Ano XXV - 19 de março de 2024

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O LOBBY CONTRÁRIO À PLENA FISCALIZAÇÃO DO SFN



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 O LOBBY CONTRÁRIO À PLENA FISCALIZAÇÃO DO SFN

OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS DEFENSORES DA LEGALIDADE

São Paulo, 28/01/2013 (Revisado em 18-02-2024)

Sonegação Fiscal, Lavagem de Dinheiro no SFN - Sistema Financeiro Nacional, Evasão de Divisas, Blindagem Fiscal e Patrimonial, Corrupção, Lobistas, Ocultação de Bens Direitos e Valores, Falsificação Material e Ideológica da Escrituração Contábil e de sua Documentação.

ASPECTOS INVESTIGATIVOS DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, DE SONEGAÇÃO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO

  1. INTRODUÇÃO
    1. FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
    2. REGULAMENTAÇÃO DA FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
    3. INVESTIGAÇÃO DIRETA DE CRIMES
    4. INTUITO DO PRESENTE TRABALHO
    5. O GRANDE VOLUME DE CRIMES PRATICADOS NO SISTEMA FINANCEIRO
    6. OS RICOS SÃO EXCLUÍDOS DO CONTROLE PENAL
    7. NOVAMENTE A FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
    8. LEGISLAÇÃO DE COMBATE AOS CRIMES FINANCEIROS
    9. A LAVAGEM DE DINHEIRO PELAS INSTITUIÇÕES FANTASMAS DE PARAÍSOS FISCAIS
    10. A CORRUPÇÃO ALIMENTADA PELO GRANDE CAPITAL É INTERMEDIADA POR LOBISTAS
  2. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE AOS CRIMES PRATICADOS ATRAVÉS DO SISTEMA FINANCEIRO
    1. DAS DIFICULDADES NO PROCESSAMENTO DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, TRIBUTÁRIO E DE LAVAGEM DE DINHEIRO
      1. A TEIMOSIA DE DIRIGENTES PÚBLICOS EM NÃO APONTAR OS CRIMES FINANCEIROS
      2. OS ANTIGOS DIRIGENTES DO BANCO CENTRAL ESTAVAM ACIMA DA LEI
      3. A INÉRCIA DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE DAS ATIVIDADES FINANCEIRAS
      4. PARECERES DOS ADVOGADOS DO BANCO CENTRAL AGRAVARAM O PROBLEMA ENFRENTADO
      5. A INÉRCIA DO COAF ATÉ SETEMBRO DE 2001
      6. OS RELATÓRIOS DOS AUDITORES NÃO ERAM LEVADOS EM CONTA
      7. A IMPUNIDADE DOS SERVIDORES ASSOCIADOS AOS LOBISTAS DO GRANDE CAPITAL
      8. ANISTIA PENAL PARA SONEGADORES DE TRIBUTOS
    2. DO SIGILO BANCÁRIO E DE DADOS
      1. A FORMA DE ATUAÇÃO DOS CRIMINOSOS QUE ATUAM NO SISTEMA FINANCEIRO
      2. A POLÍCIA FEDERAL NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO
      3. A NECESSÁRIA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 38 DA LEI 4.595/1964
      4. LEI DO COLARINHO BRANCO
      5. O SIGILO BANCÁRIO SÓ SERVIA PARA ENCOBRIR OS CRIMINOSOS
      6. OS ETERNOS DEFENSORES DA PRIVACIDADE DOS CRIMINOSOS
      7. O CRIME DE ENCOBRIR OU ACOBERTAR ATOS CRIMINOSOS
      8. O INTERESSE PÚBLICO ESTÁ ACIMA DOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS
      9. A REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
      10. A REVOGAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL QUE PROTEGIA OS CRIMINOSOS EM DETRIMENTO DO CIDADÃO
    3. DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001
      1. A FLEXIBILIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO E OS ETERNOS DEFENSORES DOS CRIMINOSOS
      2. O INTERESSE PÚBLICO ESTÁ ACIMA DOS PRETENSOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS
      3. DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
      4. CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002 - DIREITO DA EMPRESA
      5. A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
      6. SIGILO DE DADOS: O SERVIDOR PÚBLICO É O GUARDIÃO DAS EVENTUAIS PROVAS DE SUA MÁ CONDUTA
      7. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
      8. NOVAMENTE DISCUTE-SE O CRIME DE ACOBERTAMENTO DE CRIMINOSOS
      9. A LEGISLAÇÃO DE COMBATE AO DESVIO DE CONDUTA DO SERVIDOR PÚBLICO
    4. DA LEI COMPLEMENTAR 105 E A COMUNICAÇÃO DE CRIMES
      1. SEMPRE OS MESMOS ÓRGÃOS TENTAM IMPEDIR A PLENA FISCALIZAÇÃO
      2. SEGUNDO OS DIRIGENTES DE ALGUNS ÓRGÃOS PÚBLICOS ALGUMAS LEIS SÃO "LETRAS MORTAS"
      3. OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS INFELIZES INADIMPLENTES
  3. DIFICULDADES OPERACIONAIS NA INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E OUTROS
    1. CADASTRAMENTO NACIONAL DAS CONTAS BANCÁRIAS
    2. A DENÚNCIA DEVE SER FEITA PELA INSTITUIÇÃO QUE NO PASSADO ERA CONVIVENTE COM O CRIME
    3. VOLTANDO AO CADASTRAMENTO NACIONAL DAS CONTAS BANCÁRIAS
    4. O IMPORTANTE LOBBY DOS SONEGADORES DE TRIBUTOS
    5. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICAS
    6. LAVAGEM DE DINHEIRO, EVASÃO DE DIVISAS E SONEGAÇÃO FISCAL
  4. CONCLUSÃO
  5. NOTAS DO COSIFE

Por Raquel Branquinho P. Mamede Nascimento - Procuradora da República no Rio de Janeiro - RJ.

Apresentado no Primeiro Seminário de Direito Penal e Processual Penal promovido pelo Núcleo da Escola Superior do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro no mês de setembro de 2001.

A edição do texto original, os subtítulos, as anotações e os destaques em negrito foram feitos por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE - Especialista na apuração dos crimes mencionados quando auditor do Banco Central do Brasil (de 06/12/1976 a 15/10/1995)

Veja também o texto denominado QUEM ABRIU AS PORTAS À LAVAGEM DE DINHEIRO. Cópia desse texto foi entregue à Procuradora da República Raquel Branquinho.

1. INTRODUÇÃO

  1. FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
  2. REGULAMENTAÇÃO DA FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
  3. INVESTIGAÇÃO DIRETA DE CRIMES
  4. INTUITO DO PRESENTE TRABALHO
  5. O GRANDE VOLUME DE CRIMES PRATICADOS NO SISTEMA FINANCEIRO
  6. OS RICOS SÃO EXCLUÍDOS DO CONTROLE PENAL
  7. NOVAMENTE A FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
  8. LEGISLAÇÃO DE COMBATE AOS CRIMES FINANCEIROS
  9. A LAVAGEM DE DINHEIRO PELAS INSTITUIÇÕES FANTASMAS DE PARAÍSOS FISCAIS
  10. A CORRUPÇÃO ALIMENTADA PELO GRANDE CAPITAL É INTERMEDIADA POR LOBISTAS

A instituição do Ministério Público, nos termos já discutido em inúmeros trabalhos doutrinários, seminários, simpósios, palestras, etc, foi objeto de uma grande remodelagem em seu perfil institucional a partir da Constituição de 1988, sendo-lhe atribuída, pelo Poder Constituinte Originário, a prerrogativa de ser o titular exclusivo da ação penal pública, dentre outras funções próprias para a defesa da sociedade, notadamente no que se refere a direitos de natureza coletiva.

1.1. FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Não possuindo mais a função de defesa do Estado (União), especificamente no caso do Ministério Público Federal, restou definido no texto constitucional que ao Ministério Público compete a exclusiva função de defesa da sociedade, seja na esfera criminal, enquanto dominus litis [titular] da ação penal, seja na esfera cível, como legitimado na propositura de ações civis públicas, ações pela prática de atos de improbidade administrativa e para a própria defesa da minorias e hipossuficientes, como é o caso de crianças e adolescentes, das comunidades indígenas, das pessoas portadoras de deficiência, etc.

1.2. REGULAMENTAÇÃO DA FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Estabelecidos os parâmetros constitucionais de atuação do Ministério Público, foram promulgadas as legislações de regência dessa instituição seja na esfera federal, tratando-se da Lei Complementar 75/1993, ou na esfera estadual, da Lei 8.625/1993. Ambas as normas atribuem ao órgão do parquet [Ministério Público], no desempenho da sua função, a possibilidade de investigação direta de crimes, podendo, para tanto, expedir notificações para colheita de depoimentos ou esclarecimentos (com o auxílio de força policial, se necessário); requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, de entidades privadas, etc.

1.3. INVESTIGAÇÃO DIRETA DE CRIMES

Sobre tal matéria, os Tribunais Superiores já foram instados a se manifestarem em diversas ocasiões, podendo-se considerar que a posição da maioria da jurisprudência pátria é no sentido da possibilidade de investigação direta pelo órgão do parquet [Ministério Público], restando pendente, no entanto, uma melhor definição dessa questão por parte do Supremo Tribunal Federal.

Acerca do entendimento de que a investigação criminal seria atribuição exclusiva da Polícia Federal, é certo que a aplicação de critérios hermenêuticos de interpretação segundo o Princípio da Unidade da Constituição, compatibilizando-se o preceito do artigo 129 e seus incisos com o artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV do Texto Constitucional, conduz o intérprete à conclusão no sentido de que a única interpretação cabível para a expressão “exclusividade” que consta da última norma acima, possui como critério de parâmetros as demais forças policiais, ou seja, polícia rodoviária federal, militar, civil e nunca o Ministério Público, titular da ação penal.

Recente Acórdão [em 2001] da lavra do Ministro Gilson Dipp, julgado à unanimidade pela 5ª Turma do c. Superior Tribunal de Justiça, deixou estreme de dúvidas a possibilidade de o Ministério Público conduzir diretamente as investigações criminais, realizando todo o tipo de atos necessários à apuração criminal, tal como determinação de comparecimento em núcleo de investigação para a colheita de depoimentos.

1.4. INTUITO DO PRESENTE TRABALHO

Superada a questão acima, o presente trabalho destina-se a discorrer sobre as dificuldades enfrentadas pelo órgão da acusação na investigação de crimes disciplinados em legislações extravagantes, apenas introduzidas no ordenamento jurídico pátrio a partir de pressões externas e da própria sociedade, indignada com a reiterada prática de crimes contra o Estado, envolvendo má gestão de instituições financeiras em suas mais variadas formas, aspectos e consequências; sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

1.5. O GRANDE VOLUME DE CRIMES PRATICADOS NO SISTEMA FINANCEIRO

Ocorre que, não obstante a tutela penal desses bens jurídicos, de relevante interesse para a sociedade, até mesmo para o desenvolvimento econômico e social do país em parâmetros mais sólidos, proporcionando a imprescindível alteração do drástico quadro de má distribuição de rendas, diferenças sociais e concentração de riquezas em pequena parcela da população, os resultados obtidos pelo aparelho repressor do Estado (Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário) são deveras insignificantes diante do volume de crimes praticados, do prejuízo de ordem moral e material que ocasionam e da impunidade de seus agentes.

1.6. OS RICOS SÃO EXCLUÍDOS DO CONTROLE PENAL

Tal quadro encontra-se retratado com grande eficiência pela Subprocuradora Geral da República e Professora, Dra. Ela Wiecko V. de Castilho, em sua obra O Controle Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tendo a i. [i. = ilustre] autora já destacado, no início de sua obra que:

  • Os estudos na perspectiva da reação social, no Brasil e em outros países, preocupam-se, em geral, com a estigmatização, pelos órgãos do controle penal (Polícia, Ministério Público, Judiciário e órgãos da execução penal), das classes mais baixa ou de grupos vulneráveis. Já há, portanto, uma produção razoável de conhecimento sobre como e por que são os pobres que povoam as prisões. Faltam estudos e a demonstração sobre como os ricos são excluídos do controle penal”. (pg. 14 - grifo nosso).

Ao discorrer especificamente sobre o objeto do seu trabalho, que incluiu, dentre outros aspectos, o levantamento de representações encaminhadas ao Ministério Público Federal pelo Banco Central do Brasil no período de julho de 1986 a julho de 1995 e o resultado desses procedimentos, que se referem a 682 casos, alertou a ilustre autora que:

  1. “... o volume dessa criminalidade, apurado no período de oito anos e meio, é extremamente reduzido, em comparação a outros setores da criminalidade, como, por exemplo, da criminalidade patrimonial. É um grão de areia, se considerarmos projeção feita pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário em 1993, de que, ao ano, um milhão de crimes é praticado no Brasil. Mas, também revela que a impunidade se deve menos às instâncias formais tradicionais (Polícia, Ministério Público e Judiciário) e mais ao Banco Central. A chave do cofre que abriga enorme cifra oculta dessa criminalidade é uma instituição não penal, que faz seleção básica, utilizando-se de parâmetros pouco transparentes e dificilmente submetidos a qualquer fiscalização”. (pg. 18/19). Grifamos

1.7. NOVAMENTE A FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Em sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública, tratando-se do órgão que, por disciplina constitucional expressa, possui a opinio delicti [possui o direito de opinar sobre o delito] acerca da configuração ou não do ilícito, tendo poderes para investigar diretamente a ocorrência desses crimes, coordenar a investigação policial e de outros órgãos da esfera administrativa e também de atuar conjuntamente nessas apurações, questiona-se:

  1. Seria o Ministério Público o responsável por tanta ineficiência e maus resultados nas apurações?
  2. Qual o motivo da dificuldade no processamento nesses crimes e na devida punição de seus autores?

Não podemos olvidar [esquecer] o grande avanço no processo de restabelecimento da democracia no país, que se intensificou com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, inclusive devido ao fato de já contar o ordenamento jurídico nacional com legislações que tipificam condutas que, em passado bem recente e, devido à formação histórica de nosso país e dos privilégios sempre usufruídos pela classe dominante, passavam totalmente impunes.

1.8. LEGISLAÇÃO DE COMBATE AOS CRIMES FINANCEIROS

Assim, atualmente, no campo do direito material, há uma disciplina específica para a tutela penal do sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986); do sistema tributário (Lei 8.137/90) e, da própria lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998), crimes que se encontram intrinsecamente relacionados e cuja prática tem-se intensificado a cada dia.

É certo que os crimes capitulados na conhecida lei do “colarinho branco” [Lei 7.492/1986], a sonegação fiscal [Lei 4.729/1965 e Lei 8.137/1990], os crimes praticados contra a Administração Pública [Lei 8.137/1990] e a lavagem de dinheiro [Lei 9.613/1998] sempre estiveram presentes em nossa realidade, intensificando a sua ocorrência, como era de se esperar, a partir do que veio a ser conhecido como “globalização”, principalmente com a abertura dos mercados de países “emergentes”, nos quais o Brasil se incluía, e que, atualmente, vivenciam crises constantes de manutenção da sua política econômica, devido a fortes ataques especulativos.

Tais países tornaram-se um grande atrativo a criminosos transnacionais, diante do precário, senão inexistente sistema de controle do processo de internação de capital; investimentos internos e retorno dessas importâncias a paraísos fiscais, em algumas ocasiões já transformadas em “investimentos lícitos”.

1.9. A LAVAGEM DE DINHEIRO PELAS INSTITUIÇÕES FANTASMAS DE PARAÍSOS FISCAIS

Esse processo também ocorreu de forma inversa, ou seja, com a remessa de divisas para o exterior, principalmente a partir da década de 90, através de expedientes diversos, inclusive das conhecidas contas [correntes bancárias] CC-5” (de estrangeiros não residentes). Em algumas ocasiões, dependendo da estratégia utilizada pela organização criminosa, essas cifras regressaram ao país a título de investimento de “estrangeiros”, com isenção de tributos, inclusive.

Ressalte-se que, no limiar de qualquer crise, volumes expressivos de capital são retirados de forma abrupta, desestabilizando a economia do país, com grande queda em suas reservas cambiais, o que se torna um ciclo vicioso, pois o dinheiro proveniente do crime, aplicado de forma especulativa em mercados de capitais, contabiliza vultosos ganhos, devido à política econômica adotada, que impossibilita o efetivo combate ao crime organizado quanto a seu aspecto financeiro.

Quando nos referimos a criminosos estrangeiros, é de conhecimento geral que o dinheiro que movimentam provém da prática de crimes tais como tráfico de drogas; tráfico de armas; exploração da prostituição; contrabando de todos os gêneros, extorsões, etc, e que, para serem transformados em “ativos” lícitos dependem de toda uma estrutura que envolve a montagem de diversas transações sempre relacionadas a instituições financeiras, havendo, assim, um grande intercâmbio entre o crime organizado, a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro e os crimes contra o sistema financeiro.

Também é certo que, para manter os seus privilégios e possibilidades de atuação sem o devido controle e fiscalização do Estado, o crime organizado impulsiona de forma visível e com grande intensidade a prática da corrupção por políticos e autoridades de alto escalão de todas as esferas do poder, fazendo com que haja uma importante e destacada atuação dessas pessoas na movimentação da máquina estatal em benefício do crime, dificultando, quando não impedindo a investigação e repressão desses ilícitos.

1.10. A CORRUPÇÃO ALIMENTADA PELO GRANDE CAPITAL É INTERMEDIADA POR LOBISTAS

Em excelente monografia sobre o tema, a socióloga Flávia Schilling, em sua tese de doutorado na USP, definiu corrupção como

  • um conjunto variável de práticas que implica em trocas entre quem detém poder decisório na política e na administração e quem detém poder econômico, visando a obtenção de vantagens - ilícitas, ilegais ou ilegítimas - para os indivíduos ou grupos envolvidos. (in Corrupção: Ilegalidade Intolerável ?: Comissões Parlamentares de Inquérito e a luta contra a Corrupção no Brasil. Flávia Schilling. São Paulo: IBCCRIM, 1999, pg. 15).

Esclarece a autora que o trabalho de dissertação, partindo do reconhecimento de que a corrupção se coloca de forma progressiva no Brasil no centro do debate político, verificou, dentre outras questões que:

  • "...se inicialmente, a corrupção era vista como formando ‘quistos’ na sociedade, como própria e intrínseca a determinadas instituições, começa a ser percebida como ampla e generalizada. Essa situação provoca um duplo registro: a corrupção é inevitável, é parte da natureza humana e da nossa cultura, é a única forma possível de governar. O outro registro diz:é um instrumento do poder e está ligada à permanência de uma certa configuração do poder que permeia os diferentes momentos políticos do Brasil, localizando-se de forma onde existe a capacidade de exercer influência. A consequência desta visão é a de que a corrupção não é inevitável, não é própria da natureza humana nem da nossa cultura: é fruto de uma sociedade com profundas desigualdades, com hierarquias por elas sustentadas e que a reproduzem, é uma forma perversa da arte brasileira de fazer política" (op. cit, pg. 328 - gn).

Veja o texto sobre a tentativa de regulamentação da profissão de LOBISTA, o grande intermediário da corrupção. O Projeto de Lei 1.713 de 2003 foi arquivado em 2005.

2. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO COMBATE AOS CRIMES PRATICADOS ATRAVÉS DO SISTEMA FINANCEIRO

  1. DAS DIFICULDADES NO PROCESSAMENTO DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, TRIBUTÁRIO E DE LAVAGEM DE DINHEIRO
    1. A TEIMOSIA DE DIRIGENTES PÚBLICOS EM NÃO APONTAR OS CRIMES FINANCEIROS
    2. OS ANTIGOS DIRIGENTES DO BANCO CENTRAL ESTAVAM ACIMA DA LEI
    3. A INÉRCIA DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE DAS ATIVIDADES FINANCEIRAS
    4. PARECERES DOS ADVOGADOS DO BANCO CENTRAL AGRAVARAM O PROBLEMA ENFRENTADO
    5. A INÉRCIA DO COAF ATÉ SETEMBRO DE 2001
    6. OS RELATÓRIOS DOS AUDITORES NÃO ERAM LEVADOS EM CONTA
    7. A IMPUNIDADE DOS SERVIDORES ASSOCIADOS AOS LOBISTAS DO GRANDE CAPITAL
    8. ANISTIA PENAL PARA SONEGADORES DE TRIBUTOS
  2. DO SIGILO BANCÁRIO E DE DADOS
  3. DA LEI COMPLEMENTAR 105/01
  4. DA LEI COMPLEMENTAR 105 E A COMUNICAÇÃO DE CRIMES

Nesse quadro é que se deve desenhar o papel do Ministério Público, enquanto instituição encarregada da investigação e processamento desses ilícitos, questionando-se as efetivas razões de não se alcançar o devido êxito nesses casos, não obstante a intensa predisposição de seus integrantes em trabalharem ativamente para obterem um mínimo de equilíbrio entre os resultados auferidos na persecução criminal dos crimes de colarinho branco perante a Justiça Federal e os efetivos resultados alcançados quando se tratam de crimes praticados por aquela já conhecida parcela da sociedade que frequenta diariamente nossos tribunais e povoa o sistema carcerário.

2.1. DAS DIFICULDADES NO PROCESSAMENTO DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO, TRIBUTÁRIO E DE LAVAGEM DE DINHEIRO

  1. A TEIMOSIA DE DIRIGENTES PÚBLICOS EM NÃO APONTAR OS CRIMES FINANCEIROS
  2. OS ANTIGOS DIRIGENTES DO BANCO CENTRAL ESTAVAM ACIMA DA LEI
  3. A INÉRCIA DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE DAS ATIVIDADES FINANCEIRAS
  4. PARECERES DOS ADVOGADOS DO BANCO CENTRAL AGRAVARAM O PROBLEMA ENFRENTADO
  5. A INÉRCIA DO COAF ATÉ SETEMBRO DE 2001
  6. OS RELATÓRIOS DOS AUDITORES NÃO ERAM LEVADOS EM CONTA
  7. A IMPUNIDADE DOS SERVIDORES ASSOCIADOS AOS LOBISTAS DO GRANDE CAPITAL
  8. ANISTIA PENAL PARA SONEGADORES DE TRIBUTOS

A primeira questão a se analisar neste tópico não se trata propriamente da dificuldade operacional da investigação quando já se tem conhecimento do crime por meio de notitia criminis [comunicação de semelhante crime à autoridade competente], delatio criminis [delação do crime por pessoa diversa, não participante da apuração dos fatos] ou de outras formas de informação da ocorrência desses ilícitos.

2.1.1. A TEIMOSIA DE DIRIGENTES PÚBLICOS EM NÃO APONTAR OS CRIMES FINANCEIROS

Trata-se, na realidade, da recalcitrância [teimosia em não comunicar, ato de rebeldia contra a comunicação = ato de insubordinação às leis vigentes] dos [dirigentes dos] órgãos administrativos encarregados do controle e fiscalização dessas atividades, os quais possuem critérios discricionários e obscuros de seleção dos fatos sujeitos à comunicação ao Ministério Público ou à própria Polícia, deixando claro que o Ministério Público possui a opinio delicti [possui o direito de opinar sobre o delito] apenas das situações que essas instituições [quis dizer: que os dirigentes dessas instituições], Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários, Superintendência de Seguros Privados, Conselho Federal de Atividades Financeiras, Receita Federal, dentre outras, julgarem cabíveis de encaminhamento de peças de informação.

Antigo MNI - Manual de Normas e Instruções expedido pelo Banco Central do Brasil:

MNI 4-1-5 (atual MNI 5-1-5) - O Banco Central do Brasil, ao tomar conhecimento de ilícito que ocorra em área sujeita a fiscalização de outro órgão da administração pública, ou que, por qualquer forma, ocasione lesão ao patrimônio, bens ou direitos de entidade diversa, fará as devidas comunicações, para as providências que, eventualmente, se façam necessárias (Resolução CMN 1.065/1985).

MNI 4-1-6 (atual MNI 5-1-6) - Verificada a existência de indicio da prática de ilícito penal definido em lei como de ação pública, o Banco Central do Brasil, independentemente da ação administrativa cabível, oficiará ao Ministério Público para os fins de direito, anexando comprovação da ação delituosa (Resolução CMN 1.065/1985).

A legislação citada nesta monografia também exige que sejam efetuadas as mencionadas comunicações.

Veja ainda no MNI 5-1 - Ação Fiscalizadora do Banco Central e no MNI 5-2 - Ação Fiscalizadora da CVM que a Lei 13.506/2017 concedeu a essas duas AUTARQUIAS FEDERAIS o Poder Sancionador. Logo, em tese, essas Autarquias não mais seriam obrigadas a denunciar irregularidades aos demais órgãos públicos.

Mas, o artigo 28 (e seguintes) da Lei 7.492/1986 (Lei do Colarinho Branco) continua a exigir que as irregularidades encontradas sejam informadas ao MPF - Ministério Público Federal.

2.1.2. OS ANTIGOS DIRIGENTES DO BANCO CENTRAL ESTAVAM ACIMA DA LEI

O aprofundado estudo elaborado pela Prof. Ela Wiecko demonstrou a total inoperância do [quis dizer: dos dirigentes do] Banco Central, no período analisado -1986 a 1995 -, em [deixar de] comunicar fatos passíveis de apuração na esfera penal, deixando de lado as análises técnicas efetivadas por auditores [do Banco Central do Brasil], que em regra demonstram a existência de fundados indícios de ilícitos, por um longo julgamento político, que se protrai no tempo, tornando ineficaz posterior apuração penal, diante do advento da prescrição, o que apenas beneficia os envolvidos nessas irregularidades.

Torna-se importante destacar que os auditores do Banco Central aposentaram a partir de 1997 e não foram repostos pelos dirigentes daquela autarquia federal.

A instituição pública não tem culpa da má administração de seus dirigentes. Isto tem sido alertado pelo SINAL - Sindicato dos Funcionários do Banco Central em defesa da reputação daqueles servidores que sempre agiram no cumprimento de seus deveres cívicos e profissionais  em defesa dos interesses da coletividade e não dos interesses escusos de determinados grupos econômicos que, por intermédio de lobistas, tentam implantar o anarquismo nas instituições governamentais.

Os mencionados auditores eram os únicos com capacidade técnica e científica para efetuar a análise da documentação contábil e de sua escrituração na esfera do SFN - Sistema Financeiro.

A referida função de "auditor", depois chamada de "inspetor" ainda existe com a denominação de "analista". Mas, é exercida por leigos (pessoas não graduadas em Ciências Contábeis).

São graduados e legalmente habilitados os contadores, os peritos contadores e os auditores internos e independentes devidamente inscritos nos Conselhos Regionais de Contabilidade.

Não é possível o exercício dessa função de auditor (sob a alcunha de "analista" ou de "inspetor") por nenhum outro profissional de nível médio ou superior. O infrator pode ser processado judicialmente por exercício ilegal de profissão regulamentada por lei federal (Constituição Federal e Lei das Contravenções Penais).

Afirma a ilustre Procuradora:

  • É o Banco Central que faz a seleção majoritária dos casos que deverão ser tratados como infrações criminais contra a ordem econômica prevista na Lei nº 7.492/1986.

E conclui, mais adiante:

  • "Identificou-se alguns casos de indubitáveis, ou pelo menos fortes indícios de prática criminal, que não foram comunicados ao Ministério Público. Por exemplo, os casos dos bancos Goldmine e Ourinvest e da Usina Santa Bárbara, que serão analisados no item seguinte, porque neles está identificada também a presença de outro mecanismo, encontram-se ainda em fase de processo administrativo. O caso da ‘pasta cor-de-rosa’ só veio ao Ministério Público por força de requisição de documentos. Uma lista de 126 infrações criminais praticadas pelos administradores do Banco Econômico também só foi comunicada ao Ministério Público em face de situação conjuntural. A fraude nos balanços do Banco Nacional, descoberta em 18 de novembro de 1995, só foi comunicada ao Ministério Público quatro meses após. E a omissão na contabilização das comissões relativas ao deságio de 29 operações de conversão informal de dívida externa, feitas em 1988, pelo Banco Nacional, só foi comunicada em 1994". (op. cit., pgs. 230 e 239). gn

2..1.3. A INÉRCIA DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE DAS ATIVIDADES FINANCEIRAS

Essa inércia dos órgãos encarregados do controle e fiscalização das atividades financeiras também se encontra retratada na obra dos [ilustres] juristas Paulo José da Costa Jr.; M. Elizabeth Queijo e Charles M. Machado, os quais concluem que:

  • “Jamais se registrou, no Sistema Financeiro Nacional, número tão significativo de escândalos financeiros. Ora por má gestão, ora por gestão fraudulenta, mas sempre com conivência dos órgãos fiscalizatórios. Só para se ter uma ideia, nos últimos 5 anos [antes de 2000], cerca de 188 instituições financeiras sofreram liquidação ou intervenção extrajudicial, perfazendo um passivo a descoberto de instituições liquidadas no valor de 75,5 bilhões, o que por si só já nos dá a ideia da inoperância e defasagem dos instrumentos de controle e punição do mercado financeiro.
  • (...)
  • O certo é que a lógica do mercado nem sempre segue a ética e os valores que o direito tenta proteger, de sorte que a ordem econômica com o passar do tempo corre sérios riscos com a manipulação de mercados que por vezes fazem a riqueza de poucos e o infortúnio de muitos. (in Crimes do Colarinho Branco. São Paulo: Saraiva, 2000, pgs. 60/61). grifamos

2.1.4. PARECERES DOS ADVOGADOS DO BANCO CENTRAL AGRAVARAM O PROBLEMA ENFRENTADO

Infelizmente tal situação apenas se agravou, pois, amparados em pareceres da Procuradoria do órgão [atualmente lotados na AGU - Advocacia Geral da União], os técnicos do BACEN e da CVM, dentre outros, sistematicamente, têm-se negado a encaminhar documentos relacionados às investigações conduzidas pelo parquet [Ministério Público], sob o fundamento genérico de que se tratam de dados acobertados pelo sigilo.

Acobertar crimes também é ato criminoso.

Veja o texto publicado pela Revista Por Sinal, editada pelo Sinal - Sindicato dos Funcionários do Banco Central - nº 1 - de abril 2001 - em que foram relatados dois dos casos de Perseguição aos Antigos Auditores do Banco Central em razão do simples fato de terem cumprido o digno dever cívico e profissional de servir aos interesses da Nação brasileira, contrários aos interesses escusos dos patrões de lobistas que atuam no SFN.

2.1.5. A INÉRCIA DO COAF ATÉ SETEMBRO DE 2001

Basta considerar que, apesar da Lei 9.613/98 instituir, em seu artigo 14, um órgão encarregado da disciplina, controle e fiscalização de fatos suspeitos de atividades ilícitas ligadas à lavagem de dinheiro, tratando-se do COAF [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e, seu artigo 15 expressamente determinar a esse órgão a obrigatoriedade de comunicação desses fatos às autoridades competentes para a instauração de procedimentos cabíveis à apuração de crimes, é certo que desde a sua instituição [em 1998] até a presente data [setembro de 2001], não se tem notícia de qualquer comunicação de crime à Procuradoria da República no Rio de Janeiro por parte do COAF, embora se saiba da existência dos procedimentos administrativos correlatos.

Veja o texto sobre notícias veiculadas, intitulado Querem Impedir a Atuação do COAF Contra a Lavagem de Dinheiro - Ministro do Supremo Tribunal Federal Vê Inconstitucionalidade na Atuação do COAF.

Veja também o texto O Difícil Combate à Lavagem de Dinheiro em que discorre sobre a alteração da Lei 9.613/1998 pela Lei 12.683/20012 para tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

2.1.6. OS RELATÓRIOS DOS AUDITORES NÃO ERAM LEVADOS EM CONTA

Não se pode olvidar [esquecer] que, no momento em que a análise da matéria suplanta a esfera técnica apropriada, como é o caso dos auditores, fiscais, dentre outros profissionais, o julgamento passa a ser estritamente político e o resultado está diretamente relacionado, em se tratando de órgão vinculado ao Executivo, aos interesses do Governo [até setembro de 2001, quando foi escrita esta monografia]. Assim, a interpretação que vem sendo atribuída à questão da comunicação de crime por parte do BACEN, CVM, etc, é no sentido de que o encaminhamento de peças de informação ao Ministério Público ocorrerá no momento e na forma determinada por critérios internos de seleção.

2.1.7. A IMPUNIDADE DOS SERVIDORES ASSOCIADOS AOS LOBISTAS DO GRANDE CAPITAL

Diante do quadro acima reportado, é possível a constatação no sentido de que a promulgação de leis que possibilitam o processamento e punição de pessoas que integram a elite econômica e política do país, quanto à prática de crimes do colarinho branco, contra a administração pública, de lavagem de dinheiro, etc, apenas ocorreu no plano formal, num processo de retórica e discurso pela moralização, sem alcançar a efetividade necessária ao combate a tais crimes.

Na prática, verifica-se que [até setembro de 2001] não há uma “vontade política” para a efetiva aplicação dessas normas e, quando se verifica que o Ministério Público e Polícia estão avançando no cumprimento do seu papel de investigação e o Poder Judiciário está sensível a tais fatos, com a condenação de seus agentes, muda-se a regra do jogo, com a criação de entraves de natureza meramente formal.

Para combate ao crimes praticados na esfera do Poder Judiciário, em 2005 foi criado o CNJ - Conselho Nacional de Justiça.

Veja o texto Corporativistas Lutam pela Impunidade no Poder Judiciário

2.1.8. ANISTIA PENAL PARA SONEGADORES DE TRIBUTOS

Exemplificando a assertiva acima, pode-se citar, a título ilustrativo, a redação do artigo 83, da Lei 9.430/1996; do artigo 11, da Lei 9.639/1998 e, por último, do artigo 15 da Lei 9.964/2000, que de forma inconstitucional, atribui uma anistia penal, sob a forma de suspensão da pretensão punitiva, aos crimes tributários em que houver a simples opção ao REFIS, olvidando-se que o pagamento parcelado dos débitos refinanciados superam todos os limites prescricionais estabelecidos no Código Penal, ensejando a impunidade de seus agentes.

É importante a leitura dos mencionados dispositivos legais. Especialmente o artigo 83 da Lei 9.430/1996 sofreu alterações depois de setembro de 2001, quando foi escrita esta monografia. As alterações ocorreram nos anos 2010 e 2011.

2.2. DO SIGILO BANCÁRIO E DE DADOS

  1. A FORMA DE ATUAÇÃO DOS CRIMINOSOS QUE ATUAM NO SISTEMA FINANCEIRO
  2. A POLÍCIA FEDERAL NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO
  3. A NECESSÁRIA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 38 DA LEI 4.595/1964
  4. LEI DO COLARINHO BRANCO
  5. O SIGILO BANCÁRIO SÓ SERVIA PARA ENCOBRIR OS CRIMINOSOS
  6. OS ETERNOS DEFENSORES DA PRIVACIDADE DOS CRIMINOSOS
  7. O CRIME DE ENCOBRIR OU ACOBERTAR ATOS CRIMINOSOS
  8. O INTERESSE PÚBLICO ESTÁ ACIMA DOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS
  9. A REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
  10. A REVOGAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL QUE PROTEGIA OS CRIMINOSOS EM DETRIMENTO DO CIDADÃO

Outro óbice à comunicação de crime ao Ministério Público, ou quando há tal informação, ao encaminhamento da documentação respectiva de forma completa, trata-se do sigilo bancário e do sigilo de dados constantes dos registros e arquivos dos órgãos públicos já citados.

É importante ressaltar que o afastamento do sigilo bancário e do sigilo de dados, notadamente aqueles armazenados em meios magnéticos, representa a forma mais eficaz de apuração dos ilícitos já referidos, tanto sob o aspecto da materialidade desses crimes, quanto no que se refere à elucidação da sua autoria.

2.2.1. A FORMA DE ATUAÇÃO DOS CRIMINOSOS QUE ATUAM NO SISTEMA FINANCEIRO

O crime organizado ou mesmo aquele praticado de forma isolada, mas que tenha correlação com evasão de divisas, sonegação fiscal, gestão fraudulenta ou temerária de instituições financeiras, dentre outros, são praticados sob as mais elaboradas formas, contando com o auxílio intelectual de especialistas em informática, economia, contabilidade, etc., o que torna extremamente difícil aos órgãos estatais encarregados da investigação a sua elucidação.

Justamente pelos motivos explicados no parágrafo imediatamente acima, o coordenador do COSIFE tem defendido o que preconiza o velho ditado: "Cada macaco no seu galho".

Um dos grandes erros cometidos pelos dirigentes do Banco Central do Brasil foi o de extinguir paulatinamente a partir de 1988 o quadro de auditores daquela autarquia federal. Em 1976 houve o primeiro concurso público para contratação de contadores. A partir dali, excluindo-se os antigos servidores próximos da aposentadoria, o quadro de fiscalização da nossa autoridade monetária era quase totalmente composto por contadores, muitos deles com larga experiência em empresas privadas, muitas das quais agiam como os criminosos aqui mencionados.

Embora o artigo 5º da Lei 11.638/2007 tenha de forma indireta estabelecido a necessidade de contratação de contadores nas áreas de fiscalização cuja base é a contabilidade, nota-se que os dirigentes públicos não levaram em conta a grande necessidade do estabelecido, pois continuam a não contratar contadores para os cargos ou funções em que são estritamente necessários.

Veja o texto denominado A Inviolabilidade do Contador no Exercício da Profissão em que se comenta as alterações promovidas pelo artigo 5º da Lei 11.638/2007.

2.2.2. A POLÍCIA FEDERAL NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

No âmbito federal, apenas em final dessa última década [de 1990] a Polícia Federal estruturou um setor próprio para investigação desses crimes - DCOIE/Divisão de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais, sendo imprescindível ressaltar que tal Divisão ainda conta com as mais diversas dificuldades operacionais e estruturais, notadamente no que concerne ao suporte técnico especializado. [Entre outros profissionais qualificados, faltam contadores]. Basta dizer que em todo o país, o Departamento de Polícia Federal conta com menos de dez peritos efetivamente capacitados a desenvolverem análises mais elaboradas na área de informática, não obstante a efetiva demanda de aprimoramento desse setor, pois qualquer investigação de crimes de colarinho branco depende do efetivo apoio técnico apropriado.

Considerando-se que os crimes financeiros envolvem direta e indiretamente a contabilidade das entidades juridicamente constituídas, parece lógico que tais crimes devam ser apurados por Peritos Contadores.

Veja explicações complementares em Contabilidade Forense.

2.2.3. A NECESSÁRIA REVOGAÇÃO DO ARTIGO 38 DA LEI 4.595/1964

Retornando à questão do afastamento do sigilo bancário, a disciplina normativa dessa matéria tratava-se do artigo 38, da Lei 4.595/64, norma de regência do sistema financeiro nacional, recepcionada pelo Texto Constitucional na forma de Lei Complementar, que estabelece o seguinte:

  • "Art. 38 - As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
  • Parágrafo 1º - As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.
  • (...)
  • Parágrafo 7º - A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos".

2.2.4. LEI DO COLARINHO BRANCO

Já a Lei 7.492/86, que tipifica os ilícitos contra o Sistema Financeiro Nacional, em seu artigo 29, parágrafo único, dispõe que:

  • "Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência relativa à prova dos crimes previstos nesta lei.
  • Parágrafo único. O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista no caput deste artigo." Grifamos.

A Lei 7.492/1986 ficou conhecida como Lei do Colarinho Branco, mas entre os crimes previstos destacam-se os crimes de Evasão de Divisas e de Falsidade Ideológica pelo uso de "laranjas" ou "testas de ferro" para realização de Operações Cambiais, entre outras artimanhas tão comuns aos delinquentes do sistema financeiro.

2.2.5. O SIGILO BANCÁRIO SÓ SERVIA PARA ENCOBRIR OS CRIMINOSOS

Os Tribunais Superiores, quando instados a se pronunciarem sobre a possibilidade de requisição direta pelo órgão do parquet [Ministério Público] das informações de que dispunha o Banco Central ou demais instituições financeiras, não se posicionaram de forma uniforme sobre a matéria, havendo divergência de entendimento tanto no sentido de que os dados bancários apenas poderiam ser informados mediante prévia autorização judicial, diante do teor do referido artigo 38, havendo aqueles que entendiam cabível a requisição direta de informações. Saliente-se que anteriormente à promulgação da nova Carta Constitucional, ambas as leis acima citadas possuíam a mesma hierarquia, ou seja, tratavam-se de leis ordinárias.

Há precedentes em que se admite a requisição direta de informações bancárias quando a investigação estiver relacionada ao desvio de verbas públicas, diante da publicidade dos atos governamentais, conforme julgamento do Mandado de Segurança nº 21.724-4/DF, que teve como Relator o Ministro Sepúlveda Pertença, publicado no DJ de 13/08/1993.

2.2.6. OS ETERNOS DEFENSORES DA PRIVACIDADE DOS CRIMINOSOS

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tiveram início longos debates sobre a questão do sigilo bancário, posicionando-se alguns juristas e doutrinadores no sentido da impossibilidade de acesso a dados bancários, ainda que por decisão judicial, pois estes estariam abrangidos nas expressões “intimidade”, “vida privada”, previstas no artigo 5º, inciso X, da Carta Constitucional e na inviolabilidade do sigilo de dados a que se refere o inciso XII, dessa mesma norma constitucional.

2.2.7. O CRIME DE ENCOBRIR OU ACOBERTAR ATOS CRIMINOSOS

Uma simples análise da questão já indica a inadmissibilidade dessa interpretação, que inviabilizaria por completo a investigação de ilícitos de extrema gravidade, garantindo a impunidade de seus autores e privilegiando o interesse privado em detrimento do público, que se traduz pela necessidade de investigação do crime e punição de seus agentes.

2.2.8. O INTERESSE PÚBLICO ESTÁ ACIMA DOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS

Sem dúvida essa foi a interpretação dada tanto pelo Supremo Tribunal Federal, como pelo Superior Tribunal de Justiça, valendo-se dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e supremacia do interesse público. Assim, a possibilidade de afastamento do sigilo bancário em investigações de natureza criminal e em determinadas situações na esfera cível, trata-se de tema pacífico na jurisprudência dos Tribunais Superiores, desde que haja a prévia autorização judicial.

2.2.9. A REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

No que se refere à requisição direta de informações pelo Ministério Público, seja Federal ou Estadual, com fundamento nas suas leis de regência (LC 75/93 e Lei 8.625/93), o tema suscita posições antagônicas, havendo, no entanto, julgados que admitem tal requisição, desde que as informações sejam referentes a órgãos ou entes públicos, pois nesse caso não haveria que se falar em intimidade, vida privada, sendo preponderante o princípio da publicidade, nos termos já salientados.

2.2.10. A REVOGAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL QUE PROTEGIA OS CRIMINOSOS EM DETRIMENTO DO CIDADÃO

Atualmente, a questão referente ao afastamento do sigilo de dados bancários encontra-se sob ampla discussão jurídica e doutrinária, em face da revogação do artigo 38 da Lei 4.595/64 pela Lei Complementar nº 105/2001, que estabelece hipóteses de acesso a essas informações por parte das instituições encarregadas do controle e fiscalização da atividade financeira e tributária nacional no desempenho de suas atividades de fiscalização.

Veja os textos O Sigilo Bancário Como Incentivo à Sonegação Fiscal e A Antiga Legislação e a Sancionada em Razão dos Crimes Apurados, com atualizações, cujos originais constavam de apostilas distribuídas pelo Coordenador do COSIFE em cursos ministrados na ESAF - Escola de Administração Fazendária para auditores fiscais da Receita Federal de 1984 a 1998.

2.3. DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001

  1. A FLEXIBILIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO E OS ETERNOS DEFENSORES DOS CRIMINOSOS
  2. O INTERESSE PÚBLICO ESTÁ ACIMA DOS PRETENSOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS
  3. DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
  4. CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002 - DIREITO DA EMPRESA
  5. A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL<
  6. SIGILO DE DADOS: O SERVIDOR PÚBLICO É O GUARDIÃO DAS EVENTUAIS PROVAS DE SUA MÁ CONDUTA
  7. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
  8. NOVAMENTE DISCUTE-SE O CRIME DE ACOBERTAMENTO DE CRIMINOSOS
  9. A LEGISLAÇÃO DE COMBATE AO DESVIO DE CONDUTA DO SERVIDOR PÚBLICO

Num cenário de relevantes discussões jurídicas e políticas acerca de diversos crimes que abalaram a confiança da população na capacidade do Estado - Administração Pública - de resguardar o interesse público, notadamente o patrimonial, de lesões praticadas por agentes políticos, servidores públicos e particulares e, também numa tentativa por parte do Congresso Nacional na recuperação da sua respeitabilidade, ocorreu a aprovação da Lei Complementar 105/01, considerada como um meio eficaz de combate ao crime organizado nas suas mais diversas modalidades.

2.3.1. A FLEXIBILIZAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO E OS ETERNOS DEFENSORES DOS CRIMINOSOS

Tal legislação entrou em vigor sendo alvo de contundentes críticas no que se refere à possibilidade de acesso e utilização de informações bancárias por parte dos órgãos públicos que discrimina, no desempenho de suas funções de apuração de infrações civis/administrativas e, em consequência, informação de ilícitos criminais, diante do entendimento de diversos juristas no sentido de que o sigilo bancário trata-se de matéria que se submete ao princípio constitucional da reserva de jurisdição.

2.3.2. O INTERESSE PÚBLICO ESTÁ ACIMA DOS PRETENSOS DIREITOS DOS CRIMINOSOS

Nos termos já salientados, diversos julgados admitem o afastamento do sigilo bancário, mediante decisão judicial, entendendo que a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e dos dados referentes aos indivíduos deve ceder ao interesse público (STF - MS 23452/RJ; STF-RE-219780/PE; STJ-AgRg IP nº 187/DF; STJ-Resp nº 124.272-0/RO).

2.3.3. DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

O dispositivo constitucional que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e do sigilo dos dados, trata-se do artigo 5º do Texto Constitucional, que disciplina os “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”.

Assim, a interpretação dos julgados já citados, que classificam as informações bancárias como integrantes da esfera privada do cidadão, apenas se referem ao sigilo de operações realizadas por pessoas físicas, titulares dos direitos fundamentais agasalhados pelo artigo 5º da Magna Carta, não podendo abranger, por conseguinte, pessoas jurídicas, dentre as quais órgãos públicos.

Ao discorrer sobre o tema, o jurista Celso Bastos assevera que:

  • todas as despesas ordinárias feitas pelo cidadão comum em sua vida cotidiana devem ser consideradas parte de sua vida privada, familiar ou domésticas e, portanto, protegidas contra interferências a despeito de qualquer pretexto...”(in Estudos e Pareceres, Sigilo Bancário. São Paulo: RT, 1993, pg. 62/67)

2.3.4. CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002 - DIREITO DA EMPRESA

As pessoas jurídicas possuem personalidade distinta de seus administradores e mesmo que estes se valham do ente coletivo para a prática de crimes, o que não é raro nas hipóteses dos ilícitos sob análise, o afastamento do sigilo bancário da empresa, seja órgão público ou privado, não tem o condão de atingir a esfera de privacidade do seu administrador, ainda que seja o mesmo processado criminalmente em razão dos atos praticados na sua gestão, ressaltando-se que, na hipótese de órgão público, o princípio constitucional da publicidade é suficiente a garantir a informação bancária para fins de investigação administrativa ou criminal e verificação da destinação das verbas públicas.

Em janeiro de 2003 começou a vigorar o novo Código Civil Brasileiro sancionado em 2002 que discorre sobre o Direito da Empresa, que não estava previsto na Constituição Federal de 1988 porque já constava do antigo Código Civil Brasileiro.

De acordo com o artigo 1.193 do Novo Código Civil, as restrições estabelecidas ... ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.

Entre as respectivas leis especiais estão as citadas na presente monografia.

Portanto, se as referidas autoridades governamentais se recusarem a denunciar as operações ilícitas que por outros meios sejam conhecidas, os agentes de fiscalização na qualidade de Peritos Contadores (Contabilidade Forense) podem buscar as provas necessárias com base na instauração de processo administrativo pelo órgão competente ou com base em requisição judicial, desde que os "Peritos" estejam devidamente habilitados como contabilistas, conforme estabelece o artigo 1.182 do mesmo Código Civil.

2.3.5. A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

Daí a inconstitucionalidade das restrições disciplinadas no parágrafo 1º, do artigo 3º e no parágrafo 3º, do artigo 5º, da LC 105/2001, estabelecendo a prévia autorização judicial para o fornecimento de informações e documentos sigilosos referentes à apuração da responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições e da análise pela Receita Federal das movimentações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Diante dessa premissa, o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.193, que vigora a partir de 2003, estabelece o livre acesso à contabilidade das empresas pelos agentes fazendários, conforme foi explicado na NOTA acima.

Torna-se importante esclarecer que somente os Contadores devidamente habilitados podem executar a Perícia Contábil.

Veja explicações complementares no texto sobre Contabilidade Forense.

2.3.6. SIGILO DE DADOS: O SERVIDOR PÚBLICO É O GUARDIÃO DAS EVENTUAIS PROVAS DE SUA MÁ CONDUTA

Os recentes acontecimentos históricos do país demonstram que ilícitos de extrema gravidade estão relacionados à conduta de servidores públicos em seu sentido mais amplo, abrangendo agentes políticos e empresas da administração direta ou indireta, tais como SUDAM, DETRAM, diversos fundos públicos; BNDS, TRT/SP, etc, estão envolvidas em desvios e malversação de vultosos valores. Ademais, diante dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, que disciplinam o trato com a res publica ["coisa pública" ou "coisa do povo"], tal fator de diferenciação não se justifica.

2.3.7. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO

Os princípios da razoabilidade e da supremacia do interesse público quanto à devida apuração de crimes impedem uma interpretação extensiva dos dispositivos constitucionais já citados, no sentido de se garantir ao ente jurídico os mesmos direitos previstos à pessoa natural, sobretudo ao se considerar que os direitos e garantias fundamentais disciplinados no artigo 5º do Texto Constitucional tiveram a finalidade precípua de resguardar o cidadão de uma interferência estatal na esfera individual nos moldes ocorridos no regime antidemocrático que vigeu no país a partir da década de 60.

2.3.8. NOVAMENTE DISCUTE-SE O CRIME DE ACOBERTAMENTO DE CRIMINOSOS

As garantias constitucionais não podem representar um escudo para a prática de crimes, impedindo a apuração dos ilícitos que justamente causam sérios gravames à sociedade e que são praticados de forma elaborada e de difícil elucidação, sendo imprescindível a análise do itinerário percorrido por vultosos valores objeto das mais diversas operações bancárias, em regra, de titularidade de pessoas jurídicas que em determinadas situações sequer de fato existem.

Quanto ao tema de se tratar o sigilo bancário de matéria reservada a exclusiva apreciação judicial, como garantia ao resguardo do direito à privacidade e intimidade do indivíduo, entendimento que impediria a aplicabilidade da Lei Complementar nº 105/01, partilhamos do entendimento de alguns doutrinadores no sentido de que a interpretação sistemática dos preceitos constitucionais, segundo a ponderação dos valores agasalhados pelos princípios implícitos e explícitos no Texto Constitucional [basicamente o § 1º do artigo 145, entre outros dispositivos], admite, seja em prol da “igualdade tributária”, da justiça fiscal ou mesmo da possibilidade do Estado-Administração apurar e posteriormente punir condutas que vulneram interesses públicos, protegidos na esfera penal, que a própria administração pública, na forma disciplinada na LC 105/01, proceda às apurações cabíveis em sua esfera de atribuição.

Assim, segundo ensaio jurídico da lavra do Prof. Kleber Augusto Tagliaferro, publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 66, pg.72:

  • O sigilo bancário não pode mais ser o porto seguro dos sonegadores, tampouco instrumento de injustiça social. Deve prevalecer, portanto, o interesse público sobre o particular, a igualdade tributária sobre a liberdade / intimidade, sem o que o pacto social perderia sentido”.

O [ilustre] jurista acima citado entende que a exigência de prévia autorização judicial para que a administração pública desempenhe a função de fiscalização que lhe é inerente, configura vulneração ao disposto no artigo 60, parágrafo 4º, III da Constituição Federal, pois estaria a restringir a separação das funções do Estado.

Essa liberdade de ação dos agentes de fiscalização de impostos foi finalmente estabelecida pelo artigo 1.193 do Código Civil de 2002 que vigora a partir de 2003.

Nada obsta, no entanto, que ao considerar injustificado o procedimento adotado pelo Estado - Administração, o cidadão faça uso do seu direito constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, a fim de discutir a legalidade dos atos administrativos.

2.3.9. A LEGISLAÇÃO DE COMBATE AO DESVIO DE CONDUTA DO SERVIDOR PÚBLICO

A apuração de infração civil, administrativa ou criminal, com base, inclusive, em informações e documentos mantidos pelas instituições que compõem o sistema financeiro nacional não representa uma violação a direitos e garantias individuais, sobretudo ao ser efetivada na forma disciplinada pelas normas de regência, que prescrevem sanções aos agentes que, encarregados da apuração, praticarem qualquer desvio de conduta na utilização desses dados.

2.4. DA LEI COMPLEMENTAR 105 E A COMUNICAÇÃO DE CRIMES

  1. SEMPRE OS MESMOS ÓRGÃOS TENTAM IMPEDIR A PLENA FISCALIZAÇÃO
  2. SEGUNDO OS DIRIGENTES DE ALGUNS ÓRGÃOS PÚBLICOS ALGUMAS LEIS SÃO "LETRAS MORTAS"
  3. OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS INFELIZES INADIMPLENTES

Outro aspecto a ser analisado trata-se da obrigatoriedade dos órgãos públicos detentores das informações protegidas pelo sigilo (art. 1º, LC 105/2001), notadamente o Banco Central, Receita Federal, CVM, dentre outros, de procederem às comunicações ao Ministério Público dos fatos passíveis de apuração na esfera criminal.

É certo que o artigo 9º da citada Lei estabelece que o BACEN e a CVM, no exercício de suas atribuições, deverão comunicar a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios de sua ocorrência ao Ministério Público, instruindo tal informação com a documentação pertinente.

2.4.1. SEMPRE OS MESMOS ÓRGÃOS TENTAM IMPEDIR A PLENA FISCALIZAÇÃO

Seguindo a linha de entendimento que já vinha sendo adotada anteriormente à vigência dessa norma, os órgãos acima citados, ao serem instados pelo MPF a encaminharem informações relativas a fatos que se encontravam sob investigação, com o resguardo dos dados bancários, que poderiam ser submetidos a posterior requerimento judicial, informaram que o encaminhamento dessas informações apenas ocorreria no momento que entendessem caracterizados indícios da prática de crimes, na forma do artigo 9º, vez que o artigo 3º da referida Lei Complementar não teria disciplinado as requisições do Ministério Público dentre as possibilidades de afastamento do sigilo.

Tal posicionamento mostra-se inconstitucional, por infringir o disposto no artigo 129, inciso VI da Magna Carta e ilegal, vez que também vulnera os preceitos normativos da LC 75/1993, do mesmo patamar hierárquico da lei de regência do sigilo bancário.

O artigo 9º da LC 105/2001 [o artigo 7º da Lei 4.729/1965] e o artigo 28 da Lei 7.492/1986, estabelecem, como cláusula de fechamento do sistema que disciplinam, a obrigatoriedade de os órgãos públicos comunicarem ao titular da ação penal a ocorrência de fatos passíveis de apuração criminal. Todavia, não se pode admitir, sob pena de se privar o Ministério Público da sua função constitucional de conduzir, juntamente com o aparelho policial, as investigações e formar a opinio delicti dos fatos sob apuração, que o atendimento às requisições ministeriais esteja sujeito ao crivo discricionário do órgão administrativo que apenas encaminhará a documentação requisitada quando verificar a ocorrência de crimes.

2.4.2. SEGUNDO OS DIRIGENTES DE ALGUNS ÓRGÃOS PÚBLICOS ALGUMAS LEIS SÃO "LETRAS MORTAS"

Os órgãos públicos acima citados fazem tabula rasa ["página em branco", "folha de papel em branco" ou "regras sem valor"] do princípio geral do direito relativo à independência das instâncias civil e penal, sobretudo ao se considerar que, ainda que determinado fato não seja devidamente apurado na esfera administrativa, poderá ser submetido à apuração criminal, com a deflagração de ação penal e até mesmo a condenação de seus autores, possibilitando ao Juízo Criminal adotar, como efeito da condenação, diversas medidas que interferem na própria seara administrativa, como, por exemplo, a perda do cargo público.

O artigo 9º [da LC 105/2001] impõe a obrigatoriedade de comunicação, sob pena de responsabilização pessoal do servidor, quando a atividade administrativa fiscalizatória indicar a ocorrência de crimes. No entanto, não tem o condão de inverter a ordem constitucional e processual vigente, que possibilita o acesso pelo órgão do parquet [Ministério Público] às informações que entenda pertinentes à condução das investigações e transportar tal atribuição ao próprio órgão fiscalizador, sobretudo em face de situações que apontam para a conivência e participação desse mesmo órgão nos fatos apurados.

A interpretação teleológica e finalística da citada norma resultam nessa conclusão. Assim, o artigo 1º, que define como regra geral a obrigatoriedade de preservação do sigilo das operações realizadas pelas instituições que discrimina, já estabelece, como exceção a essa regra geral, a comunicação, às autoridades competentes, de prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvem recursos provenientes de qualquer prática criminosa (art. 1º, parág. 3º, IV).

Já o parágrafo 4º dessa norma, de natureza interpretativa e com efeitos declaratórios da extensão e finalidade do afastamento do sigilo, estabelece que a sua quebra poderá ocorrer em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, atribuindo especial atenção a crimes considerados de extrema gravidade no atual contexto histórico de nossa sociedade, dentre os quais, aqueles que atingem o sistema financeiro nacional, a Administração Pública, a ordem tributária e a previdência social e a lavagem de dinheiro.

Ressalte-se que os ataques à Lei Complementar 105/2001 referem-se, precipuamente, à questão do acesso a dados e operações bancárias pelos órgãos encarregados da investigação administrativa e criminal de fatos que constituam ilícitos nessas esferas do Direito. Nesse aspecto, necessário que os operadores do Direito, notadamente o Judiciário e o próprio Ministério Público, estejam alertas em relação a discursos maniqueístas que, sob o enfoque da preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, estejam aptos a promover, senão garantir, a impunidade dos autores de crimes que atentam contra a sociedade como um todo, causam lesões de extrema gravidade e se escondem nas arestas criadas pelo sistema, a fim de impedir a sua efetiva e exemplar punição.

O Sigilo Bancário, até janeiro de 2001, tinha como finalidade precípua o acobertamento dos crimes praticados no sistema financeiro por sonegadores de tributos, entre outros criminosos.

Os cidadãos cumpridores dos seus deveres e obrigações com o Estado têm seus dados sigilosos diuturnamente divulgados com base em normas expedidas pelo CMN - Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil.

2.4.3. OS PROBLEMAS ENFRENTADOS PELOS INFELIZES INADIMPLENTES

Não se verificou, até o momento, o enfrentamento da matéria referente ao afastamento de dados bancários, cadastrais, pessoais, etc, relativamente a indivíduos que, por diversos motivos, não conseguem adimplir suas dívidas, tendo seus nomes e diversas outras informações lançados em cadastros de instituições bancárias, empresas comerciais, etc, que são fornecidos ao público em geral sem qualquer restrição e, até a promulgação da LC 105/01, sem qualquer amparo legal.

Assim, a troca de informações entre instituições financeiras para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco e o fornecimento de dados constantes de cadastros de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes a entidades de proteção ao crédito, também não constitui quebra do sigilo bancário, segundo estabelecido no parágrafo 3º, incisos I e II da citada norma.

Relevante observar que essa “troca de informações” não ocorre entre órgãos públicos ou tais dados são manuseados por servidores públicos que respondem civil e penalmente pelos seus atos, ou pelo próprio Ministério Público, na defesa da sociedade, mas sim, por particulares, com a finalidade precípua de resguardar os interesses estritamente privados.

A LC 105/2001 não representa a solução para todos os entraves jurídicos e operacionais enfrentados pelo aparelho investigativo estatal na elucidação dos crimes, mas constitui um grande avanço nessa difícil batalha, sendo que caberá ao Supremo Tribunal Federal declarar, com base na análise de todos os aspectos já suscitados e outros não levantados neste trabalho, se o interesse público deverá se sobrepor ao privado, mantendo-se a separação das funções estatais, de forma que a investigação administrativa e criminal, com a utilização de informações bancárias, constitua um poder-dever do Estado - Administração no combate ao crime, respeitados os limites estabelecidos pela própria norma e seus regulamentos.

3. DIFICULDADES OPERACIONAIS NA INVESTIGAÇÃO DE CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E OUTROS

  1. CADASTRAMENTO NACIONAL DAS CONTAS BANCÁRIAS
  2. A DENÚNCIA DEVE SER FEITA PELA INSTITUIÇÃO QUE NO PASSADO ERA CONVIVENTE COM O CRIME
  3. VOLTANDO AO CADASTRAMENTO NACIONAL DAS CONTAS BANCÁRIAS
  4. O IMPORTANTE LOBBY DOS SONEGADORES DE TRIBUTOS
  5. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICAS
  6. LAVAGEM DE DINHEIRO, EVASÃO DE DIVISAS E SONEGAÇÃO FISCAL

A par de todos os entraves jurídicos já suscitados, necessário ressaltar que, no campo processual e mesmo instrumental, são enfrentados problemas de todas a natureza, sobretudo de estrutura adequada para a elucidação desses ilícitos, os quais, conforme salientado, são praticados de forma elaborada e com todo o auxílio técnico que o dinheiro pode proporcionar.

3.1. CADASTRAMENTO NACIONAL DAS CONTAS BANCÁRIAS

Assim, superada a questão referente à possibilidade de acesso aos dados bancários, o primeiro problema enfrentado na apuração do crime trata-se da inexistência de um cadastro nacional de contas e demais operações financeiras, o que torna praticamente impossível a averiguação completa do universo de operações relativas aos fatos investigados, limitando-se o Banco Central, ao receber uma determinação judicial de acesso às informações bancárias, a retransmitir essa ordem via sistema, a fim de que as instituições financeiras informem ao Juízo ou mesmo ao Ministério Público a existência de movimentações e encaminhe os documentos pertinentes.

3.2. A DENÚNCIA DEVE SER FEITA PELA INSTITUIÇÃO QUE NO PASSADO ERA CONVIVENTE COM O CRIME

A experiência tem demonstrado que tal mecanismo é ineficiente e inseguro, pois transfere à instituição financeira que mantém as contas sob apuração a responsabilidade de informá-las e remeter os respectivos documentos, sem a previsão de qualquer penalidade para eventual não atendimento. Em regra, as instituições informam, de forma célere, que nada possuem relativamente aos fatos investigados. Todavia, em situações de maior relevância, inclusive quanto ao volume movimentado, as informações são incompletas, os documentos são ilegíveis e, em determinados casos, algumas contas ou operações sequer são informadas, demandando um grande trabalho de cruzamento de dados para a verificação que os informes estão incompletos.

3.3. VOLTANDO AO CADASTRAMENTO NACIONAL DAS CONTAS BANCÁRIAS

No desempenho da sua função de controle e fiscalização da atividade financeira, apresenta-se imprescindível a instituição, pelo BACEN, de um cadastro nacional de contas e também, a previsão de meios operacionais mais céleres e adequados para a análise e rastreamento de movimentações bancárias, devendo tais informações ser encaminhadas pelas respectivas instituições em meio magnético compatível à leitura e processamento pelo Departamento de Polícia Federal e pela própria Receita Federal.

Foi instituída obrigatoriedade do Cadastramento de todas as contas bancárias.

3.4. O IMPORTANTE LOBBY DOS SONEGADORES DE TRIBUTOS

O volume de documentos produzido em cumprimento à ordem de afastamento do sigilo torna praticamente impossível a adequada análise dessas informações e o cruzamento de dados.

Outro aspecto de extrema relevância nessas apurações, trata-se da adequada estruturação do Setor de Perícia da Polícia Federal para o desenvolvimento de perícias em área de informática, contabilidade, economia, finanças públicas e privadas, cruzamento de dados bancários, etc.

Diante do pequeno corpo técnico com especialidade nessas áreas, da grande demanda de sua atuação e inexistência da adequada infraestrutura material e tecnológica, torna-se extremamente difícil desvendar todos os aspectos que envolvem a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro, dentre outros.

3.5. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÃO TELEFÔNICAS

Nesses mesmos termos, apresenta-se de grande relevância na apuração dos ilícitos já citados, a interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas. O primeiro obstáculo que surge a partir do deferimento da ordem judicial, refere-se à operacionalização dessa medida, que se tornou extremamente difícil com a nova estrutura do sistema de telefonia nacional, diante da existência de diversas operadores de telefones móveis e fixos; das diferentes estruturas técnicas operacionais de cada uma, bem como da existência de aparelhos que não permitem a identificação do seu usuário, tais como os [telefone celulares] pré-pagos.

Torna-se necessário que o agente regulador dessa atividade adote medidas para uniformizar a prestação desse munus público [obrigação decorrente de lei ou de sua regulamentação], inclusive sob o aspecto da informação de registros de comunicações, que deveriam constar de meios magnéticos, pois, se não houver uma política de combate ao crime que conte com o aparato técnico dessas empresas, notadamente quanto à disponibilização de linhas para a interceptação e das informações documentais pertinentes, tornar-se-á praticamente impossível a elucidação de algumas atividades criminosas.

Depois de 2001, ano em que foi escrita esta monografia, as normas expedidas por nossas autoridades federais, passaram a exigir a identificação de todos os proprietários de telefones celulares pré-pagos.

Mas, tal como vinha acontecendo no sistema financeiro, é bem possível que muitos telefones celulares estejam em nome de "testas-de-ferro" ou "laranajas", assim como acontece com todas as empresas constituídas em paraísos fiscais e também com algumas constituídas no Brasil.

3.6. LAVAGEM DE DINHEIRO, EVASÃO DE DIVISAS E SONEGAÇÃO FISCAL

No que se refere especificamente à lavagem de dinheiro [Lei 9.613/1998], evasão de divisas [Lei 7.492/1986] e sonegação fiscal [Lei 4.729/1965 e Lei 8.137/1990], é certo que vultosas quantias são movimentadas em diversas contas, que transitam internamente no país em nome, em regra, de “fantasmas” ou “testas de ferro” e, em determinado momento, são remetidas ao exterior, tendo como beneficiárias pessoas físicas ou até mesmo jurídicas, residentes ou domiciliadas em paraísos fiscais.

Nesse aspecto, imprescindível a efetiva aplicação dos acordos de cooperação internacional que possibilitem a localização do dinheiro indevidamente enviado ao exterior; dos criminosos foragidos do país; de investigados e demais agentes residentes no país ou no exterior, que tenham envolvimento com os fatos apurados.

Tal mecanismo ainda se mostra burocrático e demorado, dependendo do cumprimento de inúmeras formalidades, ensejando, em determinadas situações, o transcurso do momento adequado para a prática de determinado ato, sendo efetivado, em regra, por meio de cartas rogatórias.

Tal quadro tem sofrido algumas alterações, diante da existência de política internacional de combate ao crime organizado, com especial atenção ao tráfico de entorpecentes e à lavagem de dinheiro, como demonstra recente Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, firmado entre o Brasil e os EUA, aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 262/2000.

A implementação de meios técnicos adequados à apuração de ilícitos deve acompanhar o progresso tecnológico, bem como os métodos de que se valem os criminosos em sua atuação, sob pena de se mostrar o Estado totalmente desestruturado no combate ao crime organizado em suas mais diversas modalidades.

A partir de 2003 passaram a ser registradas no CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas todas as empresas de Paraísos Fiscais e de outros países que movimentavam as contas bancárias de não residentes conhecidas com "CC5". Tais empresas foram obrigadas a apresentar representantes legais no Brasil.

Os pertinentes normativos na esfera do Banco Central do Brasil já existiam desde 1999, porém, não eram aplicados aos não residentes de Paraísos Fiscais que mantinham as contas "CC5". Veja o MNI 2-1-29.

Também foram cadastradas todas as pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, especialmente as que mantinham e ainda mantém as contas bancárias conhecidas como CC5, proprietárias de bens móveis (automóveis, embarcações, aviões, entre outros) e imóveis, direitos e valores (mobiliários ou em dinheiro) no Brasil.

A partir de março de 2005, quando foi expedido o RMCCI sobre Câmbio e Capitais Internacionais, ficaram proibidas as remessas para o exterior por intermédio das contas bancárias de não residentes. Este foi o grande marco do combate à Lavagem de Dinheiro e à Evasão de Divisas.

4. CONCLUSÃO

Concluindo o presente estudo, em síntese, pode-se afirmar que:

  1. O Ministério Público, enquanto titular da ação penal, tem o poder-dever de participar ativamente das investigações de ilícitos, seja diligenciando diretamente para sua elucidação, através da requisição de documentos e informações, oitivas de investigados e testemunhas, diligências externas, pedidos de busca e apreensão, requisição de perícias, etc; ou atuando conjuntamente com a Autoridade Policial;
  2. A única forma de se impedir ou, ao menos atenuar, o controle “político” e discricionário na comunicação de crimes, trata-se do acesso, pelo órgão do parquet, a todos os processos ou procedimentos administrativos dos órgãos públicos já citados (COAF, BACEN, CVM, etc), a partir da conclusão da equipe técnica respectiva pela configuração de infração administrativa. Compete unicamente ao Ministério Público, a partir das apurações cabíveis, verificar se essas infrações também configuram ilícitos criminais;
  3. A partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988, a interpretação majoritária dos Tribunais, inclusive do STF, firmou-se no sentido de ser admissível o afastamento do sigilo de dados bancários para fins de investigação criminal, mediante prévia autorização judicial.
    Com a edição da LC 105/2001, que revogou o artigo 38, da Lei 4.595/1964, os critérios de interpretação dos dispositivos constitucionais que garantem a inviolabilidade do sigilo, mas que também impõem a supremacia do interesse público e social em face do interesse privado (ponderação de interesses), enseja a conclusão quanto à constitucionalidade do disposto na LC 105/2001;
  4. O artigo 9º da LC 105/2001 impõe aos órgãos encarregados do controle e fiscalização de atividades financeiras, a obrigatoriedade da comunicação de fatos passíveis de configuração de crimes ao Ministério Público;
    Por outro lado, o disposto nos artigos 129, inciso VI da CF; no artigo 8º da LC 75/1993 e no próprio artigo 1º, parágrafo 3º, inciso IV da LC 105/2001, conferem ao órgão do parquet a possibilidade de requisição de toda a documentação necessária à condução de investigações criminais;
  5. A LC 105/2001 afronta os princípios constitucionais expressamente consignados no caput do artigo 37 da Magna Carta, notadamente o princípio da publicidade de todos os atos e procedimentos que envolvam bem ou interesse público, quando exige prévia autorização judicial para o acesso a informações e documentos sigilosos referentes à conduta de servidor público, quanto à prática de infrações no exercício de sua função (art. 3º, parág. 1º) e quando impede que a Receita Federal, nos termos disciplinados no artigo 5º, obtenha informações referentes a operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
  6. Com fundamento na mesma interpretação vigente até a edição da LC 105/2001, quanto à preservação da intimidade, vida privada, honra, etc, garantias fundamentais do indivíduo, verifica-se que a norma do artigo 1º, parágrafo 3º, incisos I e II da citada lei, que torna legítima a troca de informações e fornecimento de dados, inclusive bancários, entre instituições financeiras, centrais de risco, cadastro de emitente de cheques sem fundos e devedores inadimplentes e entidade de proteção ao crédito, de fato afronta as garantias acima referidas e à própria dignidade da pessoa humana, diante das consequências que ocasionam, nem sempre proporcional ao dano causado, e dos interesses que protegem, unicamente privados e patrimoniais.
  1. Lei 9.430/1996 (artigo 83)
  2. Lei 9.639/1998 (artigo 11)
  3. Lei 9.964/2000 (artigo 15)

Lei 9.430/1996 (artigo 83): A inconstitucionalidade narrada em parte foi corrigida pelos parágrafos 3º e 4º incluídos pela Lei 12.382/2011.

Redação Original:

  • Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
  • Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.

Nova Redação:

  • Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei 12.350/2010)
  • § 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
  • § 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
  • § 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
  • § 4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
  • § 5º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento. (Incluído pela Lei 12.382/2011)
  • § 6º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz. (Renumerado do Parágrafo único pela Lei 12.382/2011).

Lei 9.249/1995:

  • Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Lei 9.639/1998 (artigo 11):

  • Art. 11. São anistiados os agentes políticos que tenham sido responsabilizados, sem que fosse atribuição legal sua, pela prática dos crimes previstos na alínea "d" do art. 95 da Lei nº 8.212, de 1991 [alínea e caput REVOGADOS pela Lei 9.983/2000, que alterou o Código Penal incluído artigos para combate às fraudes contra a Previdência Social], e no art. 86 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960.

Lei 3.807/1960:

  • Art. 86. Será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na época própria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às instituições de previdência e arrecadadas dos segurados ou do público.
  • Parágrafo único. Para os fins deste artigo, consideram-se pessoalmente responsáveis o titular da firma individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores das empresas incluídas no regime desta lei.

Lei 9.964/2000 (artigo 15):

  • Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.
  • § 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
  • § 2º O disposto neste artigo aplica-se, também:
  • I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei;
  • II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.
  • § 3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal.






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