Ano XXVI - 24 de novembro de 2024

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AS CONVENÇÕES (RESTRIÇÕES AOS PRINCÍPIOS)



ESTRUTURA CONCEITUAL BÁSICA DA CONTABILIDADE

REMINISCÊNCIAS TEÓRICAS SOBRE OS PRINCÍPIOS DE CONTABILIDADE

6. AS CONVENÇÕES (RESTRIÇÕES AOS PRINCÍPIOS) (Revisada em 28/03/2024)

  1. A Convenção a Objetividade
  2. A Convenção de Materialidade
  3. A Convenção do Conservadorismo
  4. A Convenção da Consistência

NOTA DO COSIFE: Sobre este texto, veja os esclarecimentos iniciais que estão na página índice

As restrições aos princípios (também conhecidas como convenções ou qualificações), como vimos, representam o complemento dos Postulados e Princípios, no sentido de delimitar-lhes conceitos, atribuições e direções a seguir e de sedimentar toda a experiência e bom senso da profissão no trato de problemas contábeis. Se os princípios norteiam a direção a seguir e, às vezes, os vários caminhos paralelos que podem ser empreendidos, as restrições, à luz de cada situação, nos darão as instruções finais para a escolha do percurso definitivo. As convenções também serão enunciadas. Entretanto, tais enunciações serão apenas indicativas e terão menor peso do que no caso dos princípios.

Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE

6.1 A Convenção a Objetividade

Enunciado: “Para procedimentos igualmente relevantes, resultantes da aplicação dos Princípios, preferir-se-ão, em ordem decrescente: a) os que puderem ser comprovados por documentos e critérios objetivos; b) os que puderem ser corroborados por consenso de pessoas qualificadas da profissão, reunidas em comitês de pesquisa ou em entidades que têm autoridade sobre princípios contábeis...”

Como vimos em outro tópico, a Contabilidade é um exercício árduo para maximizar a relevância, a praticabilidade e a objetividade.

Quanto à restrição da objetividade, a fim de que as demonstrações contábeis sejam tão confiáveis quanto possível, os contadores necessitam decidir sobre o atributo ou evento que será mensurado e selecionar procedimentos de mensuração adequados.

Segundo Hendriksen, a objetividade tem sido conceituada de maneiras distintas por pessoas e contadores diferentes, a saber:

  1. mensurações e avaliações de caráter impessoal ou que se configuram fora do pensamento da pessoa ou pessoas que as estão realizando;
  2. mensurações baseadas no consenso profissional de experts qualificados;
  3. mensurações e avaliações baseadas em evidências e documentação verificável;
  4. valor da dispersão estatística das mensurações de um atributo, quando efetuadas por vários pesquisadores.

Em seu primeiro aspecto, não é muito fácil, na prática, separar completamente a qualidade intrínseca do que está sendo mensurado das crenças, mesmo que científicas, do pesquisador.

Assim, afirmamos que o ponto de transferência é o mais objetivo para o reconhecimento da receita, pois existe um valor de mercado que independe da pessoa do avaliador. Embora isso seja verdadeiro, o pesquisador precisa tomar decisões sobre o valor do ativo que está sendo dado em troca. Assim, mesmo esse sentido de objetividade pode conter em si algo de subjetivo.

Quanto ao segundo aspecto, talvez seja o que tenha maior peso no estágio atual de desenvolvimento da disciplina. Caracteriza-se como sentido de objetividade típico de uma disciplina praticada por profissionais liberais. Assim, se, através da reunião de vários experts em comitês de pesquisa, chegar-se a consenso sobre certo procedimento ou mensuração, mesmo que tais mensurações ou critérios não sejam suportados por evidências objetivas (no sentido mais material e restrito do termo), ainda assim, por representarem o resultado de um processo psicossocial de percepção por parte de segmento autorizado da profissão, tornam-se objetivos.

No que se refere ao terceiro critério, a ênfase consubstancia-se mais na evidência do que na mensuração em si. De novo, a receita é reconhecida na base da transferência como evidência. Segundo Hendriksen, embora a evidência possa ser verificável, a seleção do critério de evidência como base pode ser objeto de viés pessoal.

Quanto ao quarto aspecto, a maior ou menor objetividade de um critério de mensuração pode ser avaliada pelo desvio-padrão em relação à média do atributo que está sendo mensurado. Pode acontecer, todavia, que o próprio valor da média não retrate adequadamente o atributo considerado. Por exemplo, consideremos que estamos avaliando a objetividade dos critérios tradicionais de avaliação de estoques conhecidos como PEPS, UEPS e média ponderada. É possível que um dos três revele um menor desvio-padrão com relação à média. Isto apenas significa que as mensurações são mais verificáveis, mas não necessariamente objetivas, cientificamente falando.

Pode até ocorrer que um critério de mensuração baseado, digamos, no custo histórico corrigido apresente maior desvio, mas menor viés. Esse último é determinado pelo desvio relativo entre o valor da média, caracterizado pelo procedimento de mensuração utilizado e o “verdadeiro” valor de média do atributo que está sendo mensurado. Como, todavia, o verdadeiro valor da média não pode ser determinado, a diferença entre a média estimada e a verdadeira precisa ser calculada na base do julgamento subjetivo e das relações lógicas entre o procedimento de mensuração e o atributo que está sendo avaliado.

Freqüentemente, na prática, devemos contentar-nos com sentidos menos científicos da objetividade. É evidente que os comitês de experts, antes de emitirem opiniões sobre princípios e procedimentos contábeis, podem utilizar-se dos critérios estatísticos focalizados no quarto sentido da objetividade.

Não existem dúvidas, todavia, de que a profissão precisa perseguir um sentido de objetividade que caracterize de forma mais nítida a Contabilidade como uma ciência social.

Nesse aspecto, é importante que os relacionamentos entre causas e efeitos dos eventos da natureza que afetam os estados patrimoniais tenham explicações convincentes e que tais eventos possam ser reproduzidos em ambiente de pesquisa social e suas resultantes possam ser previstas.

A Contabilidade, assim, deverá chegar a um ponto de sua evolução no qual será possível enunciar as “leis” que relacionam causas e efeitos. De certa forma, os postulados, princípios e restrições são uma variante simplificada de tais leis. O ideal, todavia, seria a formulação axiomática da teoria da Contabilidade, já tentada por raros autores e em vias de aperfeiçoamento, nos estudos atuais, rumo a uma explicitação mais adequada.

Não se questiona, todavia, o sentido mais prático e “profissional” atual da objetividade, conforme apresentado em seu enunciado. A Contabilidade, em igualdade de procedimentos quanto à sua relevância, preferirá os que puderem ser suportados por algum tipo de evidência considerada objetiva (documentos, normas escritas, consenso profissional etc.).

6.2. A Convenção de Materialidade

Enunciado: “O contador deverá, sempre, avaliar a influência e materialidade da informação evidenciada ou negada para o usuário à luz da relação custo-benefício, levando em conta aspectos internos do sistema contábil...”

Assim, verificamos que a restrição da Materialidade não pode ser enfocada do ponto de vista apenas interno ou externo. Sem dúvida, no que nos concerne, do ponto de vista do usuário externo, a avaliação subjetiva do efeito de uma informação prestada ou negada, sob a premissa da materialidade ou não, é a mais importante.

Por outro lado, não se pode negar que a materialidade está muito ligada ao “grande design” do sistema contábil de informação de cada entidade particular.

Diríamos, até, que sua configuração está relacionada com as metas e políticas traçadas pela administração da entidade. Numa entidade em que as metas são estabelecidas em termos amplos e globais, haverá uma tendência, por parte do sistema contábil, em preocupar-se, sempre, com a materialidade da informação gerada perante a evidenciação do cumprimento ou não de tais metas. Já em entidades cuja administração, por formação, tem o gosto pelo detalhe, o sistema contábil tenderá a adequar-se ao estilo gerencial.

Não existe um sentido absoluto de materialidade, nem é possível fixar critérios numéricos precisos, em cada caso, para estabelecer a materialidade ou não de uma cifra.

Assim, do ponto de vista do usuário da informação contábil, é material a informação ou cifra que, se não evidenciada ou mal evidenciada, poderia levá-lo a sério erro sobre a avaliação do empreendimento e de suas tendências.

Do ponto de vista interno, é material o procedimento ou cifra que, se não processado, afeta a qualidade e a confiabilidade do sistema de informação e mesmo do controle interno.

Por outro lado, não se podem confundir, a rigor, os conceitos de materialidade e relevância. Algo pode ser material quanto ao valor, isoladamente considerado, e irrelevante, embora tal condição seja rara. Em contrapartida, um valor de certo atributo pode ser pequeno em si, mas relevante quanto às tendências que possa apontar.

Exemplo do primeiro aspecto seria a publicação do orçamento de capital da entidade para os próximos dez anos. Material quanto ao vulto das cifras envolvidas, pode ser não relevante para alguns usuários. Exemplo do segundo aspecto: numa análise das contas a receber, verifica-se que, em cerca de 15% dos casos, apresentam-se pequenos erros. Embora o valor dos erros possa ser de pequena monta, o fato de se evidenciarem em 15% dos registros pode encobrir falhas graves da sistemática e, portanto, relevantes do ponto de vista de auditoria e de controle interno.

Não é tarefa fácil, na prática, julgar sobre a materialidade ou não de uma cifra. Entretanto, alguns critérios gerais podem ser tentados:

  1. com relação ao usuário externo, a evidenciação ou não de determinada cifra e a rígida adoção ou não dos princípios contábeis serão mais ou menos materiais à medida que se refiram respectivamente:
    1.  a eventos que refletem tendências do empreendimento; ou
    2.  a eventos não repetitivos, que afetam apenas um exercício;
  2. as cifras relativas a receitas e despesas operacionais, via de regra, são mais materiais, para avaliação de tendência, do que os ganhos e perdas ou efeitos de exercícios anteriores;
  3. as cifras derivantes de mudanças de critérios utilizados no passado são materiais com relação à avaliação do usuário. Na verdade, tal evidenciação se torna crítica, em alguns casos;
  4. do ponto de vista interno, os extremos de detalhes contábeis usualmente são imateriais para a qualidade da informação, como subcontas até o quinto grau ou o famoso exemplo de Anthony de se calcular o custo do uso diário dos lápis dentro da empresa, realizando mensurações entre as diferenças de comprimento do lápis no dia anterior e no atual. Entretanto, materialidade não significa desprezo pelo detalhe em si, se esse estiver encobrindo problemas maiores.

Conquanto a mensuração da materialidade seja objeto de estudos mais recentes, tal conceito reservará, sempre, uma alta dose de julgamento e de bom senso por parte de cada contador, em cada situação.

6.3. Convenção do Conservadorismo

Enunciado: “Entre conjuntos alternativos de avaliação para o patrimônio, igualmente válidos, segundo os Princípios Fundamentais, a Contabilidade escolherá o que apresentar o menor valor atual para o ativo e o maior para as obrigações...”

O conservadorismo,* em Contabilidade, pode ser entendido sob dois aspectos principais: o primeiro, vocacional e histórico da profissão, pelo qual, entre as várias disciplinas que avaliam, pelo menos em parte, o valor da entidade, a Contabilidade é a que tenderia, em igualdade de condições, a apresentar o menor valor para a entidade como um todo.

O segundo, mais operacional, de que, conforme o enunciado, a Contabilidade tende, dentro dos amplos graus de julgamento que a utilização dos Princípios nos permite empregar, a escolher a menor das avaliações igualmente relevantes para o ativo e a maior para as obrigações.

Esse entendimento não deve ser confundido nem desvirtuado com os efeitos da manipulação de resultados contábeis, mas encarado à luz da vocação de resguardo, cuidado e neutralidade que a Contabilidade precisa ter, mormente perante os excessos de entusiasmo e de valorizações por parte da administração e dos proprietários da entidade. Não nos esqueçamos de que, principalmente no caso das companhias abertas, sua principal obrigação é perante o mercado e os investidores.

As tentativas que vêm desde longos anos (desde a Depressão de 1929), de normatizar excessivamente esta restrição, têm levado, via de regra, a resultados desastrosos, com perda de controle dos resultados da aplicação da regra. É o caso da conhecida interpretação “custo ou mercado, dos dois o mais baixo”, consagrada na prática e na legislação.

Conquanto em situações extremadas possa, até, ser aplicada esta interpretação restrita da convenção, parece-nos que nossa premissa “... para procedimentos igualmente relevantes à luz dos princípios contábeis...” deva sempre prevalecer na aplicação da restrita.

Uma interpretação correta da regra poderia, apenas a título de exemplo, ser apresentada pela seguinte indagação hipotética:

Suponha que a entidade tenha duas previsões, igualmente confiáveis (de igual probabilidade) para a ocorrência de devedores insolváveis. Por tudo que tenha sido possível avaliar e calcular, inclusive com o uso de probabilidade, poderão ocorrer: uma insolvência de $ 1.000.000, ou de $ 1.300.000 - praticamente com o mesmo grau de probabilidade. Pela restrição escolheríamos a previsão de $ 1.300.000, por apresentar um menor valor final para o ativo líquido.

6.4. A Convenção da Consistência

Enunciado: “A Contabilidade de uma entidade deverá ser mantida de forma tal que os usuários das demonstrações contábeis tenham possibilidade de delinear a tendência da mesma com o menor grau de dificuldade possível...”

Essa convenção,* de grande importância na Contabilidade, deve também ser entendida à luz das restrições de entendimento por parte dos usuários da informação contábil.

Por um lado, deve ser entendido que os contadores deverão refletir bastante, antes de adotar determinado procedimento de avaliação, a fim de haver a maior seqüência possível de exercícios com a utilização dos mesmos procedimentos de avaliação. Isso não significa, contudo, que, mesmo ocorrendo mudanças nos cenários ou uma reflexão sobre a melhor utilização de outro critério, a Contabilidade deva, apenas para não alterar a seqüência, deixar de introduzir essa melhoria.

Qualquer mudança de procedimento que seja material deverá ser claramente evidenciada em notas explicativas e os efeitos dela decorrentes, tanto sobre o balanço quanto sobre o resultado, devem ser mensurados e bem enunciados. Como complemento à possibilidade de avaliação de tendência, é fundamental que haja consistência, também, nos períodos abrangidos pelas demonstrações.

Por parte do usuário, deve ser entendido que a Contabilidade é uma linguagem especial e que nem todos podem, livremente, falar e escrever sem o auxílio de um intérprete (um técnico).

Por mais que se procure preservar a clareza e a consistência de procedimentos, de um exercício para outro, para maior facilidade de acompanhamento por parte do usuário, não deve isto servir de pretexto para a estagnação na melhoria dos procedimentos, à luz das circunstâncias.

Consistência e Materialidade viajam juntas, como de resto todos os postulados princípios e convenções. No caso destas, fica mais difícil estabelecer regras precisas e matemáticas. Daí a importância de uma sólida base teórica do Contador, que o habilitará a escolher o melhor conjunto de procedimentos, em cada circunstância.

Devemos conviver com esse conjunto e aplicá-lo da forma mais correta possível, como conseqüência do melhor de nossos esforços e sempre lembrando que nossa responsabilidade, como profissionais e cidadãos, é, antes de mais nada, social.

Conceitos-chave deste item:

  1. consenso de experts;
  2. qualidade do atributo mensurado;
  3. eventos que refletem tendências;
  4. materialidade e relevância;
  5. vocação conservadora da Contabilidade;
  6. avaliação de tendências por parte do usuário.






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