PRECATÓRIOS JUDICIAIS E OUTROS CRÉDITOS JUNTO AO GOVERNO
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO - TÍTULOS PODRES X DÉBITOS FISCAIS
CONTABILIZAÇÃO E COMPENSAÇÃO DOS CRÉDITOS JUNTO AO GOVERNO
Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
1. CONTABILIZAÇÃO DA AQUISIÇÃO E UTILIZAÇÃO DOS PRECATÓRIOS
1) - Na data de Aquisição do Precatório:
Débito - Aplicações em Precatórios
Crédito - Caixa ou Bancos - conta Movimento
(pelo valor efetivamente pago)
Débito - Aplicações em Precatórios - IR a Compensar
Crédito - Provisão para Imposto de Renda a Pagar
(pelo valor do Imposto de Renda a Pagar no Resgate)
Débito - Aplicações em Precatórios - Deságio Obtido
Crédito - Deságio à Apropriar até o Resgate
(pelo deságio obtido, descontado o imposto de renda)
2) - Mensalmente pela apropriação das receitas oriundas do deságio obtido:
Débito - Deságio à Apropriar até o Resgate
Crédito - Receitas com Precatórios
(pela apropriação do deságio obtido pelo regime de competência)
Débito - Receitas com Precatórios
Crédito - Provisão para Imposto de renda a Pagar
(pela compensação do Imposto de Renda a Pagar no Resgate)
3) - Mensalmente pela apropriação de eventual atualização monetária do Precatório:
Débito - Aplicações em Precatórios - Outras Receitas
Crédito - Receitas com Precatórios
(pela contabilização de eventual atualização monetária do precatório)
Débito - Receitas com Precatórios
Crédito - Provisão para Imposto de Renda a Pagar
(pela contabilização de eventual atualização monetária do precatório)
4) - Na data do Resgate do Precatório:
Débito - Caixa ou Banco Conta Movimento
Débito - Provisão para Imposto de Renda a Pagar
Crédito - Aplicações em Precatórios
Crédito - Deságio a Apropriar até o Resgate
Crédito - Aplicações em Precatórios - Outras Receitas
NOTAS:
Considerando que o deságio obtido é tributado na pessoa jurídica, a eventual diferença de Imposto de Renda deve ser apurada e paga a partir do resgate do Precatório.
Considerando-se ainda que o adquirente do Precatório está tentando desembolsar menor quantia para pagar seus tributos, provavelmente utilizará artifícios ou fraudes para evitar o pagamento do tributo incidente sobre o deságio obtido.
Assim sendo, seria utilizada como credora do Precatório uma empresa fantasma constituída em paraíso fiscal que o compraria pelo preço inicialmente pago neste exemplo e o repassaria a empresa constituída no Brasil somente na data do resgate pelo valor deste, descontado o Imposto de Renda Retido na Fonte. Assim fazendo, o deságio auferido ficaria sem tributação no Brasil se a empresa do paraíso fiscal não for considerada como controlada ou coligada da empresa brasileira.
Como exemplo do que viria a acontecer depois com a compra e venda dos títulos podres, por ocasião do vulgarmente conhecido “Plano Collor” em que mais uma vez foi mudado o padrão monetário brasileiro, foi permitida a transferência de titularidade dos saldos existentes na antiga moeda em circulação. De acordo com a Lei 8.024/1990 a nova moeda era o Cruzeiro (Cr$) e, a antiga, o Cruzado Novo (NCz$) foram permutadas ao par (NCz$ 1,00 = Cr$ 1,00).
Em parte do artigo 12 da Lei 8.024/1990 lê-se que “as contas e depósitos denominados em cruzados novos são passíveis de transferência de titularidade,..., para fins de liquidação de dívidas e operações financeiras comprovadamente contratadas antes de 15 de março de 1990”.
O artigo 13 da Lei 8.024/1990 acrescenta que “o pagamento de taxas, impostos, contribuições e obrigações previdenciárias resulta na autorização imediata e automática para se promover a conversão de cruzados novos em cruzeiros de valor equivalente ao crédito do ente governamental,...”
Em suma o Plano Collor instituiu como regra básica que os débitos antigos podiam ser pagos com a moeda nova e que os novos débitos não podiam ser pagos com a moeda antiga. Assim sendo, muitas pessoas físicas e jurídicas ficaram com saldos bancários na moeda antiga, porém, não a podiam usar porque não tinham contas antigas a pagar.
Como foi permitida a transferência da titularidade dos saldos em moeda antiga, esses saldos eram vendidos com deságio especialmente para o pagamento de tributos vencidos e não pagos (débitos fiscais dos sonegadores).
Aliás, o não pagamento de tributos naquela época, antes da eleição de Collor, foi induzido através da imprensa pelo presidente da FIESP - Federação das Indústrias de São Paulo que definiu como louco o empresário que buscasse empréstimos no sistema financeiro para pagamento de tributos. A declaração visava disseminar a “Desobediência Civil” que é uma teoria anárquica preconizadora do desrespeito a qualquer forma de governo mediante o não cumprimento das determinações legais (governamentais).
O Dicionário Houaiss - UOL define a Desobediência Civil como a insubordinação ou não obediência (inobediência) a disposições governamentais ou a resistência a normas civis estatuídas. Essa desobediência geralmente é praticada de forma coletiva e por meios não violentos, com o objetivo de forçar concessões do poder político.
Na mesma época o referido presidente da FIESP declarou que, se Lula fosse eleito [em vez de Collor], 800 mil brasileiros sairiam do Brasil. Para facilitar essa debandada, no final de 1988 foi instituído o Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes que facilitava a saída do dinheiro para o exterior (evasão cambial ou de divisas), incluindo o oriundo da Lavagem de Dinheiro obtido na informalidade e na criminalidade.
Esse mecanismo de evasão de divisas vigente até 2005 possibilitava a Ocultação de Bens, Direitos e Valores em Paraísos Fiscais, considerados como Crime pela Lei 9.613/1998 embora já fossem considerados com base na Lei 7.492/1986.
3. CONTABILIZAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE EM 1990
Naquela época era muito grande o índice de sonegação fiscal, razão pela qual aos sonegadores foi dada a oportunidade de introduzir na economia formal os seus recursos financeiros mantidos na informalidade.
Para isso foi criado ainda no Governo Sarney o Fundo de Investimento “Ao Portador” em que os condôminos recebiam certificados de aquisição de quotas negociáveis no mercado de capitais sem identificação das partes envolvidas na negociação.
Foi uma festa, digo, uma anarquia geral. De um lado os sonegadores foram incentivados a sonegar mais ainda e, de outro, os administradores dos fundos podiam desviar para seus bolsos parte dos rendimentos que deviam ser atribuídos dos condôminos do Fundo por eles administrado.
O dinheiro arrecadado pelo Fundo era investido em títulos públicos que pagavam altas taxas de juros. Foi a época da famosa “Ciranda Financeira”. Ninguém queria produzir e gerar emprego. Todos queriam apenas viver à custa dos juros de investimentos.
Por isso os governos anteriores foram obrigados a continuar com política de estatização, pois as estatais eram a melhor forma de arrecadar impostos. A política econômica de estatização da economia foi interrompida pelo Presidente Collor com a criação dos Certificados de Privatização pela Lei 8.018/1990.
Diante desse sistema completamente anárquico criado com a implantação dos Fundos de Investimentos “Ao Portador”, só restou à equipe economia do Presidente Collor sugerir a imediata extinção das operações “ao portador”, o que aconteceu mediante a sanção da Lei 8.021/1990.
Vejamos como deveriam ser contabilizadas as negociações de Cruzados Novos para efeito do pagamento de Débitos Fiscais:
Pela aquisição da moeda antiga com deságio:
Débito: Bancos - Conta Movimento - NCz$ (moeda antiga)
Crédito: Lucro Não-Operacional na Conversão de Moeda
Crédito: Bancos - Conta Movimento - Cr$ (moeda nova)
O vendedor da moeda antiga fazia o lançamento inverso, contabilizando Prejuízo Não-Operacional.
Pela utilização da moeda antiga para quitar débitos fiscais:
Débito: Obrigações Tributárias a Pagar
Crédito: Bancos - Conta Movimento - NCz$ (moeda antiga)
4. CONTABILIZAÇÃO DOS TÍTULOS PODRES NAS PRIVATIZAÇÕES
As regras para contabilização da compra de “Títulos Podres” e de outros créditos contra União, o que inclui os PRECATÓRIOS, e para a sua utilização desses créditos na compra das empresas estatais privatizadas foram estipuladas pelo artigo 65 da Lei 8.383/1991 durante o Governo Collor, quando as privatizações começaram timidamente a serem efetuadas e depois foram aceleradas no Governo FHC.
No artigo 65 da Lei 8.383/1991 lê-se:
Art. 65. Terá o tratamento de permuta a entrega, pelo licitante vencedor, de títulos da dívida pública federal ou de outros créditos contra a União [por exemplo, os PRECATÓRIOS], como contrapartida à aquisição das ações ou quotas leiloadas no âmbito do Programa Nacional de Desestatização.
§ 1° Na hipótese de adquirente pessoa física, deverá ser considerado como custo de aquisição das ações ou quotas da empresa privatizável o custo de aquisição dos direitos contra a União, corrigido monetariamente até a data da permuta.
§ 2° Na hipótese de pessoa jurídica não tributada com base no lucro real, o custo de aquisição será apurado na forma do parágrafo anterior.
§ 3° No caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro real, o custo de aquisição das ações ou quotas leiloadas será igual ao valor contábil dos títulos ou créditos entregues pelo adquirente na data da operação:
§ 4° Quando se configurar, na aquisição, investimento relevante em coligada ou controlada, avaliável pelo valor do patrimônio líquido, a adquirente deverá registrar o valor da equivalência no patrimônio adquirido, em conta própria de investimentos, e o valor do ágio ou deságio na aquisição em subconta do mesmo investimento, que deverá ser computado na determinação do lucro real do mês de realização do investimento, a qualquer título.
Diante desse texto legal, especialmente nos §§ 3º e 4º acima transcritos, podemos perceber que a atuação dos LOBISTAS contratados pelas pessoas jurídicas foi muito importante porque conseguiram para seus clientes a postergação da tributação incidente sobre o ganho de capital obtido na compra dos títulos podres com deságio. É de extrema importância salientar que o mesmo benefício fiscal não foi delegado às pessoas físicas.
Vejamos, então, como deveria ser contabilizada a compra de ações de empresas privatizadas mediante o pagamento em TDA - Títulos da Dívida Agrária ou CP - Certificados de Privatização e depois veremos como foi autorizado contabilizar pela Lei 8.383/1991.
1) Comprador Pessoa Física ou Jurídica NÃO TRIBUTADA com base no Lucro Real
Como deveria ser contabilizada a compra dos “títulos podres” pelas pessoas jurídicas não tributadas com base no Lucro Real, que coincide com a forma que seria contabilizada pela pessoa física se esta fosse obrigada a proceder a contabilização:
Pelo valor efetivamente pago pelos créditos junto ao governo federal:
Débito: Créditos Vinculados às Privatizações
Crédito: Caixa ou Bancos - Conta Movimento
Pela aquisição das ações da empresa privatizada com imediata tributação do deságio (ganho de capital) obtido:
Débito: Participações Societárias
Crédito: Créditos Vinculados às Privatizações
Crédito: Ganho de Capital em Participações Societárias
É interessante notar que a pessoa física e a jurídica não tributada com base no lucro real, na qualidade de compradores dos títulos podres tinham o seu Ganho de Capital tributado no ano-calendário em que se realizava a compra das ações da empresa privatizada. O Ganho de Capital é a diferença entre o valor efetivamente pago e o valor atualizado dos créditos junto ao governo federal no momento da aquisição das ações da privatizada.
É interessante notar ainda que a contraparte vendedora dos créditos junto ao governo federal pode ser pessoa física ou jurídica. O vendedor pessoa física sofre um prejuízo na venda que não é dedutível para efeito do cálculo do seu imposto de renda. O mesmo acontecia com a pessoa jurídica vendedora que não era tributada com base no Lucro Real.
2) - Comprador Pessoa Jurídica tributada com base no Lucro Real:
Pelo valor efetivamente pago pelos créditos junto ao governo federal:
Débito: Créditos Vinculados às Privatizações
Crédito: Caixa ou Bancos - Conta Movimento
Pela aquisição das ações da empresa privatizada com postergação da tributação do deságio obtido (ganho de capital) até a futura alienação do investimento (se ocorrer):
Débito: Participações Societárias
Crédito: Créditos Vinculados às Privatizações
Pela venda futura da Participação Societária:
Débito: Caixa ou Bancos - conta movimento
Crédito: Participações Societárias
Crédito: Lucro na Venda de Participações Societárias
5. IMPACTO TRIBUTÁRIO SOBRE OS GANHOS COM PRECATÓRIOS
É importante observar que a empresa vendedora dos créditos junto ao governo federal, quando precatórios, inicialmente os contabilizou como Receita pelo valor total a resgatar em contrapartida com a pertinente conta de Créditos Contra o Governo Federal no Realizável de Longo Prazo.
Observe ainda que a empresa ganhadora da causa pagará Imposto de Renda e CSLL sobre o seu Ganho de Capital (líquido).
Note também que o ganhador da causa teve que pagar os honorários advocatícios e muitas vezes o advogado da causa é quem consegue o comprador para os créditos junto ao governo. Ao vender esses créditos a terceiros, creditado à pertinente conta do Realizável, o Deságio Concedido é lançado como Prejuízo e o pouco dinheiro recebido é debitado na conta Caixa ou Bancos.
O prejuízo sofrido com o deságio só será dedutível para efeito do cálculo de tributos nas pessoas jurídicas tributadas com base no Lucro Real. Isto significa que as pessoas físicas e as empresas tributadas com base no Lucro Presumido ou Arbitrado ou ainda pelo Simples, não poderão deduzir o prejuízo sofrido na venda de precatórios.
Utilização de Empresas constituídas em Paraísos Fiscais para compra dos Precatórios
Muitos compradores dos títulos podres são pessoas físicas, que geralmente não declaram ao fisco os valores ganhos com a intermediação dos mesmos. Ou seja, eles compram dos ganhadores das causas judiciais por preços baixos e depois vendem os títulos para empresas constituídas em paraísos fiscais mediante Sonegação Fiscal. Isto é, o lucro da transação fica depositado num banco no exterior, em moeda estrangeira, para utilização futura em viagens ou para vender tais créditos para terceiros (importadores) que os utilizam na importação por preço subfaturado, praticado por algumas lojas de shopping que vendem especialmente para os ricos, famosos e emergentes, conforme foi noticiado largamente pelos meios de comunicação, especialmente na televisão.