CONTABILIDADE DAS ENTIDADES DESPORTIVAS PROFISSIONAIS
HISTÓRICO DO VALOR CONTÁBIL DO JOGADOR DE FUTEBOL COMO ATIVO INTANGÍVEL
São Paulo, 24/03/2021 (Revisada em 10/07/2024)
Referências: Clubes de Futebol Profissional, Contabilização de Direitos de Imagem e do Passe Pago na Contratação de Jogador.
A partir de 2005 as Entidades Desportivas passam a seguir exclusivamente os Princípios de Contabilidade, bem como as Normas Brasileiras de Contabilidade, suas Interpretações Técnicas e Comunicados Técnicos, editados pelo Conselho Federal de Contabilidade.
Outras publicações da autora sobre Clubes de Futebol:
Veja também outros textos sobre o tema:
O VALOR CONTÁBIL DO ATIVO JOGADOR DE FUTEBOL
1. INTRODUÇÃO
Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenado do COSIFE
Esse artigo foi originalmente publicado pela Revista do CRC-SP em 2003. Foi reencontrado somente em 24/03/2021 no site DFS GOL BUSINESS com sua publicação datada de 25/03/2004.
Como o artigo foi publicado antes das alterações efetuadas na Lei das Sociedades por Ações, ocorridas de 2007 a 2009 para adaptá-la às NBC - Normas Brasileiras de Contabilidade convergidas às Normas Internacionais, legalmente ainda não existia, por exemplo, a figura do ATIVO INTANGÍVEL. No lugar deste existia o ATIVO DIFERIDO. Mas, isto não altera significativamente os conceitos apresentados pelo autor do texto original.
Veja a atual disposição dos Grupamentos de Contas nas Demonstrações Contábeis no PADRON - Plano de contas Padronizado, elaborado pelo coordenador deste COSIFE. Esse PADRON está adaptado ao exigido pelo SPED - Sistema Público de Escrituração Digital instituído por Decreto do Presidente da República em 2006.
O PADRON também obedece o que foi legalmente determinado pela Lei 6.404/1976 (com suas alterações), o que não ocorre com os Planos Contábeis expedidos por algumas Agência Nacionais Reguladoras, como, por exemplo, o Banco Central do Brasil, que obriga a utilização de Plano Contábil diferente dos demais, mediante o que determina o (nitidamente inconstitucional) artigo 61 da Lei 11.941/2009.
O texto original a seguir transcrito está em caracteres itálicos. Os subtítulos foram colocados pelo coordenador deste COSIFE em caracteres normais (maiúsculos). Foram também colocadas anotações, comentários e informações complementares.
O artigo a seguir discute o fato de a Lei 9.615/1998 ter revogado alguns dispositivos da Lei 6.354/1976 - Lei do Atleta Profissional - Lei do Passe, que dispunha sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol. E as principais disposições revogadas referem-se à compra e venda de jogadores, cuja operação é chamada de COMPRA E VENDA DO PASSE.
Ou seja, o jogador de futebol era tratado como mercadoria semovente, tal como os escravos eram comprados no passado, antes da Lei Áurea (Lei 3.353/1888), firmada por Rodrigo Augusto da Silva por ordem da Princesa Isabel (Princesa Imperial Regente), que no governo imperial substituía seu Pai (Dom Pedro II) que estava impossibilitado de governar.
Essa Lei 6.354/1976 foi totalmente REVOGADA pela Lei 12.395/2011 que alterou a Lei 9.615/1998 (Lei Pelé) e a Lei 10.891/2004, que institui a Bolsa-Atleta e ainda criou o Programa Atleta Pódio (Bolsa Pódio) e o Programa Cidade Esportiva.
Sobre esse tema, COMPRA E VENDA DO PASSE, veja também os textos:
Pelo Autor do Texto Original (nome não disponível) publicado na Revista do CRCSP em 2003.
Um item para ser classificado como ativo deve abranger três condições: ensejar um potencial de benefícios futuros, representar um direito exclusivo da entidade e, ter ocorrido evento que proporcione o benefício. A entidade que possuir o direito de utilizar ou emprestar um atleta faz deste um ativo, já que atende aos três requisitos.
Os jogadores de futebol proporcionam benefícios econômicos futuros tangíveis para seus clubes, tais como resultados de bilheterias decorrentes de sua atuação nas partidas, a venda de produtos licenciados e, também no momento de sua negociação. Alguns resultados intangíveis, tais como divulgação da marca do clube e o aumento de sua torcida.
O direito exclusivo se materializa quando, ao assinar um contrato com um clube, o jogador é legalmente obrigado a trabalhar para este clube durante o prazo estabelecido. Neste contexto, ao contrário de um empregado de uma outra empresa, ele não pode simplesmente deixar o clube, durante a vigência do contrato, e jogar por outro time sem o devido pagamento ao clube contratante detentor de seus direitos federativos. Logo, este é um empregado com característica diferente dos demais.
A ocorrência de eventos que proporcione os benefícios é caracterizada principalmente pela possibilidade de transações comerciais durante a vigência do contrato do atleta com o clube.
3. NECESSIDADE DE CONTABILIZAÇÃO DO ATIVO INTANGÍVEL
Dessa maneira, verifica-se que o reconhecimento do valor do atleta como ativo atende plenamente aos princípios fundamentais da contabilidade. Logo, possuir um ativo como o jogador de futebol com capacidade de gerar benefício futuro é de grande importância, entretanto, a decisão quanto a atribuir seu real valor é de grande complexidade. Este é sem dúvida, um tema apaixonante no estudo das ciências contábeis desportivas.
NOTA DO COSIFE:
A NBC-TG-04 passou a estabelecer regras para contabilização dos INTANGÍVEIS, que só poder ser contabilizados pelo valor efetivamente pago pela entidade que adquiriu o Direito.
A NBC-ITG-2003, interpretando as demais normas vigentes, passou a discorrer sobre a aplicação das NBC nas Entidades Desportivas.
NBC-OTG-2003 passou a dispor sobre os contratos de cessão onerosa de direitos de transmissão e de exibição de espetáculos desportivos, receita de bilheteria, de cessão definitiva de direitos profissionais e de ativos intangíveis atletas.
Veja também: Normatização Contábil dos Clubes de Futebol
4. MENSURAÇÃO OU AVALIAÇÃO PATRIMONIAL DO ATLETA
Do ponto de vista contábil quanto vale o ativo denominado atleta representado pelos direitos federativos: o custo como base de valor, ou o valor econômico de mercado, ou o valor de transferência travestido de cláusula penal ou ainda quaisquer outros direitos constantes no contrato com o jogador de futebol?
Há parcos estudos desta matéria. Infelizmente não existe qualquer manifestação dos órgãos reguladores da atividade contábil e tributária, sendo possível concluir que seguem valendo os princípios gerais de contabilidade.
NOTA DO COSIFE: Veja a NOTA DO COSIFE imediatamente acima.
5. LEI DO PASSE
A regulamentação sobre a Lei do Passe, até [2003 - quando foi escrito este texto] era [ a norma em vigor sobre um dos principais Ativos] dos clubes de futebol. Ela não cuidou do impacto contábil desta medida nos balanços das entidades esportivas sendo este, relegado a um plano irrelevante.
Diante deste vácuo regulamentador, os profissionais das áreas contábeis dos clubes utilizam de seus conhecimentos gerais para sanar as inovações a que deparam no cotidiano e, conseqüentemente as demonstrações contábeis por não possuírem normatização equânime comprometem a comparabilidade entre os balanço dos clubes.
Como se verifica (apesar da atual legislação exigir a publicação dos balanços devidamente auditados por auditorias independentes) estamos longe de uma situação ideal e só com posições doutrinárias fortes envolvendo os agentes ativos desse processo: o Conselho Federal de Contabilidade, o Ibracon e os Clubes de futebol haverá um melhor entendimento desta questão.
O resultado esperado era o consenso entre os envolvidos na construção de um plano de contas adaptado à Lei das Sociedade por Ações às particularidades da legislação desportiva e às peculiaridades das operações de um clube de futebol dando ênfase a evidenciação de todas as informações que permitam a avaliação da situação patrimonial da entidade de prática desportiva.
NOTA DO COSIFE: A Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) foi alterada pela Lei 10.638/2007 e pela 11.941/2009 para que fosse adaptada às NBC - Normas Brasileiras de Contabilidade, convergidas às normas internacionais.
Antes de o CFC expedir as pertinentes NBC, cada clube contabilizava os jogadores com os quais têm contrato à sua maneira. As alternativas encontradas são o custo do atleta como base de valor, o valor de mercado e o valor da cláusula penal.
6. PROBLEMAS ENFRENTADOS COM OS DIVERSOS TIPOS DE CONTABILIZAÇÃO
Inicialmente, vamos analisar em que cenário a escolha de uma dessas alternativas poderia estar afetando esta decisão contábil.
O valor do passe, que representava a maior conta de ativo da maioria dos clubes, ao ser extinto por exigência legal fora compulsoriamente lançado como perda contra o resultado no balanço.
[Considerando-se que] o resultado do exercício [social ou fiscal] nos clubes de futebol historicamente é deficitário, poderia provocar um fato novo, ou seja, tornar o patrimônio líquido (PL) do clube insuficiente.
Um PL negativo demonstra que a realização dos ativos (bens e direitos) não cobre os passivos (exigibilidades e obrigações) e neste caso, não estaria sendo reconhecido o valor econômico dos direitos federativos dos atletas. É como se estes não possuíssem valor algum.
Publicar um balanço nessas condições poderia comprometer a continuidade do clube de futebol na medida em que se estariam afastando patrocinadores e parceiros em capital lançando o clube à marginalidade e a mercê de uma mídia desportiva despreparada sobre este assunto, explorando a industria do insucesso.
7. UTILIZAÇÃO DA CONTABILIDADE DE CUSTOS
A utilização do custo como base de valor contempla o custo de aquisição ou aqueles custos necessários para colocar o atleta em condições de gerar benefícios para o Clube. Quando da extinção do passe, a maioria dos clubes não dispunha de uma contabilidade de custos
Entretanto, a apuração desses custos de formação é, no mínimo controvertida. Senão vejamos.
Em média passam pelas categorias de base por ano, algo em torno de duzentos jovens das quais somente cinco por cento chegam a fazer o primeiro contrato de profissional. Então, pergunta-se:
Os custos totais de todas as categorias de base utilizados na formação desses atletas devem ser alocados entre os dez atletas profissionalizados ou estes devem ser contabilizados apenas pelo custo individual de cada jogador?
A utilização do valor de mercado, adotada por alguns clubes, corresponde a uma avaliação técnica realizada por especialistas qualificados (agentes FIFA) sobre o valor do atleta.
Este método também é questionável, uma vez que o valor do atleta no mercado apresenta aspectos de volatilidade uma vez que varia em função das condições intrínsecas à sua atividade tais como performance, convocações, contusões, entre outras.
A utilização do valor da cláusula penal também foi uma alternativa utilizada pelos clubes. Entenda-se por cláusula penal o valor devido pelo atleta ao clube, em caso de rompimento por rescisão unilateral do contrato por parte do atleta. O valor da cláusula penal é pactuado pelos contratantes até o limite máximo de cem vezes o montante do salário anual e deverá constar do contrato de trabalho registrado na CBF.
Entretanto, por que um atleta profissional rompe um contrato de trabalho?
[Seria] para se tornar um metalúrgico, profissional liberal, comerciário, entre outras profissões? Com certeza não.
O atleta rompe o contrato para se transferir para outro clube e na prática o valor da cláusula penal é pago pelo novo clube empregador para possuir o direito federativo do jogador. Logo na essência, a cláusula penal representa o valor econômico do direito federativo ou valor da transferência do atleta.
8. A SITUAÇÃO LÍQUIDA PATRIMONIAL E O PRINCÍPIO DA ENTIDADE
A contabilidade possui um grande relacionamento com aspectos jurídicos que cercam o patrimônio, mas, não raro, a forma jurídica pode deixar de retratar a essência econômica. Nessas situações, a contabilidade deve guiar-se pelos seus objetivos de bem informar, seguindo, se for necessário para tanto, a essência ao invés da forma.
Nesta mesma linha de raciocínio, devemos também trazer a discussão a convenção do conservadorismo [Princípio da Prudência], pela qual entre alternativas de avaliação do patrimônio a contabilidade escolherá o que representar o menor valor para o ativo.
Finalmente, a contabilidade, entre a vida e a morte de uma entidade, deve escolher sempre a primeira [vida = continuidade]. Não existe, a priori, nenhum motivo para julgar que um clube de futebol vivo venha a ter morte súbita ou dentro de curto prazo por uma mudança coercitiva na legislação desportiva, principalmente pela extinção do passe.
Como vimos o assunto é polêmico. Esperamos por uma regulamentação sobre o assunto para resgatar a comparabilidade dos balanços, a credibilidade das informações e garantir seu objetivo principal que é o de permitir a avaliação da situação econômica e financeira dos clubes de futebol,em um sentido estático, bem como fazer inferências sobre suas tendências futuras.