A CRISE DE CREDIBILIDADE DA GOVERNANÇA CORPORATIVA
APESAR DE TUDO, DE DEZ/2002 A DEZ/2016 NADA MUDOU - A PILANTRAGEM MODERNIZOU
São Paulo, 10/12/2016 (Revisada em 20-02-2024)
2. O Contexto
SUMÁRIO:
Edição do texto original para colocação de negritos, endereçamentos, observações e notas por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
2.1. A Visão de Galbraith
“Uma ganância infecciosa parece ter tomado conta de nossa comunidade empresarial. Nossos guardiões históricos das informações financeiras sumiram.” Allan Greenspan, presidente do Federal Reserve System.
Galbraith (1992) retratou com vivacidade de cores os diversos casos de “exuberância irracional” ocorridos no passado, desde:
A história desses episódios mostra que sua ocorrência faz com que os investidores lesados se retraiam em seguida a uma crise, até que esqueçam ou sejam substituídos por novos investidores [incautos ou iludidos].
Algum tempo depois, a volta de indicadores otimistas [novamente manipulados pelos pilantras que sempre atuam com o intuito de iludir os incautos] torna a estimular a cobiça dos investidores induzindo-os a aproveitar as novas oportunidades de obter ganhos fáceis, num ciclo fundamentado, em grande parte, na dissonância cognitiva.
Com a [artificial] recuperação do mercado acionário americano depois da crise de 1987, as condições para a eclosão de um novo surto [de pequenos investidores enganados] se fizeram presentes, acentuando-se a partir de 1995.
Houve forte demanda pelas ações das empresas da Nova Economia, crescimentos exponenciais nos preços e ações valorizadas em centenas de vezes o lucro do último ano; a reboque, ocorria crescente disseminação de práticas contábeis criativas e, em alguns casos, episódios de complacência dos auditores externos [principalmente os multinacionais, conhecidos como BIG FOUR].
Na ausência de regras claras e de informações transparentes, os investidores, muitos com reduzida familiaridade com as regras e o funcionamento do mercado e das empresas, começaram a se guiar por oráculos que previam um novo mundo [utilizando-se da propaganda veiculada pelos mercenários da mídia].
As empresas integrantes da Nova Economia seriam regidas por outros paradigmas: os avanços trazidos por tecnologias inovadoras em diversos campos, liderados pelas áreas de tecnologia digital e de biotecnologia, trariam maior dinamismo para as áreas afins, como as de comércio pontocom [vendas pela internet], telecomunicações, mídia e entretenimento.
O otimismo dos primeiros anos de uma economia em crescimento estável começou a ser substituído pela escalada de expectativas. Com ela, veio um aumento de pressão sobre executivos e empresas para atender à demanda do mercado por números do mercado financeiro [obviamente manipulados por meio da contabilidade criativa].
As empresas que [em 2002] apresentavam problemas – e algumas das quais estavam no centro dos escândalos – pertenciam a dois setores específicos: eletroeletrônico e empresas pontocom, nos quais os ciclos curtos da tecnologia dos produtos e a criação de marcas fortes e canais de distribuição exigiam crescentes investimentos; e energia e telecomunicações, nos quais a desregulamentação [ou autorregulação dos mercados globalizados] promovida nos últimos anos do Século XX foi muito forte.
Para exemplificar esse processo, naquele início do Século XXI foi escolhido o setor de telecomunicações, do qual emergiu a maior concordata [atual Recuperação Judicial disposta na Nova Lei de Falências], no qual [setor] existia [em 2002] e ainda existe [em 2016] grande número de empresas em dificuldades [financeiras = insolventes].
NOTA DO COSIFE:
Veja em Uso de Debêntures para Reestruturação de Dívidas em 2016, ano em que também se nota a insolvência dos bancos credores, tal como aconteceu na Europa em 2011 e nos STATES em 2008.
No Brasil o CMN - Conselho Monetário Nacional expediu a Resolução CMN 4.502/2016 (DOU 04/07/2016) estabelecendo os requisitos mínimos a serem observados na elaboração e na execução de planos de recuperação por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
No final dos anos 1990, acreditou-se que o setor era caracterizado pela convergência tecnológica de mídias distintas e pela tendência de forte crescimento dos negócios; (1) e que a análise de empresas do setor exigia novos indicadores financeiros, pois os tradicionais revelavam-se obsoletos para sinalizar a nova situação.
A crença no forte crescimento dos negócios criou uma lenda constituída pela estatística predileta do setor: o tráfego na internet dobrava a cada cem dias. (2)
Todo o setor de telecomunicações entrou num processo frenético de aquisições [incorporações para formação de cartéis] e de construção de redes, preparando-se para um dilúvio de usuários que nunca chegou. O resultado foi a existência de uma crescente capacidade excedente e, em decorrência disso, preços baixos demais para sustentar a lucratividade. (3)
NOTA DO COSIFE:
No Brasil, durante o no Governo FHC, os mentores da privatização das nossas empresas estatais acreditavam nas megalomaníacas previsões feitas por empresas estrangeiras contratadas para analisar o nosso mercado consumidor.
Os nefelibatas estrangeiros achavam que o salário médio dos brasileiros era igual ao dos trabalhadores dos países desenvolvidos. Diante desse inconcebível erro de previsão, faltaram consumidores com o necessário poder aquisitivo para absorver a TV a Cabo.
Ainda diante desses erros de avaliação ou de previsão, foram artificialmente aumentados os custos operacionais das novas empresas formadas por aqui, inclusive na telefonia celular, sob a falácia de que a concorrência diminuiria os preços ao consumidor.
Mas na prática, várias empresas operando numa mesma região gerou a falência de muitos PRIVATAS (os corsários das privatizações), porque amargaram enormes prejuízos, fora os desfalques por superfaturamento de compras, obtenção de dinheiro por meio da venda do patrimônio público (da empresa estatal) e por má administração.
Os ditos empresários (os PRIVATAS) eram apenas aventureiros, capitalistas sem capital. Por isso, precisavam de financiamento direto ou indireto do próprio governo ou a obtenção do falso capital estrangeiro pertencente a sonegadores de tributos brasileiros, que internacionalizaram seus recursos financeiros obtidos na ilegalidade. Depois de efetuada a Lavagem do Dinheiro Sujo em empresas fantasma constituídas em Paraísos Fiscais, o "dinheiro limpo" voltava ao Brasil como capital estrangeiro.
Com várias empresas atuando numa mesma localidade, especialmente na área das telecomunicações, o custo fixo de implantação das redes individuais foi multiplicado pelo número de empresas existentes, visto que cada uma devia ter a sua própria rede, conforme estipularam os incompetentes mentores das privatizações.
Assim, o pequeno número de clientes com o poder aquisitivo necessário foi divido entre todas as empresas e, consequentemente, o preço a ser pago pelo usuário final tornou-se bem maior que o normal.
Desse modo, o Brasil passou a ter o maior preço para os consumidores das telecomunicações em comparação com o cobrado no resto do mundo, segundo alguns críticos das barbaridades feitas no Governo FHC.
Na verdade, diante do menor poder aquisitivo da população brasileira, seria mais lógico e realista o Monopólio Natural exercido pelas Estatais. Com a existência de uma única empresa bastava instalar apenas uma rede de distribuição e o número de consumidores seria bem maior porque o preço final dos serviços prestados também seria menor, ao contrário do que diziam os incompetentes mentores da privatização dos serviços públicos.
Nos países desenvolvidos, a produção em grande escala é reconhecidamente a que resulta em produtos ou serviços mais baratos. No Brasil foi feito o inverso. A produção foi dividida entre muitas empresas, todas elas com altos custos fixos e, consequentemente, com maiores preços a serem pagos pelos consumidores, tal como se observa na prática.
De outro lado, as Empresas Estatais eram importantes agentes arrecadadoras do ICMS (imposto estadual). Assim, com a privatização das empresas, também foi privatizada a arrecadação.
Como a privatizadas tornaram-se insolventes, em razão da falta de consumidores com o necessário poder aquisitivo, obviamente os tributos arrecadados pelas empresas privatizadas deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos, o que se constitui em crime de apropriação indébita. Mas, ninguém foi preso e condenado por tais atos. Pelos nossos leais legisladores foram criadas leis de incentivo ao Parcelamento da Dívida Ativa.
Então, em razão dessa falta de visão macroeconômica dos defensores desses inescrupulosos empresários, resultaram os défices orçamentários estaduais e também os federais e municipais.
Desse mesmo jeito aconteceu nos países desenvolvidos, mas por outro motivo, que foi o da fuga das grandes empresas privadas ou privatizadas para paraísos fiscais.
As pressões das empresas norte-americanas, dos demais países e do Brasil para ocupar a capacidade instalada, no entanto, exigiam atingir elevadas taxas de crescimento com distribuição de renda ao trabalhador, que é o principal consumidor. Porém, sem salários adequados, o Povão não tinha condições de consumir pelos altos preços fixados. Assim sendo, as empresas logo tiveram péssimos resultados.
Nos EEUU, empresas como Global Crossing e Qwest passaram a recorrer a “trocas vazias” (3A) e outros truques para inflar as estatísticas de vendas e de tráfego. Eram mentiras criadas para iludir e conquistar incautos investidores. A conseqüência dessa ilusão em massa foi que as ações das empresas de telecomunicações dispararam no final dos anos 1990 juntamente com as das pontocom [Vendas pela Internet].
(3A) NOTA DO COSIFE:
TROCAS VAZIAS seriam vendas entre empresas ligadas ou indiretamente ligadas.
No Brasil essa prática não seria efetuada por causa incidência dos ICMS - Imposto sobre a Circulação de Mercadorias sobre as vendas de mercadorias. Entretanto, engenhosamente poderia ser efetuada porque tal tributo não é cumulativo. Nesse sistema adotado no Brasil, a empresa credita-se do imposto pago (Crédito Tributário) para ser compensado com imposto incidentes sobre as vendas efetuadas.
Nos demais países o mesmo tipo de tributo é cumulativo. Assim sendo, quanto maior for o número de intermediários entre o produtor e o consumidor, maior será o tributo pago.
Ainda no Brasil, a fabricação de lucros ou prejuízos (troca de resultados entre empresas) é efetuada mediante operações no sistema financeiro e nas bolsas de valores e de mercadorias e futuros. Mediante essas operações, empresas com prejuízo no exercício fiscal presente, obtêm lucros fictícios, transferindo, assim, o seu prejuízo para outra empresa que tenha altos lucros. No exercício fiscal seguinte é efetuada a operação inversa.
A Nova Economia [das mais altas pilantragens] estabeleceu um paradigma para a avaliação dos negócios: os intangíveis [aquilo que não existe fisicamente] constituídos pelas marcas, clientes (ou tecnologias que as empresas de alta tecnologia desenvolveram) passaram a constituir seus ativos mais importantes, tomando lugar das fábricas e das máquinas declaradas como patrimônio em suas demonstrações contábeis.
Os padrões contábeis tradicionais [veja na NBC-TG-04 - Intangível - Reconhecimento de Despesa - itens 68 a 71] exigem que os gastos em pesquisa para criar software ou em marketing para construir a marca sejam registrados como custos correntes, gerando prejuízos aparentes.
Para algumas dessas empresas, tais gastos podiam ser entendidos como ativos intangíveis recuperáveis em períodos futuros, ou seja, seriam investimentos efetivamente. Para a maioria das empresas, no entanto, esses gastos eram despesas realmente.
Esse fato tornou alguns indicadores financeiros, como a relação preço/lucro, inadequados para os investidores que pretendiam investir nessas empresas. Os balanços elaborados com base em critérios convencionais seriam “pouco confiáveis” para balizar decisões de investimento envolvendo empresas de alta tecnologia.
Nos anos 1990, por falta de parâmetros e num ambiente de ganhos fáceis, o mercado acabou valorizando demais esses intangíveis, o que gerou uma enorme discrepância entre a avaliação das empresas, feita por um mercado ávido, e o que elas representavam, de fato, em termos de retorno econômico. A avaliação sobreestimada dessas empresas também foi auxiliada, em alguns casos, pela conduta antiética de alguns executivos – detentores de opções de ações (stock options) – que ao manipular os resultados contábeis subverteram sua finalidade principal. (4)
NOTA DO COSIFE:
Porém, esses mecanismos de governança corporativa incentivavam as fraudes contra investidores que de fato ocorreram em grande escala.
STOCK OPTIONS - Opções de Ações - A NBC-TG-10 - Pagamentos Baseado em Ações regulamenta e apresenta exemplos práticos sobre a contabilização de contratos firmados por entidade juridicamente constituída, através do qual pode fixar o pagamento de determinado valor a terceiros por meio de Ações em Tesouraria ou de Ativos disponíveis para venda.
Esse contexto contribuiu para a intensificação do uso da “contabilidade criativa” e da “contabilidade pro forma” para melhorar os resultados [Manipulação de Demonstrações Contábeis = Embelezamento de Balanços], o que teve conseqüências desastrosas por duas razões: as manipulações contábeis acabaram vindo à luz, e a elaboração de previsões, num ambiente de fortes pressões por boas notícias, resultou em projeções que embutiam um elevado nível de otimismo e auto-engano.
NOTA DO COSIFE:
Nos Estados Unidos esses fatos foram transformados em notícia tal como no Brasil na década de 1990. Porém, os auditores do Banco Central do Brasil, por volta de 1978 (vinte anos antes), já apuravam fatos idênticos no Brasil, nas instituições do sistema financeiro.
Os antigos inspetores do BACEN por incapacidade técnica e científica (porque não eram contadores) nunca encontraram vestígios de tais irregularidades, embora elas existissem. Por isso, em 1976 foram contratados os auditores, por concurso público.
Os fatos irregulares não foram divulgados antes de 1990 porque, segundo os dirigentes do Banco Central e também do seu departamento jurídico, o artigo 38 da Lei 4.595/1964 impedia a denúncia de tais atos irregulares e/ou criminosos aos demais órgãos governamentais nas suas respectivas esferas de atuação. Assim sendo, os relatórios com as irregularidades apuradas eram arquivados sem as providências cabíveis.
Somente a Resolução CMN 1.065/1985 mandava que as denúncias fossem efetuadas. Porém, não eram remetidos os documentos comprobatórios e os demais órgãos públicos não tinham autonomia nem funcionários com os conhecimentos necessários para efetuar as fiscalizações.
Em 1998 foi sancionada a Lei 9.613 de combate à Lavagem de Dinheiro e à Blindagem Fiscal e Patrimonial definida como "ocultação de bens, direitos e valores".
Somente em 2001 as Leis Complementares 104 e 105 (de flexibilização dos sigilos fiscal e bancário) foram sancionadas e somente a partir de 2003 tornou-se efetivo o intercâmbio de informações entre órgãos do sistema financeiro e Receita Federal, previsto no artigo 28 da Lei 6.385/1976.
Veja em Os Sigilos Bancário e Fiscal Facilitando a Sonegação Fiscal.
Isto significa dizer que um erro na formulação da pertinente legislação efetivamente impediu a fiscalização do sistema financeiro durante pelo menos quatro décadas.
O mesmo deve ter acontecido nos Estados Unidos, razão pela qual o SOX - Sarbanes-Oxley foi sancionado somente em meados de 2002, naturalmente com base no que havia sido feito no Brasil para sanar os problemas legislativos existentes.
Mas, a nossa Elite Vira-Lata não admite que o Brasil foi o pioneiro nesse tipo de fiscalização, que começou em 1978.
Veja o texto O Sigilo Bancário Como Incentivo à Sonegação Fiscal que foi publicado neste COSIFE em 2002, porém, era distribuído em apostilas de cursos ministrados para Auditores Fiscais da Receita Federal realizados na ESAF - Escola de Administração Fazendária do Ministério da Fazenda de 1984 a 1998.
No final de 1999, a SEC (Comissão de Valores Mobiliários americana) enviou um documento ao FASB (Conselho de Normas de Contabilidade Financeira), listando problemas nas práticas contábeis utilizadas pelas empresas digitais, pedindo ao órgão que estudasse meios de limitá-las.
No início do ano seguinte, os investidores foram tomando consciência do hiato existente entre as promessas e o retorno efetivo das empresas digitais. A crescente conscientização contribuiu para ajustar a percepção equivocada dos investidores, levando a uma queda generalizada nas cotações das ações e ao estouro da bolha especulativa, ocorrido em março de 2000.
Inicialmente, as empresas pontocom da Nova Economia sofreram contínua e acentuada desvalorização, seguidas daquelas que estavam na mesma cadeia produtiva – as empresas de telecomunicações e as de equipamentos para telecomunicações – ou as que operavam baseadas fortemente em ativos intangíveis, como as farmacêuticas e as de biotecnologia.
O escrutínio nas demonstrações contábeis dessas empresas passou a revelar, então, quão disseminada era a prática da “contabilidade criativa”. O surgimento de cada novo escândalo revoltava, de forma crescente, os investidores lesados, pois constituíam uma afronta aos valores de mercado. A credibilidade corporativa atingiu o seu nível mais baixo com o escândalo da WorldCom, trazendo consenso sobre a urgência de serem implementadas novas medidas legais de proteção aos investidores. Essas medidas se materializaram em 30 de julho com a promulgação, pelo presidente americano, da Lei Sarbanes-Oxley.
O presidente do Federal Reserve System (FED), o banco central americano, Allan Greenspan, diagnosticou uma ganância infecciosa, e apontou os culpados – advogados, auditores internos e externos, analistas de Wall Street, agentes de classificação de risco de crédito e fundos de investimentos de grande porte – denunciando o seu fracasso em detectar e denunciar aqueles que violaram o nível de confiança essencial ao bom funcionamento dos mercados.