AS ORIGENS DO CRASH DE 2008 - BANCARROTA NORTE-AMERICANA
O FRACASSO DAS TEORIAS NEOLIBERAIS
São Paulo, 04/06/2011
Referências: Depois da Globalização os Países Ricos Ficaram Pobres e Endividados, A Derrocada Financeira Norte-Americana - Socialização dos Prejuízos e Privatização dos Lucros, O Fracasso do Capitalismo Globalizado, A Crise de Insolvência dos Países Europeus, Excesso de Importações e Escassez de Exportações, Os Estados Unidos e a Conversão de sua Dívida Externa, Estatização - A Derrota do Capitalismo Privado, O Dólar Furado - Sem Lastro em Ouro e Reservas Monetárias, A Internacionalização do Capital Norte-Americano, O Desastre Cambial Brasileiro. Evasão Cambial e de Divisas para Paraísos Fiscais - As Ilhas do Inconfessável, As Bolsas de Valores, o Jogo e a Especulação - O Maior dos Cassinos.
Não foi a Primeira nem será a última crise financeira norte-americana.
AS ORIGENS DO CRASH DE 2008 - UMA TRAGÉDIA EM QUATRO ATOS
Por Bernardo Kucinski em 10/10/2008 . Extraído em 01/06/2011
Primeiro ato: 1970-1980; o sonho da casa própria
“ Lembra-se da “sociedade de proprietários”?... cada família teria a sua casa própria, com jardim e um carro ou dois na garagem, pelo menos dois filhos ... seriam nucleares ou pelo menos um casal heterossexual, e obviamente, conservadoras ...” Zachary Karabell, Newsweek
Embora o neoliberalismo como doutrina econômica seja uma fraude, já que seus adeptos recorrem ao Estado para socializar os prejuízos de suas desventuras, como conjunto de políticas públicas e filosofia de vida, o neoliberalismo tem concretude e datação. O crash começou ao rachar um de seus pilares: o mito da casa própria.
Tudo começou com a proposta dos primeiros governos neoliberais, Reagan nos Estados Unidos e Thatcher, na Inglaterra, de fazer de cada cidadão o feliz proprietário de uma sua casa. E por tabela, o proprietário de um carro, de ações na bolsa. "Nossas identidades se transformaram, começamos a nos ver como investidores, a comprar revistas sobre Dinheiro", diz Robert Shiller, da Newsweek.
Na origem das bolhas financeiras há necessariamente a concentração de renda em poucas mãos enquanto a maioria permanece pobre ou remediada. Não basta investir esse capital apenas na ampliação da produção de bens e serviços que essa mesma população, espoliada, não conseguirá comprar. Antigamente isso era parcialmente resolvido conquistando novos mercados consumidores, colonizando a África, a Ásia e as Américas do Sul e Central.. Mas com a globalização, não há mais “novos mercados” de dimensão significativa. Está tudo integrado.
O que fazer? A solução é comprar terras, imóveis, ações de empresas, títulos de bancos, o que for. Principalmente terras, propriedades. As maiores bolhas financeiras da história, nasceram de booms imobiliários. Imóvel é um objeto perfeito para a especulação porque há sempre uma demanda reprimida. Além disso é adquirido por poupanças de salários, mas tem o custo de um bem de capital, precisando ser financiado pelos capitalistas.
No boom, os preços começam a subir a partir de um aumento inicial na renda das pessoas ou parte delas. Além das novas moradias, uma parcela da classe média, quer elevar o padrão de sua moradia, passar de uma pequena para uma maior. A alta contínua dos preços atrai os especuladores e os bancos que passam a emprestar mais dinheiro à classe média e facilitar nas garantias.
Esta bolha não foi diferente. Começou com um boom no mercado imobiliário americano e a extravagância dos bancos que financiavam sem se preocupar com a seguranças dos empréstimos, além da garantia própria casa a ser comprada ou construída. Eram os empréstimos “sub-prime,”ou seja, com garantias insuficientes.
Mas o estoque de compradores não é infinito, nem sua renda segura. A economia tem ciclos de aumento e de redução do emprego. No início de 2007 o número dos que não conseguiam pagar as prestações aumentou. O que é pior, o valor das casas, que havia inchado, começou a cair . Mesmo se fosse tomado pelo banco o imóvel já não garantia o empréstimo original.
Nessa altura, muitos desses bancos já tinham passado suas carteiras de hipotecas para frente. Vendiam o pacote todo de contratos a bancos hipotecários maiores ,ou a fundos imobiliários criados pelos bancos de investimentos para aproveitar o boom. Se o primeiro banco ainda tinha alguma idéia da precariedade dos credores, esses fundos nem isso sabiam e não queriam saber. O que importava era entrar no boom, tirar vantagem. Quando os atrasos de pagamento aumentaram, em janeiro [de 2008], quebrou o banco hipotecário o Country Wide. Foi o primeiro furo na bolha.
A principal diferença entre esta bolha e as bolhas imobiliárias anteriores, é o seu tamanho astronômico estimado em dezenas de bilhões de dólares. Começa pelo tamanho do mercado imobiliário americano 17 milhões de novas residências construídas nos Estados Unidos nos últimos dez anos. Anos de relativa prosperidade, taxas baixíssimas de desemprego e juros quase zero. Basta 30% dos compradores interromperam suas prestações por de três meses e o rombo é de 30 bilhões de dólares É muito dinheiro.
Outro critério é o de estimar a perda patrimonial com a desvalorização média de 20% no preço médio das residências, segundo a Moody. Caso os bancos tenham retomado uma em cada dez, o que é uma hipótese extrema, a perda seria de 170 bilhões. É mais dinheiro ainda. Mesmo assim, não explica a dimensão alcançada pela derrocada dos bancos hipotecários e de investimentos.
Só o Wachovia, último dos bancos a quebrar, tinha US$ 312 bilhões em papéis ligados ao mercado imobiliário. O Lehman quando quebrou tinha outros US$ 110 bilhões de um rombo total de US$ 613 bilhões. Cada um dos outros que quebraram tinha também dezenas de bilhões do chamado “lixo tóxico” imobiliário. Houve uma multiplicação amebiana desses papéis, de tal modo que no momento do terremoto financeiro estavam circulando 8 trilhões de dólares em papéis ligados ao sistema habitacional, segundo Aluísio de Campos, economista de um instituto de Washington que há 25 anos acompanha esse assunto. A bolha imobiliária já tinha se descolado há muito tempo do mundo real das casas e suas famílias. Era uma bolha de vida própria, expandindo-se como uma galáxia, nos céus de Wall Street.
O mistério dessa galáxia em constante expansão se explica principalmente pela invenção pelos bancos do mercado de "derivativos financeiros". O lixo tóxico não era apenas imobiliário. O derivativo é uma transação cujo valor deriva de uma obrigação e não do valor de algum bem ou mercadoria. Por exemplo, um contrato pelo qual uma empresa se obriga a pagar a diferença dos juros que incidirem sobre determinada quantia se num determinado dia, escrito no contrato, os juros forem maiores do que X. O valor não existe porque só vai se definido no dia de vencimento do contrato. É a compra de uma aposta, não de um valor [Mercado de Opções de compra e de venda]. Os derivativos são sempre uma aposta.
É como dizer que se der vermelho eu te pago, se der preto você me paga. Por isso é tecnicamente correto chamar isso de cassino. E para que esse cassino possa funcionar, é preciso que os objetos da aposta, juros, cambio, cotações de commodities, oscilem e de modo imprevisível, caso contrário não dá jogo [Mercado de Índices e Mercado Futuro]. Por isso foi fundamental na inauguração dessa era do jogo, a derrubada do Tratado de Bretton Woods, que havia montado uma arquitetura financeira mundial com lastros bem definidos para moedas conversíveis, valor oficial para o ouro, taxas relativamente estáveis de câmbio e mecanismos para limitar oscilações.
Os fundos começam a aplicar recursos em contratos de derivativos, uns nos outros, multiplicando por cem, mil vezes o valor inicial da aplicação. Lawrence Pih estima em 460 trilhões de dólares o tamanho dessa bolha. Outros economistas como Luiz Gonzaga Belluzzo fazem estimativas da mesma ordem, mas a verdade é que ninguém sabe o seu tamanho, porque é da sua natureza não ter limites nem fronteira definida. Os principais fundos dessa galáxia são os fundos de hedge, ironicamente criados para dar proteção às empresas contra oscilações excessivas do mercado (hedge em inglês quer dizer proteção).
Outro papel exótico criado supostamente para dar proteção, mas que virou um instrumento de pura especulação, foi a Credit Default Swap (CDS), uma espécie de apólice de seguro que o devedor compra para fazer frente a uma eventual dificuldade de pagar uma prestação, mais ou menos como o seguro fiança comprado pelo locador de um imóvel no Brasil por exigência do locatário. Se o locador falhar, o seguro paga o aluguel, até o final do contrato.
O secretário executivo da Securities and Exchange Comission, Christipher Cox, estima em 62 trilhões de dólares, o montante dos CDS emitidos pelos bancos e seguradoras americanas. “Sem nenhum controle ou transparência,” diz ele. Aluizio Campos estimou em mais ainda, 64 trilhões. Isso é mais do que o dobro do valor total de todas as residências construídas em dez anos no país [USA]. Conclui-se que a maioria esmagadora desses CDS não eram garantia de contrato de pagamento fictícios. Papéis, apenas, sem nenhum lastro. Imprimiam e vendiam esses CDS como antigamente governos perdulários imprimiam dinheiro na casa da moeda [sem lastro em ouro e reservas monetárias, tal como sempre foi emitido o dólar depois de 1970, quando findo o "Padrão Ouro"].
Esses papéis é que acabaram por implodir a super-bolha e não o mercado imobiliário em si. A seguradora AIG tinha vendido aos fundos 400 bilhões de dólares em CDS dos quais apenas 50 bilhões para garantir hipotecas de alto risco..“ Os bancos centrais deixaram solta a capacidade do sistema de criar riqueza artificial em escala global e com significativa participação direta e indireta dos bancos. fora dos balanços dos bancos , fora da vista das autoridades reguladores e monetárias, como um sistema financeiro sombra, acusa José Carlos Braga, no jornal VALOR
A segunda característica desta bolha , depois de seu tamanho astronômico, é o papel central do governo chinês como principal agente, de concentração de riqueza em escala mundial. Nada menos que US$ 1,8 trilhão foram apropriados pelo Banco Central chinês através da super-exploração de seus trabalhadores [trabalho em regime de semi-escravidão] e transferido para bancos estrangeiros. Só em títulos do tesouro americano foram aplicados 580 bilhões de dólares, ajudando a financiar as guerras americanas de conquista. E as remessas do Banco Central chinês ao exterior continuam à razão de 277 bilhões de dólares por ano.
O mecanismo que torna isso possível foi a criação pelo Partido Comunista Chinês de um gigantesco parque de reprocessamento de matéria prima importada em produtos manufaturados para exportação de baixo custo graças a uma remuneração mínima - de mera sobrevivência - aos seus trabalhadores [semi-escravidão]. Esse processo gera: um excedente de valor considerável, parte dele reinvestido na própria China, permitindo a reprodução ampliada do sistema e parte na geração de um excedente em moeda forte, aplicado em sua maior parte nos títulos do tesouro americano. O nosso Banco Central também canalizou US$ 200 bilhões para bancos americanos e títulos do tesouro americano. Tudo isso constitui a gigantesca dívida externa do governo americano, da ordem de 1,3 trilhões de dólares. [Na verdade a dívida externa norte-americana corresponde à totalidade dos dólares em circulação no mundo, que atinge mais de 60 trilhões de dólares - soma das dívidas externas dos países filiados ao FMI -cujos credores são pessoas físicas e jurídicas ocultas em paraísos fiscais]
A terceira característica desta bolha é o domínio do jogo. Especulação é sempre uma disputa entre duas apostas, dois jogadores. O neoliberalismo só acirrou essa postura, com sua ética de competição e busca do sucesso pessoal acima de tudo. Surgiu assim uma nova estirpe de croupiers financeiros, os gerentes de investimento, craques da especulação, aquinhoados pelos bancos com prêmios por desempenho..Como ganham quando a aposta dá certo, mas não perdem quando dá errado, e o dinheiro é de terceiros, são estimulados a arriscar cada vez mais. Os cinco maiores de Wall Street, incluindo os três que quebraram, haviam pago a seus funcionários 39 bilhões em prêmios em 2007, uma vez e mais o que já haviam pago em salários regulares.
O risco e não a prudência passaram a ser a regra do jogo. Nunca a palavra "cassino financeiro", usada por Lula aplicou-se tão bem. "Enquanto os reguladores dormiam no volante os fundos de hedge e especuladores transformaram o mercado num cassino,.disse o candidato republicano á presidência MacCan". Como os alquimistas da idade média que acreditavam poder transformar o mercúrio em outro, os especuladores financeiros desses mercados de derivativos procuram transformar papéis em dinheiro. Exatamente como acontece com os jogadores, esses especuladores se viciam, tornam-se obsessivos por ganhos cada vez maiores e se conduzem de modo cada vez mais perigoso e ilusório.
O herói dessa era do jogo é George Soros, que conseguiu quebrar o banco da Inglaterra, especulando contra a libra esterlina. Ou seu discípulo Armínio Fraga, que mesmo no pico da crise, está ganhando dinheiro com seu fundo Gávea enquanto até mesmo outros mega especuladores, como Luiz Carlos Mendonça de Barros e Goldjan, amargam perdas. George Soros atribui seu sucesso a uma profunda percepção da própria falibilidade [possibilidade de falir, quebrar]. Dostoievski, viciado no jogo, já dizia que o segredo para ganhar estava no autocontrole em todas as etapas do jogo. Nesse sentido, pode-se interpretar o cataclismo de Wall Street como a derrota dos especuladores em seus próprios termos, por perderem o sentido dos limites da sua falibilidade.
A quebra dos bancos demonstrou incompetência profissional. Foram os croupiers que quebraram a banca e não os clientes do cassino. Mas não se tratou apenas de falha individuais ou deficiências morais dos atores, como observa Robert Kurz. Houve um colapso geral tanto subjetivo, do princípio da falibilidade, quanto do objetivo, os instrumentos matemáticos de computação supostamente equipados para analisar riscos. [Agências de Rating = Agências de Classificação de Risco; Risco Sistêmico = ocorrência de falências encadeadas, em série ou em cadeia]
Se a hegemonia do capital financeiro o leva a todos interstícios da sociedade, seus traços dominantes nesta etapa, o domínio do jogo e da especulação também acompanham essa penetração. A sedução do jogo envolveu até gerentes de empresas industriais, como os da Sadia, que 670 milhões de reais apostando em derivativos e a Aracruz, que perdeu 1,85 bilhões.
O tamanho do pacote de salvamento finalmente aprovado impressiona. Mas é apenas mais uma fração do colosso endividamento do Império americano, da ordem de 1 trilhão de dólares. Desde a guerra do Vietnam, essa tem sido o mecanismo de financiamento das guerras americanas: pagam em dólares mais compras muito além do que aquilo que conseguem vender e os países e empresas depositam esses dólares em títulos americanos. Por isso China , Japão e países árabes , principais possuidores desses dólares aplicados nos Estados Unidos em títulos do governo americano são prisioneiros da crise americana e tem todo o interesse em ajudar o resgate. Por isso o capitalismo não vai quebrar. Mesmo porque não há forças sociais ponderáveis propondo uma alternativa, lembra Felipe Gonzáles. Ex-primeiro ministro da Espanha.
O pacote, mesmo modificado, não passa de um Proer ampliado. Não ataca o vicio da super-alavancagem global que facilitou a formação da bolha muito menos sua fonte principal, a super-concentração de riqueza em poucas mãos. È um cheque em branco aos bancos. "Outros cheques imensos (de subsidio) ainda terão que se assinados", diz Kennet Rogoff, economista de Harvard.
Resta ainda a questão ideológica Yoshiaki Nakano parece ser o único economista renomado que localiza esta crise como o começo do fim de todo um ciclo de expansão baseado na profusão de inovações tecnológicas dos últimos vinte anos. Por isso, recessão e deflação de ativos financeiros para ele não são fenômenos passageiros e sim indícios de uma mudança estrutural. Mas não está claro que esse ciclo se esgotou ou está prestes a se esgotar. E mesmo que fosse assim,.não há forças populares ponderáveis propondo transformar essa crise numa mudança estrutura relevante.
Muitos economistas dizem que de qualquer forma a crise marca fim do neoliberalismo, em especial, da era da desregulamentação. "A queda de Wall Street representa para o fundamentalismo de mercado o que a queda do muro de Berlim representou para o comunismo", diz o prêmio Nobel Joseph Stiglitz. Alguns como Lula e Zapatero propõe a reconstrução de um sistema financeiro internacional responsável e regulado. Muitos preveem toda uma nova era de reforço da regulação? Mas não será isso um auto-engano?
Nem mesmo um desastre dessa magnitude parece devolver ao campo popular uma capacidade de iniciativa. Cética, Naomi Klein diz que ninguém deve acreditar que a ideologia neoliberal morreu. Ela a retrata como uma ideologia essencialmente oportunista, hipócrita "que sempre esteve a serviço dos interesses do capital e sua presença avança e recua, dependendo da utilidade que tem para esses interesses". Argumenta que em épocas de bonança é o laissez faire, mas sempre que vem uma crise esses mesmos neoliberais apelam para o Estado. "A ideologia retornará com força total assim que os pacotes de socorro tiverem sido entregues", diz ela.