REVISTA POR SINAL #56 - SEM FANTASIA
REPRESENTANTES SINDICAIS COLOCAM A BOCA NO TROMBONE
São Paulo, 30/03/2018 (Revisada em 20/02/2024)
3. LAVAGEM DE DINHEIRO - O CAMINHO DAS FRAUDES
FALHAS NA FISCALIZAÇÃO DO BC E DO COAF ABREM ESPAÇO PARA A CONIVÊNCIA DOS BANCOS COM OPERAÇÕES ILÍCITAS.
Por ELANE MACIEL articulista da Revista Por Sinal #56 - FEV/2018 - publicada pelo SINAL - Sindicato dos Funcionários do Banco Central.
As imagens das malas com R$ 51 milhões apreendidas pela Polícia Federal, em setembro de 2017, num imóvel usado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, deixou os brasileiros com a pulga atrás da orelha.
Motivo: as notas de R$ 50 e R$ 100 eram seriadas, cintadas e exibiam a sigla de um banco, cujos donos estão envolvidos na Operação Lava-Jato. Diante de cena tão reveladora, uma pergunta ficou no ar.
Onde estavam os órgãos fiscalizadores, responsáveis por coibir a lavagem de dinheiro, que não detectaram essa estranha movimentação?
A resposta não é simples
Mas o fato concreto é que a Operação Lava-Jato, iniciada em março de 2014, acabou desnudando a fragilidade do sistema de supervisão e controle da lavagem de dinheiro no país.
São inúmeros os casos de conivência e de práticas irregulares de instituições bancárias relatados nas delações de políticos e empresários envolvidos com a corrupção.
NOTA DO COSIFE:
Sobre a Ineficiente Fiscalização, texto publicado em 2002 pelo coordenador deste COSIFE adverte que desde o final da década de 1980 os dirigentes do Banco Central deixaram de contratar (por concurso público) contadores para o exercício da extinta função de AUDITOR DO BANCO CENTRAL.
E os demais órgãos públicos também não têm concursos públicos específicos com a mesma finalidade. Na esfera administrativa só existem concursos para contratação de advogados e economistas. No entanto, o Código Civil de 2002 exige que todas as pessoas jurídicas tenham profissionais legalmente habilitados para o exercício da contabilidade, em que também são necessários os auditores e peritos contábeis.
Sem esses profissionais não há condições satisfatórias para que sejam descobertas as fraudes efetuadas por intermédio da escrituração contábil. As irregularidades podem acontecer por meio da escrituração de documentação inábil assim como pela simples movimentação de dinheiro por meio de transações financeiras (no Mercado de Capitais) que geram prejuízo para uma das partes envolvidas sem o equivalente lucro para a outra, cujo numerário fica com um intermediário que realizada a chamada de operação DAY-TRADE para que o lucro desviado seja controlado por meio do chamado de CAIXA DOIS.
Veja exemplo simplório (e outros três exemplos sofisticados) de operações day-trade realizadas com lastro em títulos públicos custodiados no SELIC, com o intuito de desfalque em instituições diversas e formação de CAIXA DOIS.
Veja também os textos com as informações sobre a realização de Operações Day-Trade no pregão das Bolsas de Valores com a conivente intermediação das empresas corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários.
Veja ainda as Operações de BOX que podiam ser livremente praticadas por agiotas.
Nas operações efetuadas nas Bolsas de Valores, como os tributos dos rendimentos não são retidos pelas distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários por falta de dispositivo legal que assim determine, há grande possibilidade da prática da sonegação fiscal, que dificilmente será encontrada por não existirem fiscalizadores especializados.
Em depoimento sobre o esquema da Petrobras, por exemplo, um operador foi taxativo ao revelar facilidades para sacar dinheiro na boca do caixa, devido ao bom relacionamento que mantinha com os bancos. Outro delator chegou a mencionar a criação de um mecanismo que viabilizava transferência eletrônica (TED) entre não correntistas. Um terceiro, aparentando tranquilidade por estar no Brasil, confessou que tinha receio de ser descoberto nos Estados Unidos, porque lá os controles são maiores e funcionam.
NOTA DO COSIFE:
Os controles do Banco Central do Brasil eram ruins, mas, foram aperfeiçoados a partir de 1977 até a indireta deposição de Fernando Collor de Melo.
Mas, a liberação da Lavagem de Dinheiro em Paraísos Fiscais aconteceu por ato do presidente do Banco Central, Elmo Camões, que na ante-véspera do Natal de 1988 criou o Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes. Este só foi extinto a partir de 2005.
É fácil notar que a maior parte das leis de combate às fraudes fiscais, financeiras e operacionais cursadas no sistema financeiro foram criadas durante o Governo Collor.
O COMEÇO DE TUDO
Diante de operações irregulares que deveriam ter sido detectadas pelos filtros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e do Banco Central, é razoável supor que de fato há sérias lacunas na fiscalização desses órgãos. E, pelo visto, as falhas estão desde o começo dos trabalhos.
Ao suspeitar de qualquer irregularidade em uma operação financeira, cabe à instituição bancária informar a suspeita ao COAF, órgão do Ministério da Fazenda, criado em 1998 exatamente com a finalidade de “disciplinar, aplicar penas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas de atividades ilícitas relacionadas à lavagem de dinheiro”.
Como essa comunicação é espontânea, se o banco for conivente e estiver envolvido no esquema fraudador, simplesmente não informa. A obrigatoriedade da instituição de pagar para denunciar a operação suspeita também pode ser fator inibidor de denúncias.
Pelas contas da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2016, foram registradas 65 bilhões de transações bancárias, das quais 57% feitas por móbile ou internet banking - menos sujeitas à fraude do que as transações com cheque. Desse total, 56 mil foram consideradas suspeitas e comunicadas ao COAF. À primeira vista, o número impressiona. Mas se comparado aos bilhões de reais irregulares descobertos pela Operação Lava-Jato, é irrisório, quase residual, pois está longe de representar 1% das operações efetivamente realizadas. Das operações informadas ao COAF, apenas 17% (9.520) originaram algum tipo de investigação.
Na engrenagem para coibir a circulação de recursos ilícitos, o Banco Central, integrante do Sistema Brasileiro de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, tem um papel fundamental, ao regular e fiscalizar a governança, os processos e os controles das instituições financeiras supervisionadas. O objetivo é contribuir para que os bancos identifiquem, analisem e comuniquem as operações suspeitas ao COAF. Este, por sua vez, gera relatórios de inteligência e os encaminha aos órgãos de investigação - Polícia Federal e Ministério Público Federal. O BC ajuda ainda os dois órgãos com infraestrutura, a fim de atender às demandas de bloqueio e rastreamento de valores.
O PAPEL DO BACEN (BCB)
Apesar do seu engajamento no combate à corrupção, só em 2017 o BACEN decidiu reunir seus pares para discutir o assunto, promovendo o 1º Seminário de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento ao Terrorismo, em setembro, na cidade de São Paulo.
No evento, divulgou dados sobre o esquema de fiscalização adotado: o trabalho presencial contínuo é feito em 27 bancos classificados de alto impacto - aqueles que realizam as maiores transações financeiras. O restante da fiscalização fica por conta do Sistema Integrado de Suporte e Comunicação da Supervisão (Siscom), com inspeções remotas em 1.779 instituições financeiras não bancárias e bancárias de médio e de pequeno porte.
NOTA DO COSIFE:
Torna-se importante destacar que desde 1977 até 1995 as principais irregularidades que se enquadravam como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e evasão de divisas foram encontradas em pequenas instituições que agiam como testas de fero das grandes instituições. Mas, isto nunca foi permitido transmitir aos novatos pelos antigos servidores na qualidade de Facilitadores de Aprendizado (COACH).
O coordenador deste COSIFE foi denunciado ao Ministério Público Federal por quebra do sigilo bancário justamente porque, de conformidade da legislação vigente (artigo 28 da Lei 6.385/1976 e Constituição Federal quando versa sobre a liberdade de expressão dos professores), ministrava cursos e palestras na ESAF - Escola de Administração Fazendária desde 1984 até 1998.
O resultado da vigilância do BC originou aplicação de multas, de 2014 a meados de 2017, de R$ 695 milhões - sendo R$ 123 milhões confirmados em processo pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o chamado Conselhinho.
O montante arrecadado é expressivo, se forem levados em conta os mecanismos à disposição dos bancos para que não paguem as quantias devidas. Isto porque é comum eles recorrerem das sanções no Conselhinho, formado por órgãos públicos e representantes do setor privado. Se receberem parecer desfavorável, eles têm a segunda chance no próprio órgão.
No entanto, ao BC é vetado o direito de questionar a nova decisão. Os multados ainda têm a opção de entrar com ação na Justiça. Com a conhecida lentidão do Judiciário, muitas vezes o processo prescreve e a instituição nada paga.
LEI ATUALIZADA
Desde as décadas de 1980 e 1990, quando foram instituídas as primeiras leis sobre crimes do colarinho branco no Brasil , a legislação vem sendo aprimorada para identificar e combater a lavagem de dinheiro. É o que diz o experiente consultor Dagberto Cavalcanti Pereira Melo, da DCPM Consultoria e Assessoria Organizacional, aposentado que trabalhou 40 anos no Banco Central, dos quais 18 chefiando o Departamento de Organização do Sistema Financeiro, em Recife.
“As leis brasileiras estão em linha com o que há de mais moderno quando o assunto é lavagem de dinheiro, e constantemente são atualizadas”. E completa: “A regulamentação do Banco Central é das mais perfeitas que existe no mundo”.
Depois dos crimes revelados pela Operação Lava-Jato, o BC tem alterado várias vezes seus procedimentos. O mais recente foi a aprovação da Lei 13.506/2017, que revê o marco legal punitivo do sistema financeiro, elevando a multa de R$ 200 mil para R$ 2 bilhões, ou 0,5% da receita de serviços e de produtos apurados no ano anterior ao da infração. A ideia é coibir ações ilícitas nas instituições financeiras.
NOTA DO COSIFE:
O interessante é que a Lei 13.506/2017 deu legalidade à Resolução CMN 4.502/2016 que criou os Planos de Recuperação Ordinária ou Extrajudicial para instituições do sistema financeiro, assim, praticamente impedido a aplicação da Lei 6.024/1974 e das demais punições a que estariam sujeitas as instituições autorizadas a funcionar pelo BACEN.
Veja no MNI 5-1 - Ação Fiscalizadora do Banco Central.
FISCALIZAÇÃO COMPROMETIDA
Pelo volume de operações realizadas, não é tarefa fácil monitorar o sistema financeiro.
Para o Sinal, que há anos denuncia o desmonte do setor público, o problema principal é a falta de recursos e de técnicos para fiscalizar in loco os bancos. O quadro é crítico.
Segundo dados do Sindicato, de 30% a 40% das ações programadas de fiscalização presencial deixam de ser realizadas, porque não há pessoal nem verba, até mesmo para pagamentos de diárias. Para contornar a situação quando detecta alguma irregularidade, o BC adota o expediente de enviar carta ao banco solicitando esclarecimentos. “A troca de cartas é insuficiente. Se o banco não for conivente com a irregularidade, responde a verdade; caso contrário, informa o que quer”, pondera Daro Piffer, diretor de Estudos Técnicos do Sinal. No caso da fiscalização direta, a experiência dos fiscais fala mais alto. Foi o que aconteceu desde 1977 até o final do Governo Collor de Melo. Qualquer operação fora do padrão era identificada rapidamente, tornando o processo mais ágil.
Um bom exemplo para ilustrar a lentidão da fiscalização indireta foi a fraude bilionária, de R$ 4,3 bilhões, do Banco Panamericano. Durante quatro anos, de 2006 a 2010, o banco do Grupo Silvio Santos inflou seus balanços, ao contabilizar carteiras de créditos vendidas a outras instituições financeiras como parte de seu patrimônio. O BC suspeitou de irregularidades e chegou a trocar, nesse período, correspondências com o Panamericano, durante mais de dois anos. Quando percebeu a gravidade da crise, entrou em ação. Mas outros bancos já estavam operando da mesma forma na cessão de créditos. Por sorte, foi possível refazer, a tempo, a capacidade financeira dessas instituições e, com isso, superar os danos produzidos pelas operações irregulares.
Foi o que também aconteceu com o Banco Hipotecário Lehman Brothers que levou os Estados Unidos da América à bancarrota em 2008.
Daro aponta três fatores que contribuem para agravar o quadro, já crítico, da carência de recursos humanos na área de fiscalização do BC: funcionários se aposentando, a falta de concursos para repor servidores aposentados e a demora na formação dos técnicos. “O pessoal se aposenta e leva embora o conhecimento natural, adquirido ao longo da vida laboral. Isto prejudica a formação dos técnicos novos, que conseguem absorver conhecimento mais rápido com quem tem experiência”.
NOTA DO COSIFE:
Culpa dos dirigentes do Banco Central que, na qualidade de representantes dos interesses libertários dos grandes banqueiros, dos corruptos e dos sonegadores de tributos, não contratam os auditores aposentados que mais se destacaram na apuração de fraudes financeiras nacionais e internacionais para ministrarem cursos de aperfeiçoamento e de reciclagem para os novatos.
A preocupação do diretor do Sinal faz todo o sentido, especialmente num momento de grande descrédito em relação ao poder de fiscalização dos órgãos públicos. “O mercado está cada vez mais criativo. Por isso mesmo não basta só ter a lei. O governo tem obrigação de regular e fiscalizar, mas quando abre mão disso, fica tudo ao deus-dará”, lamenta.
SONEGAÇÃO GERA CORRUPÇÃO
Presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), Achiles de Campos Frias está preocupado com o aumento da sonegação, que só contribuiu para estimular a corrupção no país.
Em contraposição à Associação Comercial de São Paulo, que instituiu o impostômetro, o sindicato (SINPROFAZ) criou o sonegômetro, com divulgação da arrecadação de impostos em tempo real, para medir quanto se sonega no Brasil. A pesquisa calcula a carga tributária, analisando dados nas três esferas, federal, estadual e municipal.
As cifras são astronômicas: R$ 500 bilhões por ano, incluindo pessoas físicas e jurídicas, sendo a maior parte sonegada por grandes grupos econômicos, sem contar com os R$ 600 bilhões pagos como juros da dívida ao capital estrangeiro de sonegadores de tributos blindados em Paraísos Fiscais.
Na avaliação do sindicalista, se o dinheiro fosse limpo, depositado nas instituições financeiras e do conhecimento do Banco Central, não haveria motivo para o caixa 2. “Dinheiro ilícito, sujo e criminoso forma o caixa 2 e corrompe o agente público”, denuncia. Ele lembra que a Operação Lava-Jato já comprovou que as grandes empreiteiras são também grandes devedoras, sonegadoras e corruptoras. E cita números: do total da dívida ativa da União, que chega a R$ 2 trilhões, os conglomerados concentram dois terços - 90% são dívidas previdenciárias.
Achiles faz coro à posição do Sinal ao insistir que o combate à lavagem de dinheiro seria mais efetivo se o Banco Central tivesse uma estrutura mais robusta, com um número suficiente de funcionários para fiscalizar e dar conta do recado. “Os grandes grupos econômicos têm meios de sonegar e promover a lavagem de dinheiro. Valem-se da fiscalização precária, da facilidade de constituir empresas offshore em paraíso fiscal e passam ao largo do Banco Central”.