em causas judiciais.

Por isso, o articulista citou o amplo espectro de discussão porque, nas causas que envolvam empresas e seus negócios jurídicos (Código Civil - Fatos Jurídicos), torna-se imperioso ouvir os contadores, os auditores internos e externos e os peritos contábeis, os quais têm a obrigação de atestar a veracidade e qualidade dos atos e fatos contabilizados (A Escrituração Contábil e seus Documentos Hábeis) e de apresentar parecer sobre as Demonstrações Contábeis, informando a existência de eventuais fraudes contra credores, entre eles os acionistas minoritários das companhias abertas. Veja em NBC-TA - Normas Técnicas de Auditoria Independente - página índice de todas as normas.

Considerando-se que as empresas estatais privatizadas são concessionários de serviços públicos, seus ativos operacionais não podem ser objeto de execução por estarem vinculados ao serviço público, mais precisamente podemos acrescentar que não podem ser executados porque ainda pertencem ao Estado (País, na qualidade de Nação politicamente organizada). Portanto, aqueles bens não podem ser vendidos. Apenas pode ser concedida a sua administração, o que foi impropriamente chamado de privatização.

O objetivo básico é o de mostrar que, embora necessárias, as garantias tradicionais são pouco práticas para operações de vulto que têm de ir até o leilão judicial para a tentativa de recuperação do crédito. Isso também ocorre, em especial, no caso das operações de infraestrutura em que os bens não se prestam a hipoteca ou alienação fiduciária. Nesse caso, deve-se utilizar sempre que possível o project finance e todos os instrumentos modernos de garantia, especialmente a vinculação de recebíveis e os covenants, que dão um balizamento para o acompanhamento da evolução do fluxo de caixa do projeto ou da empresa.

Project finance é uma forma de engenharia/colaboração financeira sustentada contratualmente pelo fluxo de caixa de um projeto, servindo como garantia à referida colaboração os ativos desse projeto a serem adquiridos e os valores recebíveis ao longo do projeto.

É importante frisar que a experiência tem mostrado que essas garantias reais são importantíssimas na recuperação de crédito extrajudicial, pois são elas que dão ao credor uma posição negocial forte. Outro ponto fundamental é entender que a garantia através de recebíveis ajusta-se melhor à prestação de serviços sob o regime de monopólio ou assemelhado. Quanto maior a competição, menos efetiva a garantia através de recebíveis. A vinculação de receita, também, não é uma boa garantia para atividades exclusivamente industriais.

2. O Sistema de Garantia Bancária

  1. INFORMAÇÕES PRELIMINARES
  2. GARANTIAS REAIS
    1. HIPOTECA
    2. PENHOR
    3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
  3. Ritos Processuais para a Execução de Garantias Reais
  4. GARANTIAS PESSOAIS

2.1. INFORMAÇÕES PRELIMINARES

As garantias bancárias básicas utilizadas para colaborações financeiras de longo prazo são, normalmente, as garantias reais e as garantias pessoais. A praxe valoriza mais as primeiras, obedecendo a um contexto que vem se transformando rapidamente. Como o seguro de crédito financeiro e outras modalidades alternativas de garantias ainda não têm ampla utilização no Brasil, limitamo-nos às garantias tradicionais neste exame.

As garantias reais são aquelas que incidem sobre um bem ou coisa específica (res, em latim, significa coisa), e as mais usadas, hoje, são a hipoteca, o penhor e a alienação fiduciária. As garantias pessoais incidem sobre todo o patrimônio dos coobrigados, sem determinação expressa sobre um bem específico. É interessante destacar que essas garantias só incidem sobre o patrimônio, nunca sobre a liberdade do devedor, ou seja, um devedor insolvente, sem patrimônio, estará fora do alcance de qualquer medida de execução de contrato. Daí, por exemplo, a importância de um bom cadastro, que analisa a posição de solvência, e de uma avaliação ou classificação de risco.

Classificação de risco (rating) é o dimensionamento de um percentual de perdas esperado, a partir de cenários prospectivos, de natureza quantitativa ou qualitativa, depois de identificadas as variáveis críticas e as chances de ocorrência. O papel do rating é o de ajudar a tomada de decisão pelos administradores de carteira de investimentos e, no caso de administradores de fundos, afastar a sua responsabilidade civil em caso de perdas na transação.

Entretanto, a eficácia das garantias tradicionais está em xeque devido aos problemas processuais e legais que envolvem a sua execução. Essas garantias são ótimas quando tudo corre bem com o projeto. Porém, em caso de necessidade de execução, vários problemas envolvendo a renegociação e a recuperação de crédito depreciam enormemente o retorno dos encargos e, muitas vezes, mesmo do principal emprestado.

Durante o XXII Seminário Nacional de Assuntos Jurídicos, realizado em novembro de 1998 pela Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (ABDE), que congregou inúmeros advogados de contencioso de instituições públicas de fomento, houve consenso sobre o fato de que, tratando-se de operações industriais de grande porte, a recuperação através da execução judicial fica bem abaixo do valor pretendido quando do início do processo. Na ocasião, a recomendação foi no sentido da busca de mecanismos mais eficientes de recuperação de crédito através de via extrajudicial.

2.2. GARANTIAS REAIS

  1. HIPOTECA
  2. PENHOR
  3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

2.2.1. HIPOTECA

A hipoteca é o direito real de garantia que dá ao credor o privilégio na execução de um bem imóvel e de suas partes acrescidas. No Direito Civil brasileiro, imóvel é basicamente o terreno. As construções e os bens móveis que nele são colocados representam acessórios e podem incorporar-se ao imóvel.

A hipoteca é um contrato formal, que exige a escritura pública (lavrada no livro próprio do cartório de Ofício de Notas) e o registro no cartório de Registro de Imóveis (RGI) da comarca em que estiver o bem, para sua constituição. Esses são procedimentos onerosos, justificados pelas altas somas envolvidas. Também por isso, caso haja valor residual a hipoteca poderá ser dada em diversos graus, respeitados primeiro os direitos dos mais antigos, por ordem de registro da constituição dos graus de hipoteca.

A grande vantagem da hipoteca é a de permitir a execução "porteira fechada", ou seja, de todo um conjunto representado pelo imóvel da unidade produtiva, suas construções e todos os equipamentos e bens necessários ao seu funcionamento. Entretanto, para evitar que sejam retiradas, essas partes acrescidas devem ser averbadas na matrícula do imóvel, no livro 2 do RGI competente. Cada imóvel pertencente a um proprietário privado possui uma matrícula com a sua descrição e características, seguidas pelas transferências, acessões ou ônus que venham a aparecer com o passar do tempo.

A maior desvantagem é a preferência que sofre para credores trabalhistas e fiscais, que têm direito de receber antes dos credores hipotecários. Outra desvantagem é a precária situação dos registros fundiários em nosso país, o que onera e às vezes inviabiliza a hipoteca. Um acompanhamento deficiente também pode ter um efeito terrível para a recuperação de crédito em caso de execução, quer pela substituição dos bens móveis de maior valor, quer pela regularidade dos seguros, a qual é a garantia de que, em caso de sinistro e desde que o credor seja o beneficiário, a dívida será quitada pela seguradora (especialmente se houver perda total dos bens dados em garantia).

2.2.2. PENHOR

O penhor é também, basicamente, um direito de privilégio na execução de um bem móvel. Tal como no caso da hipoteca, o bem deve ser descrito através de contrato formalizado por instrumento escrito, embora não exija a forma pública. Exige-se também o registro do contrato em cartório de Títulos e Documentos para cautela contra direitos de terceiros.

O penhor pode seguir diferentes normas jurídicas: civil, mercantil, cedular etc. Entretanto, todas as modalidades usadas em operações bancárias dispensam a exigência da entrega do bem para sua constituição, podendo ser constituído um fiel depositário para se responsabilizar pelo bem, em caso de necessidade. O penhor de direitos, dinheiro ou títulos de crédito também pode ser chamado de caução.

Sua vantagem é a possibilidade de uso em operações em que outras garantias não possam ser utilizadas (como no caso do crédito rural).

Sua principal desvantagem está ligada à natureza ou ao valor dos bens que são objeto de penhor: depreciação, remoção, transporte, obsolescência, dificuldades de encontrar comprador etc. O mais importante, entretanto, é que essa garantia não é utilizada sempre que for possível constituir alienação fiduciária em garantia, uma vez que o penhor deve respeitar a preferência dos créditos privilegiados (trabalhistas e fiscais) e a outra não.

2.2.3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A alienação fiduciária em garantia incide sobre bens móveis e, mais recentemente, imóveis (embora nesse último caso as dúvidas quanto à sua aplicabilidade estejam retardando a sua difusão) e consiste na transferência da propriedade do bem para o credor enquanto durar a obrigação garantida. Essa característica permite que se afaste o direito dos credores privilegiados, uma vez que se tratam de bens de terceiros, estranhos ao patrimônio do devedor até a quitação da dívida.

2.3. Ritos Processuais para a Execução de Garantias Reais

Outra diferença importante, favorável à alienação fiduciária, é o rito processual da execução. No caso da hipoteca ou do penhor, o credor (em geral) deve executar o contrato através de ação ordinária, que pode levar de dois a cinco anos até que se tenha uma sentença transitada em julgado, ou seja, sobre a qual não caiba mais recurso. Isso se deve ao princípio de que, nessa fase, o juiz (o Estado) deve ser imparcial, ouvindo as razões das partes, realizando perícias e dando todas as oportunidades de defesa e recurso.

Obtida essa sentença, o credor provavelmente deverá entrar com novo processo judicial para obter seu direito, agora reconhecido pelo Estado. A ação de execução inicia com a notificação do devedor para pagar ou oferecer bens à penhora (não confundir penhor – garantia – com penhora – medida de execução judicial). Caso haja hipoteca ou penhor, os bens objeto dessa garantia serão penhorados (não confundir com empenhados), dispensando uma busca, às vezes difícil, de um bem disponível.

Segue-se a avaliação judicial desses bens penhorados, que a essa altura provavelmente já estarão depreciados ou desvalorizados por abandono, furto ou simplesmente pela paralisação das operações. Finalmente, haverá a praça ou hasta pública (leilão) dos bens, quando será obtido o valor que deverá ser usado para pagar o executante. Entretanto, se houver solicitação da Justiça do Trabalho, das Varas Federais ou Varas de Fazenda Pública, desse valor deverá ser deduzido o montante necessário para pagar execuções trabalhistas ou fiscais. Se sobrar, o pagamento deverá observar ainda a ordem de prioridades entre os credores hipotecários ou os direitos decorrentes de extensões em garantia pignoratícia (decorrente de penhor).

A isso contrapõe-se a execução da alienação fiduciária, que se faz através de simples busca e apreensão, como se faria sobre um bem próprio que estivesse com um terceiro. Conclui-se que, como o penhor e a hipoteca são prioridades na execução, qualquer direito trabalhista ou fiscal prefere aos direitos do credor, enquanto que, no caso da alienação fiduciária, há a elisão das preferências, em virtude da transferência de propriedade ao credor.

A garantia através de alienação fiduciária pode também ser efetiva através da execução do contrato ou da ação de responsabilização do fiel depositário, dependendo das circunstâncias.

Também é importante lembrar que, em virtude de serem ritos diferentes, deve-se estipular a parcela do crédito garantido pela hipoteca, pelo penhor ou pela alienação fiduciária, caso essas garantias coexistam em um mesmo instrumento contratual.

Em caso de falência, as chances de recuperação de crédito com garantia hipotecária ou pignoratícia são ainda mais remotas, uma vez que o quadro de classificação dos créditos a serem pagos, depois de todo o longo processo de sindicância, exige antes o pagamento de créditos trabalhistas e fiscais, despesas feitas por terceiros para conservação dos bens e encargos da massa. A alienação fiduciária, em princípio, não será atingida pela falência ou concordata, por ser um bem estranho à massa falida. De forma semelhante, na concordata os créditos com garantia hipotecária ou pignoratícia deverão ser excluídos desse processo de cobrança, que só atingirá os credores quirografários (sem privilégio ou garantia).

2.4. GARANTIAS PESSOAIS

As garantias pessoais utilizadas são a fiança e o aval. É muito comum as pessoas, mesmo as que trabalham há muito tempo com operações de crédito, confundirem as duas.

A fiança é um contrato autônomo e acessório de garantia, através do qual o fiador compromete-se a cumprir com as obrigações do afiançado perante o credor, e exige a qualificação das partes, só podendo ser formalizada, expressamente, por instrumento escrito – público ou particular. Ela pode ser civil ou mercantil, dependendo da natureza das obrigações garantidas, e exige a outorga do cônjuge, ou seja, marido e mulher devem assinar para que possa atingir todos os seus efeitos. A fiança é um contrato que garante contratos (mútuo, abertura de crédito, locação etc.). O fiador responde com todo o seu patrimônio e tem o direito, se dele não abrir mão, ao benefício de ordem, ou seja, só poderá ter seus bens executados depois de executados os bens do afiançado; se houver vários fiadores, eles só poderão ser chamados depois de executado o fiador citado anteriormente, na ordem em que aparecerem no contrato. Naturalmente, a praxe é de os credores só aceitarem fiadores que abram mão desse benefício de ordem.

O aval [artigo 897 do Código Civil Brasileiro] é uma característica de um título de crédito, que permite a um terceiro, pela mera aposição de sua assinatura, aceitar ser coobrigado em relação às obrigações do avalizado. Se o aval não identificar o avalizado, o avalista estará garantindo o último devedor do título. O aval não exige a outorga do cônjuge ou a qualificação do avalista e não tem benefício de ordem, ficando o avalista coobrigado pelo pagamento total do título.

Somente existe aval como garantia em títulos de crédito (letras de câmbio, notas promissórias, cheques, cédulas de crédito etc.).

A desvantagem para essas garantias nas operações de financiamento de longo prazo é que elas são caras para os afiançados ou avalizados, e o garantidor deverá pedir contragarantias, o que duplica a análise em todos os seus inconvenientes. Como a execução incidirá sobre o patrimônio dos fiadores ou avalistas, valem aqui as observações retromencionadas sobre os ritos processuais.

3. Renegociação e Recuperação de Crédito

A experiência internacional tem mostrado que o trabalho de recuperação de créditos deve trabalhar com três premissas básicas:

  1. negociação como alternativa à execução das garantias,
  2. identificação do ambiente de onde provém o risco e
  3. ênfase na geração de resultados operacionais.

É interessante notar que a experiência ensina que a melhor garantia é o sucesso da operação apoiada e sua geração de receitas originalmente prevista.

A análise de projetos lidou, muitas vezes, com um ambiente ideal. A empresa apoiada, entretanto, tem que lidar com fatores externos de risco no ambiente competitivo em que está sendo desenvolvido o projeto apoiado. Fornecedores, compradores, concorrentes (novos ou já existentes) e novos agentes que possam vir a substituí-la (como no caso de uma inovação tecnológica) são os participantes desse meio ambiente e podem vir a ser ameaças ou soluções para os problemas de recuperação de crédito. A identificação prévia desses riscos é uma das características do project finance, e a definição dos covenants a principal ação mitigadora desses riscos.

Às vezes, os problemas de pagamento podem ser resolvidos por ações internas ou externas e que promovam ajustes na estrutura da empresa, sua reestruturação ou mesmo liquidação de ativos, obtidas por meio de processo de negociação. Esta deve ser entendida como a obtenção de um acordo em que a apropriação dos resultados é aceita por todos os envolvidos. Aqui a existência de garantias reais é fundamental no sentido de reforçar o poder de negociação do credor para exigir o cumprimento dos covenants.

No caso do Banco Mundial, por exemplo, se houver necessidade, há instrumentos de negociação que podem envolver a execução de cláusulas contratuais que permitam a "contaminação" de todo o grupo a que pertence a beneficiária da colaboração financeira. Nesse aspecto, é interessante lembrar que a sistemática de avaliação de risco utilizada interna e externamente já significa uma redução do rating dos interessados e, no mínimo, um incremento nos encargos a serem cobrados em operações futuras.

Como o objetivo é a geração positiva de receitas que permita o prosseguimento da operação, as soluções usualmente adotadas envolvem reescalonamento condicionado (com compensações para o credor), desimobilização, assunção de dívidas por um terceiro, cessão ("venda") de créditos, utilização de recebíveis, uso de debêntures, leasing [Arrendamento Mercantil] e acesso a instrumentos de controle interno (utilizando eventualmente princípios de governança corporativa).

Debêntures são valores mobiliários emitidos por sociedades por ações, representativos de um empréstimo por elas contraído. Cada título dá aos portadores da mesma série idênticos direitos contra a sociedade, cada uma representando uma fração do mútuo.

Leasing [Arrendamento Mercantil] é o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.

 Governança corporativa trata do conjunto de regras, princípios, valores, hábitos e procedimentos que regem os sistemas de poder, de interesses, de administração, de controle e de supervisão da sociedade anônima, em especial a de capital aberto.

Muito embora a via negocial tenha se provado eficiente na recuperação de créditos, não são poucos os constrangimentos legais que devem ser superados no Brasil. Somente a título de exemplo, lembramos a necessidade da Certidão Negativa de Débitos (CND) do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) para a negociação com imóveis, bem  como o Certificado de Regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), expedido pela Caixa Econômica Federal.

Como os inadimplentes normalmente deixaram de pagar esses encargos, a impossibilidade de sua expedição inviabiliza muitos acordos. Devem também ser seguidas as resoluções do Banco Central do Brasil para a venda de créditos e observadas as normas do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).

4. Utilização do Project Finance

Essas dificuldades para a recuperação de crédito em financiamento direcionado à empresa e ao seu balanço são agravadas no caso dos projetos de infraestrutura por suas características especiais. A demanda por empréstimos a setores privatizados de serviços públicos através de concessões representa uma necessidade para que o país prossiga com a maior parte dos novos investimentos, mas ao mesmo tempo torna-se um desafio pela absoluta impossibilidade, na prática, de receber em garantia bens vinculados ao serviço público ou reversíveis ao poder público. A título de exemplo, não é possível receber estradas, ferrovias ou barragens como garantias.

O bem que dá consistência ao projeto e que tem valor é a concessão e os direitos dela decorrentes. A operação muitas vezes é outorgada a uma sociedade de propósito específico (SPE), que representa uma composição entre diversos grupos interessados no projeto, sem que haja a identificação de um "dono" isolado. Além disso, a utilização dos bens móveis e imóveis é limitada e não tem valor de mercado.

A SPE é criada com o único objetivo de servir como instrumento de fluxo de caixa de um projeto de investimento ou de captação, securitizando seus recebíveis e segregando o risco da(s) sociedade(s) originadora(s).

Nesse cenário, a análise centrada no projeto e na minimização dos riscos à sua conclusão ou operação tem sido a saída mundialmente encontrada para prover as fontes necessárias. A garantia nesses casos fica direcionada aos recebíveis do projeto, através da securitização ou não desses créditos.

Securitização [de Créditos] é a operação em que o valor mobiliário emitido, de alguma forma, está lastreado ou vinculado a um direito de crédito, também denominado direito creditório ou simplesmente recebível.

A boa prática do Direito das Obrigações já recomenda a utilização de obrigações-padrão aplicáveis aos contratos para garantir os direitos dos credores em contratos de operações tradicionais (corporate finance). Quando a análise passa a ser centrada no fluxo de caixa e sem garantias reais (ou quase), com muito mais razão deve-se utilizar o sistema de determinação ou limitação da variação desse fluxo de caixa, estipulando-se práticas minimizadoras de risco em função de sua evolução. Esse sistema é conhecido no direito anglo-saxão como covenants.

A título de exemplo, apresentamos alguns covenants utilizados em operações de financiamento de longo prazo no Brasil, destacando que aqui o enfoque principal é o de garantir a conclusão do projeto:

1. Manter durante a vigência do contrato, e até o seu vencimento final, os seguintes índices mínimos de capitalização, liquidez corrente e cobertura da dívida, apurados em balanço ou balancete semestral auditado:

  1. índice de capitalização: patrimônio líquido dividido pelo passivo total, igual ou superior a 0,X (xis décimos);
  2. índice de liquidez corrente: ativo circulante dividido pelo passivo circulante, igual ou superior a 0,X (xis décimos); e
  3. índice de cobertura da dívida: resultado operacional antes de despesas financeiras mais depreciação menos variação da necessidade de capital de giro, dividido pelo endividamento oneroso de curto prazo, igual ou superior a X,0 (xis inteiros).

2. Apresentar semestralmente, ao credor, balancete ou balanço auditado por empresa cadastrada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

3. Na hipótese de não serem atingidos os índices estabelecidos, constituir, no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data da comunicação, por escrito, do credor, garantias reais, em favor e a seu critério, e seguindo as normas deste para a aceitação dessas garantias, em valor correspondente a, no mínimo, XXX% (XXX por cento) do valor total da dívida e/ou da emissão de debêntures dela decorrente, salvo se naquele prazo estiverem restabelecidos os índices acima referidos.

4. Não constituir, salvo autorização prévia e expressa do credor, garantias junto a outros credores de longo prazo, sem que seja prestada a mesma garantia ao credor.

5. Não efetuar pagamento de dividendos que possa vir a limitar a capacidade de investimento no projeto financiado.

6. Aceitar uma elevação adicional da taxa de juros de 0,X% (xis por cento) ao ano, caso a receita bruta realizada apurada seja maior ou igual a cento e dez por cento daquela prevista no fluxo de caixa anexo.

7. Encaminhar correspondência ao poder concedente, anexando cópia do contrato, solicitando incluir nos processos relativos a eventuais cálculos de indenização o montante da dívida decorrente da operação, bem como ser o credor informado sobre qualquer fato que possa prejudicar a finalidade desta operação.

8. Não ceder nem vincular em favor de qualquer outro credor a receita cedida no contrato.

5. COVENANTS

  1. Definição de Covenants
  2. Limitação ao Endividamento
  3. Limitação ou Impedimento para Contrair Novas Obrigações
  4. Manutenção de Capital de Giro Mínimo
  5. Obrigações Adicionais

Para analisarmos com mais detalhes a matéria, utilizamos, entre outros, um estudo da advogada Carmen Sylvia Motta Parkinson, da Gerência de Legislação e Pesquisa da Superintendência Jurídica da Comissão de Valores Mobiliários, direcionado à garantia de debêntures [ver Parkinson (1980)].

5.1. Definição de Covenants

O instituto do covenant constitui, no direito anglo-saxão, um compromisso ou promessa em qualquer contrato formal de dívida, reconhecido em lei, protegendo os interesses do credor e estabelecendo que determinados atos não devem ou devem cumprir-se, podendo ser traduzido como compromissos restritivos (restrictive covenants) ou obrigações de proteção (protective covenants).

Constitui, portanto, um sistema de garantia indireta, próprio de financiamentos, representado por um conjunto de obrigações contratuais acessórias, positivas ou negativas, objetivando o pagamento da dívida. As obrigações positivas (positive covenants) são exigências relativas à observância de certas práticas de gestão, consideradas indispensáveis à eficiente administração da empresa. As obrigações negativas (negative covenants) são limitações à liberdade de gestão dos administradores da devedora, obrigando-os a não praticar certos atos.

Ao contrário de outros institutos anglo-saxões de Direito Civil ou Comercial, os covenants são perfeitamente compatíveis com o nosso Direito Romano-Germânico e podem conviver perfeitamente com as garantias tradicionais normalmente utilizadas no Brasil.

Há, entretanto, uma diferença fundamental, pois se trata de uma garantia que tem o foco na boa administração e na integridade do patrimônio, muito mais baseada na credibilidade do devedor que em qualquer conforto que uma garantia real ou pessoal possa trazer. Há todo um compromisso com o dinamismo necessário para o setor financeiro, livrando-o das amarras de limites de operação vinculadas somente a garantias hipotecárias, pignoratícias ou fidejussórias.

Esse conceito também se casa perfeitamente com a prática de constituir obrigações a serem cumpridas pelos intervenientes, de modo a dar maior segurança à operação. A diferença está no foco sobre as ações mitigadoras de risco para a performance do fluxo de caixa, analisadas em artigo anterior do mesmo autor deste texto [ver Borges (1998)].

O uso dos covenants também pode atender aos cuidados com a defesa do direito do consumidor e o meio ambiente, evitando o risco de passivos futuros e gerando efeitos positivos para o mercado como um todo.

Eles consistem em obrigações civis ou comerciais acessórias, equiparando-se às obrigações de fazer e de não fazer, disciplinadas pelo Código Civil, as quais se prendem, basicamente, a três modalidades mais comuns de preocupações:

  1. limitação do grau de endividamento da empresa;
  2. limitação ou impedimento para contrair novas obrigações; e
  3. manutenção de capital de giro mínimo.

Entretanto, tais obrigações vêm sempre acompanhadas de obrigações adicionais que objetivam reforçar essas três e que, de algum modo, refletem o programa econômico-financeiro da devedora. De modo a detalharmos este conceito, estudaremos separadamente cada uma dessas modalidades.

5.2. Limitação ao Endividamento

Os covenants que tratam de limitações ao grau de endividamento da devedora são sempre impedimentos ou restrições negociais, acrescidos de um índice de endividamento previamente estabelecido. Para isso é absolutamente necessário que o contrato contenha uma clara definição do que é considerado endividamento, sem o que a cláusula tornar-se-á inócua por não ter como ser exigida.

O fato de ter que ser expressa não significa que não possa ser genérica, desde que os termos tenham definição legal ou contábil reconhecida em nosso direito. Um erro muito comum em contratos brasileiros é o uso de conceitos contábeis norte-americanos ou europeus, como, por exemplo, o earnings before interests, taxes, depreciation and amortization (Ebitda). Como se trata de expressão comum no meio financeiro, os credores esquecem-se de que nossos juízes do cível não a conhecem e, por não conhecê-la, não reconhecem a obrigação, exigindo dos advogados exercícios de interpretação que não seriam necessários pela simples tradução em português, seguindo as normas de contabilidade normalmente aceitas.

Pela mesma razão jurídica, é inconcebível que essas limitações cerceiem as obrigações preexistentes e as necessárias à gestão ordinária da devedora, o que poria em risco o funcionamento regular da empresa. Em caso de dúvidas é conveniente listá-las no corpo do contrato.

Embora previstas de forma genérica nos padrões dos contratos de instituições financeiras nacionais, essas obrigações ganham sofisticação e detalhamento nas operações internacionais. Nem sempre as condições especiais aprovadas pelas administrações para operações domésticas atingem esse nível de especificidade.

5.3. Limitação ou Impedimento para Contrair Novas Obrigações

O objetivo dos covenants, relativos a limitações ou impedimentos de contratação de novas obrigações, é impedir a subordinação futura do direito do credor contratante. O impedimento refere-se a créditos com garantia real ou privilégios, excetuando-se obrigações inerentes ao financiamento regular da empresa. Essas obrigações já são normalmente previstas nos padrões contratuais das instituições financeiras.

5.4. Manutenção de Capital de Giro Mínimo

A exigência da manutenção de um nível mínimo determinado de capital de giro deve ser acompanhada de um índice de liquidez corrente que deve ser mantido para proteger o credor contra uma significativa expansão de responsabilidades a curto prazo ou contra uma possível diminuição do nível de atividade negocial da empresa.

Como essas são as cláusulas mais usualmente desrespeitadas por devedores em dificuldades, sua definição no corpo do contrato deve ser a mais detalhada possível, exigindo, às vezes, acompanhamento por auditores independentes. É mais um caso em que o mercado tem trabalhado com um detalhamento maior que o utilizado para as outras obrigações.

5.5. Obrigações Adicionais

Devem ser previstos no contrato covenants que representem um reforço às obrigações básicas e que reflitam o programa econômico-financeiro da empresa, tal como a prestação regular de informações que permitam o seu acompanhamento pelo credor.

São exemplos de obrigações adicionais positivas: manter escrituração adequada, ceder cópias das demonstrações financeiras auditadas, informar fatos relevantes e suas prevenções, dar livre acesso à empresa, efetuar pagamento tempestivo geral, manter seguros adequados e respeitar a legislação sobre a livre concorrência.

São exemplos de obrigações adicionais restritivas ou negativas: não assumir ou garantir obrigações de terceiros, exceto as ordinárias, não permitir privilégios e prioridades, bem como garantias reais ou pessoais que onerem seu ativo, exceto:

  1. os já existentes;
  2. os destinados a negócios ordinários; e
  3. os decorrentes de lei.

Outros exemplos de obrigações adicionais negativas são: não vender, descontar ou dispor de títulos de crédito, exceto nas operações ordinárias, não mudar a natureza de seu negócio ou objeto, não efetuar incorporação, fusão ou cisão, não antecipar pagamentos e limitar empréstimos, investimentos, dividendos, resgate e remuneração de sócios e administradores.

Constituem obrigações adicionais negativas a serem assumidas por terceiros, por exemplo, limitar o voto dos controladores quanto a:

  1. alienação direta ou indireta do controle;
  2. distribuição de dividendos;
  3. endividamento;
  4. tecnologia; e
  5. distribuição.

Muitas dessas obrigações já vêm sendo incluídas nos padrões contratuais das instituições financeiras brasileiras ou são propostas para operações específicas. Aqui também é só o caso de sofisticar o instrumento.

6. AGENTE FIDUCIÁRIO

  1. DEFINIÇÕES BÁSICAS E ESCLARECIMENTOS
  2. LEGISLAÇÃO E NORMAS REGULAMENTARES

6.1. DEFINIÇÕES BÁSICAS E ESCLARECIMENTOS

No exterior, é comum a constituição de um trustee para administrar recursos de terceiros e também o cumprimento dos covenants.

No Brasil, essa figura, cuja semelhança maior é com o agente fiduciário, só é comum no caso de garantia de recebíveis através de uma conta corrente (normalmente bancária), que deverá recolher os créditos do devedor e efetuar o pagamento (collection e escrow account).

Em operações de project finance, o agente fiduciário pode aparecer tanto na captação quanto na garantia de recebíveis como:

  1. entidade (geralmente instituição financeira) que deverá receber os recursos captados pela securitização e os libera de acordo com as regras previstas no documento da oferta (pública ou privada) dos títulos. e
  2. entidade (geralmente instituição financeira) que deverá receber o fluxo de caixa gerado pelo empreendimento e aplicá-lo de acordo com as instruções previamente recebidas (por exemplo, ordem de preferências dos pagamentos).

A figura do agente fiduciário, nesse contexto, é uma adaptação do trustee do direito anglo-saxão, embora com uma visão mais limitada e sem as acessões que esse instituto já possui na prática naquele direito. Entretanto, nada impede que, dentro da liberdade contratual, as partes criem obrigações que reproduzam as práticas internacionais consagradas para o trust.

Trust, no direito anglo-saxão, é um contrato financeiro em que alguém, um grupo de pessoas ou uma organização guarda ou investe dinheiro alheio.

A figura também não é estranha em nosso direito, já tendo sido prevista na Lei de Sociedades por Ações, no Sistema Financeiro Imobiliário, no projeto de lei que trata do Título de Participação em Receita de Serviços Públicos Concedidos (TPR) e em casos de securitização já utilizadas no mercado financeiro.

Deve-se ainda observar que a figura do agente fiduciário envolve risco e responsabilidade pessoal para esse agente, sugerindo-se a necessidade de seguro para o exercício dessas funções.

Outro alerta é quanto à tributação que pode incidir nessas operações, especialmente aquela incidente sobre movimentação financeira (CPMF). Caso não seja corretamente estruturada, a Receita Federal também pode interpretar como mútuo e tributar como operação financeira.

6.2. LEGISLAÇÃO E NORMAS REGULAMENTARES - NOTA DO COSIFE:

  1. CVM REGULAMENTANDO A FUNÇÃO DO AGENTE FIDUCIÁRIO
  2. ESTADOS E MUNICÍPIOS CRIANDO COMPANHIAS DE SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS

6.2.1. CVM REGULAMENTANDO A FUNÇÃO DO AGENTE FIDUCIÁRIO

No que concerne ao Agente fiduciário, foi expedida a Instrução CVM 583/2016 que dispõe sobre o exercício dessa função.

O conteúdo da referida Instrução da Comissão de Valores Mobiliários teve como fundamentação os inciso I do artigo 8º e o inciso I do parágrafo 1º do artigo 15 da Lei 6.385/1976, tendo em vista o disposto na Lei 6.404/1976 (Capítulo V - Debêntures), na Lei 9.514/1997 (Capítulo I - Seção VI - Regime Fiduciário) e no art. 39 da Lei 11.076/2004.

No citado artigo 39 da Lei 11.076/2004 lê-se que as companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio podem instituir regime fiduciário sobre direitos creditórios oriundos do agronegócio, o qual será regido, no que couber, pelas disposições expressas nos artigos 9º a 16 da Lei 9.514/1997.

6.2.1. ESTADOS E MUNICÍPIOS CRIANDO COMPANHIAS DE SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS

Por sua vez, existe um Projeto de Lei Complementar (PLP) 459/2017 que foi apresentado pelo Senador José Serra, o qual está sendo bastante criticado porque indiretamente privatiza a cobrança de tributos.

Em síntese, os Estados da Federação e os Municípios vendem Derivativos de Crédito lastreados nas suas respectivas Dívidas Ativas (valores a receber de contribuintes inadimplentes, que não são títulos de crédito). Mas, esses derivativos são a uma  Sociedade de Economia Mista que tem 50% de seu capital da chamada de iniciativa privadas (que sempre coloca dinheiro obtido por empréstimo em fundos de pensão e em bancos estatais) e os outros 50% são do próprio governo estadual ou municipal. Assim sendo, o PRIVATA nem precisa de capital; apenas vai administrar a empresa e ficar com 50% de seus lucros.

Considerando-se a obrigatoriedade da manutenção do SIGILO FISCAL pelos entes governamentais, obviamente o contribuinte poderia poderia reclamar que seu dados fiscais estão sendo fornecidos a terceiros porque a empresa que está manipulando seus dados fiscais é em parte pertencente a pessoas não admitidas na qualidade de servidor público.

Sobre a impossibilidade da manipulação de dados sigilosos, veja o texto que versa sobre a Privatização ou Terceirização da Fiscalização.

7. Vencimento Antecipado

A lógica do uso de covenants completa-se com a estipulação da pena de vencimento antecipado em caso de inadimplemento de obrigações principais e acessórias, depois de um prazo determinado no contrato em que o devedor poderá regularizar a situação das obrigações assumidas. É importante estipular que esse prazo para sanar o vício começará a contar a partir de interpelação judicial ou extrajudicial feita pelo credor.

Outro problema importante a ser analisado é a dificuldade que existe em nosso sistema judiciário para a execução específica. Anular assembleias ou contratos exige cuidados processuais que só podem ser atendidos por um competente departamento de contencioso.

No caso de operações bancárias nacionais e internacionais existe ainda a possibilidade de ser previsto o vencimento cruzado de todos os contratos do devedor.

8. Vantagens e Desvantagens

O sistema dos covenants apresenta evidentes vantagens, conforme vem sendo demonstrado através de anos de uso, como obrigações gerais e especiais em contratos. Ele pode conviver com as garantias tradicionais por toda a vida do contrato ou por prazo determinado.

Entretanto, o credor deve utilizá-lo, cada vez mais, como um instrumento que tenha o foco mais na boa administração que na integridade do patrimônio, gerando credibilidade para o cliente e uma sinalização clara para o mercado de que o empreendimento é confiável.

A experiência obtida até aqui nas operações de infraestrutura tem demonstrado que a utilização desse sistema de garantia indireta proporciona enorme dinamismo ao sistema financeiro, facilitando a atuação através de consórcios de bancos, por exemplo.

9. Previsão Legal

Os covenants equiparam-se em nosso direito às obrigações de fazer e de não fazer [Código Civil de 2002], previstas nos artigos do Código Civil como obrigações acessórias. Há previsões bem definidas na Lei das S.A. (Lei 6.404/1976) e exemplos frequentes em caso de emissão de debêntures. Há também previsões em legislação esparsa, especialmente naquela referente ao mercado financeiro.

O Código de Processo Civil de 2015 fornece os instrumentos processuais para a execução específica no sistema legal brasileiro. Para ser efetiva e coercitiva, a execução específica deve constar como previsão contratual expressa. Em caso de dificuldade de satisfação, a obrigação poderá resolver-se em perdas e danos, ou seja, o credor terá direito a uma compensação financeira se não for feito o que foi pactuado. Se o que tiver sido pactuado puder ser substituído por outro bem, ação ou serviço da mesma espécie ou natureza (hipótese de fungibilidade da obrigação), será possível a sua execução por terceiros, contra a vontade do devedor, mas à sua custa.

Entretanto, devemos reconhecer que a maioria das obrigações que interessam ao credor de investimentos é infungível e dificultada por um princípio de ordem jurídica em que "ninguém pode ser coagido a fazer ou a não fazer".

Essas obrigações tanto podem constar de título judicial, através de sentença obtida ao fim de ação ordinária, como extrajudicial, através de instrumento contratual ou título de crédito. Infelizmente, não podemos deixar de salientar a questão dos prazos em juízo, uma vez que um procedimento, mesmo que pouco demorado, pode frustrar toda a estrutura em que se baseou o projeto.

Essa questão fundamental leva à discussão da implementação do instituto do juízo arbitral, recentemente objeto de lei nacional, como cláusula contratual que pode vir a permitir dirimir disputas de forma rápida e sem atravancar o aparelho judiciário.

Mesmo não previsto no contrato, é sempre possível um pedido de excepcionalidade ao credor, que, sem novar a obrigação, permitirá uma adequação às condições concretas do projeto, cuja implementação é o objetivo final de todas as partes envolvidas.

Esse processo de aditamento formal ou informal do contrato deve ser objeto de alguma atenção, com a identificação de quem são os interlocutores, onde podem ser encontrados e qual o prazo para resposta a uma demanda. Devem também ser previstas penalidades mais leves para inadimplências menores, lembrando-se que o uso do vencimento antecipado é uma pena demasiadamente dura, que só deve ser aplicada como recurso definitivo.

Uma vez que a lei não proíbe essa prática, a pactuação do vencimento antecipado por inadimplemento de covenants transforma-os em condições resolutivas expressas, independentemente de interpelação judicial. A dívida pode ser imediatamente cobrada por meio de execução judicial. Nunca é demais lembrar que esses covenants devem representar obrigações lícitas e possíveis, sob pena de serem inválidas. Sua invalidade, entretanto, por ser obrigação acessória, não atinge a obrigação principal.

10. CONCLUSÕES

A sistemática de garantias tradicionais nem sempre vem atendendo plenamente à função de recuperação de crédito nas operações de colaboração financeira, embora sejam de fundamental importância na negociação extrajudicial. As garantias hipotecárias, pignoratícias ou representadas por alienação fiduciária não vêm atendendo a projetos como os de infraestrutura, em que são impossíveis ou ineficazes. A execução de bens do ativo do devedor não protege contra créditos privilegiados (trabalhistas, fiscais e outros), quer na execução singular, quer na falência.

A adoção do project finance, puro ou combinado com sistemáticas mais tradicionais, é recomendada para estimular o setor de infraestrutura e quebra a inércia que durante anos dificultou o apoio de instituições financeiras públicas ou privadas. Junto com ele, podemos introduzir ou aprimorar o instituto do covenant, obrigações de fazer ou de não fazer que tenham por objeto monitorar o fluxo de caixa do projeto ou empresa apoiados, com ênfase nos sistemas de boa administração que geram credibilidade para o devedor. É um instituto calcado na credibilidade do devedor.

Essa adoção também facilita a securitização da dívida, permitindo a sua reciclagem no mercado financeiro (por exemplo, pelo uso de debêntures). Os covenants também representam uma segurança para a utilização de recebíveis como garantia, através do uso de um agente fiduciário para recolher os créditos do devedor contra seus clientes e usá-los para pagamento dos credores da colaboração financeira.

A utilização de sociedades de propósito específico, cada vez mais frequente entre nós, com o objetivo de segregar riscos, também indica que devemos aceitar garantias indiretas na estruturação de nossas operações de empréstimo. Isso nos permite apoiar bons riscos que são representados por empresas com poucos ativos mas com gestão confiável e boas perspectivas econômico-financeiras.

Como independem de expressa autorização legal, os covenants sempre existiram e podem ser usados isolada ou cumulativamente com garantias reais ou fidejussórias.

11. Referências Bibliográficas - Utilizadas pelo autor do texto original

  1. BERGAMINI JR., Sebastião. Classificação de risco: o modelo em uso no BNDES. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8 , p. 71-100, dez. 1997.
  2. BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Project finance e infraestrutura: descrição e críticas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 5, n. 9, p. 105-122, jun. 1998.
  3. CAVALCANTI, José Roberto. Project finance – questões chaves. Rio de Janeiro: Escritório Villemor Amaral Advogados, s/data.
  4. LEGAL and Finance Aspects of Project Finance in Brazil. Seminário promovido por Allen & Overy e por Vieira, Resende, Barbosa e Porto Advogados. Rio de Janeiro, 26.01.99.
  5. PARKINSON, Carmen Sylvia Motta. Covenants – um novo instrumento a garantir debêntures. Legisbancos, Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários/Superintendência Jurídica, 1980, Parte 4.
  6. PROJECT Finance for Oil & Gas and Electric Power Projects. Seminário promovido por Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton para a Petrobrás e o BNDES. Rio de Janeiro, 08 e 09.12.98.


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