Ano XXVI - 23 de novembro de 2024

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POSTULADOS AMBIENTAIS DA CONTABILIDADE



ESTRUTURA CONCEITUAL BÁSICA DA CONTABILIDADE

REMINISCÊNCIAS TEÓRICAS SOBRE OS PRINCÍPIOS DE CONTABILIDADE

4. POSTULADOS AMBIENTAIS DA CONTABILIDADE (Revisada em 28/03/2024)

  1. O Postulado da Entidade Contábil
  2. O Postulado da Continuidade das Entidades

NOTA DO COSIFE: Sobre este texto, veja os esclarecimentos iniciais que estão na página índice

Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE

4.1. O Postulado da Entidade Contábil

Enunciado: “A Contabilidade é mantida para as Entidades; os sócios ou quotistas destas não se confundem, para efeito contábil, com aquelas...”

Entidades são conjuntos de pessoas, recursos e organizações capazes de exercer atividade econômica, como meio ou como fim.

Quando afirmamos que os sócios ou quotistas para cuja entidade estamos mantendo registros contábeis não se confundem (seus interesses e contabilizações) com a Entidade, estamos formalizando a grande abstração contábil.

De fato, a Contabilidade realiza um grande esforço para manter registros separados para cada entidade. Digamos que a entidade/foco seja a Empresa ABC Ltda., com os sócios A, B e C. Quando, como contadores, estamos mantendo a contabilidade para a entidade Empresa ABC Ltda., estamos acompanhando a evolução do patrimônio líquido da Entidade e não dos sócios. Entretanto, o mesmo contador poderia manter a contabilidade para o sócio A (pessoa física), para o sócio B (outra entidade) e para o quotista C (outra pessoa física).

O mesmo contador poderia cuidar de quatro entidades distintas, embora com grandes relacionamentos de interesses.

Nem sempre é tão fácil imaginar e avaliar a separação contábil. R. Anthony apresenta o conhecido exemplo de uma entidade representada por um pequeno comércio, uma loja cujos sócios são marido e mulher, e cujas atividades comerciais se desenvolvem na loja, ao nível da rua, ao passo que o casal exerce suas atividades familiares na sobreloja. Contas de telefone, água e luz vêm para o sobrado como um todo. Entretanto, a Contabilidade deveria fazer um esforço de alocação das despesas a serem apropriadas para a entidade comercial e para a entidade familiar.

Tradicionalmente, os teóricos da Contabilidade dão, para o Postulado da Entidade, a conotação analisada anteriormente. Entretanto, tal significado, conquanto importante e consubstanciado, na Contabilidade, antiga regra jurídica, não explica toda a dimensão do termo Entidade para a Contabilidade.

Pensamos que o Postulado da Entidade tem as seguintes dimensões:

  1. jurídica;
  2. econômica;
  3. organizacional; e
  4. social.

A Entidade, em sua dimensão jurídica, é perfeitamente distinta dos sócios, o que acabamos de analisar.

A Entidade, em sua dimensão econômica, caracteriza-se como massa patrimonial, cujo evoluir, quantitativo e qualitativo, a Contabilidade precisa acompanhar.

A Entidade, em sua dimensão organizacional, pode ser encarada como grupo de pessoas ou pessoa exercendo controle sobre receitas e despesas, sobre investimentos e distribuições.

A Entidade, em seu sentido social, que pode ser examinada em suas transfigurações sociais, no sentido de que a entidade pode ser avaliada não só pela utilidade que a si acresce, mas também pelo que contribui no campo do social, em termos de benefícios sociais.

A Contabilidade, todavia, engloba todos os aspectos e dimensões numa abordagem só: a visão contábil. Para a Contabilidade, nenhuma das quatro dimensões é suficiente para caracterizar, contabilmente, uma entidade. De fato, quando separamos, cuidadosamente, o que é dos sócios do que é da entidade, estamos contemplando o tipo a; quando, denotadamente, comparamos a situação patrimonial de uma mesma entidade, como um todo, ao longo de vários períodos, estamos conotando a dimensão b; entretanto, quando nos preocupamos em abrir centros de custo, de lucro ou de investimento, vislumbramos a dimensão c; e, finalmente, ao tecer comentários em notas explicativas sobre programas de fundos de pensão e complementação de aposentadoria, talvez, sem o saber, estejamos também envolvidos com a dimensão social, ou seja, a d.

Entretanto, nem mesmo tais explicações são suficientes para idealizar a transcendência da Entidade para a Contabilidade.

Ao mantermos registros tão cuidadosos e separados para cada entidade, subentidade ou macroentidade, estamos caracterizando uma faceta importante da Contabilidade, que é a de nunca acreditar que a simples soma das partes seja igual ao valor do todo.

Nisto, a Contabilidade é, ao mesmo tempo, cônscia de suas limitações de não querer ser a única disciplina a avaliar o “verdadeiro” valor da empresa (embora seja o principal instrumento de informação para tal), e tremendamente sábia em cancelar as transações interentidades, ligadas por traços de controle econômico e administrativo, para chegar ao todo ou consolidado.

O Consolidado representa uma entidade à parte, totalmente caracterizada, e deve ser encarada separadamente das partes. Pode abranger essa entidade maior o conjunto controlador/controladas ou mesmo entidades sem ligações societárias entre si, mas desde que subordinadas a um controlador comum.

Todas as entidades merecem a atenção da Contabilidade, a saber:

  1. empresas;
  2. órgãos governamentais;
  3. os governos federal, estadual e municipal;
  4. autarquias;
  5. sociedades de economia mista e companhias estatais;
  6. sociedades de finalidades não lucrativas;
  7. patrimônios familiares ou individuais;
  8. fundos de investimento;
  9. entidades financeiras bancárias e não bancárias;
  10. entidades cooperativas etc.

Entretanto, da mesma forma que, para certas finalidades informativas de usuários especiais, são válidas as consolidações de entidades, representando a resultante outra entidade, também são vislumbradas, dentro de uma entidade maior, digamos uma grande empresa multidivisional, atomizações da visão da entidade em microentidades, segmentos de interesse e de controle, que merecem, a juízo da administração, reporte separado de receitas e despesas, de investimentos e retornos, de metas e realizações.

Aqui também vale a máxima: a soma das partes (divisões) não é, necessariamente, igual ao todo (empresa-entidade/macro, no caso). É principalmente por isso que cada entidade contábil é digna da atenção toda especial da Contabilidade, pois sua individualidade é marcante e suas realizações são peculiares em termos de contribuição para adicionar valor e utilidade aos recursos que manipula.

Para entender a Contabilidade e como ela atua é preciso entender o pano de fundo de sua atuação, isto é, as Entidades, de toda natureza e fins.

Por outro lado, para captar a essência operacional das entidades, é preciso, além do estudo cuidadoso de seu processo interno de produção, o entendimento do ambiente dentro do qual as entidades atuam. Fatores externos à entidade podem ser tão ou mais importantes para o sucesso ou insucesso final do que mecanismos internos.

Podemos, assim, caracterizar melhor o Cenário ou Cenários dentro dos quais as Entidades operam. Na verdade, agora podemos afirmar que, quem, destramente ou não, procura nadar dentro do rio, às vezes tempestuoso, que é o cenário, são as entidades e não, propriamente, a Contabilidade. Todavia, esta vive para aquelas, eis que não podemos desligar a visão contábil e a construção de uma técnica toda peculiar das vicissitudes e dificuldades de cada cenário.

Particularmente, as companhias abertas representam um tipo de entidade que merece um tratamento especial por parte da Contabilidade. Abertura significa responsabilidade e oportunidade. Oportunidade de garantir um crescimento sustentado e firme com o auxílio do aporte de capital de risco, muito mais maleável do que o de empréstimo; responsabilidade operacional, por outro lado, e de evidenciação plena, pois os investidores atuais ou potenciais precisam ter as melhores condições possíveis para avaliar a tendência do empreendimento.

A entidade contábil consubstanciada, portanto, por uma sociedade aberta representa a sublimação máxima e o maior desafio para a Contabilidade.

Conceitos-chave deste item:

  1. entidade contábil;
  2. abstração contábil;
  3. dimensão jurídica;
  4. dimensão econômica;
  5. dimensão organizacional;
  6. dimensão social;
  7. consolidado;
  8. macroentidade;
  9. microentidade;
  10. a soma das partes não é necessariamente igual ao todo.

4.2. O Postulado da Continuidade das Entidades

Enunciado: “Para a Contabilidade, a Entidade é um organismo vivo que ira viver (operar) por um longo período de tempo (indeterminado) até que surjam fortes evidências em contrário...”

A Contabilidade, entre a vida e a morte, escolhe sempre a primeira. De fato, esta é uma constatação do histórico dos negócios; não existe, a priori, nenhum motivo para julgar que um organismo vivo venha a ter morte súbita ou dentro de curto prazo. Ainda mais, as entidades são organismos que renovam suas células vitais através do processo de reinvestimento.

O Postulado da Continuidade tem outro sentido mais profundo que é o de encarar a entidade como algo capaz de produzir riqueza e gerar valor continuadamente sem interrupções. Na verdade, o exercício financeiro anual ou semestral é uma ficção determinada pela necessidade de se tomar o pulso do empreendimento de tempos em tempos. Mas as operações produtivas da entidade têm uma continuidade fluidificante: do processo de financiamento ao de estocagem de fatores de produção, passando pelo uso desse no processo produtivo, até a venda que irá financiar novo ciclo e assim por diante.

A entidade, para a Contabilidade, não é uma “aventura”, como as antigas expedições em busca de especiarias. Armava-se o navio, chegava-se com muita sorte ao destino, compravam-se as especiarias e voltava-se a Portugal ou Espanha, vendendo-se o carregamento. Estava encerrada a aventura ou ciclo. Cada navio era, ao mesmo tempo, um centro de custo e de lucro, bem como de investimento. Seria difícil imaginar a apuração de resultados, digamos, mensais para tal tipo de empreendimento. O tempo não tinha maior sentido, em si, a não ser quando o ciclo se completasse.

É bem diferenciada a visão que a Contabilidade tem da Entidade em continuidade... (going concern dos norte-americanos). Os autores norte-americanos falam, literalmente, em “algo em andamento (movimento)” para se referirem à Contabilidade (mas esse postulado também está sempre presente nos autores europeus).

Não que a Contabilidade recuse a noção de que possa ocorrer a descontinuidade. Mas o faz apenas quando há fortes e decisivas evidências de que a descontinuidade possa ocorrer.

Nesse último caso os Conceitos ou Princípios Contábeis Fundamentais não se aplicam àquela Entidade como se faz com as outras “em marcha”. Entretanto, para que isto ocorra (reconhecimento do estado de descontinuidade imediata ou iminente), é preciso fazer uma avaliação extremamente rigorosa e minuciosa da situação da entidade e de seus projetos financeiros e econômicos mediatos. Os auditores independentes, principalmente, tomam grandes cuidados antes de reconhecerem o perigo da descontinuidade, mas se tiverem evidência dela, não podem fugir à responsabilidade de sua evidenciação no seu relatório.

Antes que tal reconhecimento ocorra, todavia, a entidade é considerada em continuidade, e todos os princípios contábeis se aplicam integralmente da forma como serão definidos mais adiante.

Uma conseqüência imediata do Postulado da Continuidade é considerar-se que os ativos da entidade (menos os produtos) não são mantidos para serem vendidos no estado em que se encontram, mas para, devidamente manipulados pela Entidade, gerarem receitas em excesso às despesas (ativos consumidos ou dados em troca no esforço de produzir receita), redundando, assim, num resultado positivo (para as empresas) ou, de alguma forma, gerando serviços ou benefícios para a coletividade (para as entidades de outras naturezas, de finalidades não lucrativas).

Dessa forma, a entidade não existe para, oportunisticamente, adquirir ativos quando o preço é baixo visando revendê-los, no estado em que se encontram, quando o valor de mercado é maior ou quando o fluxo de caixa da entidade assim o necessite.

Uma entidade assim vocacionada teria todo o interesse em avaliar os ativos a valores de mercado, de realização (ou de venda). Já uma entidade do tipo que estamos tratando, em plena continuidade, tem interesse em sacrificar alguns ativos (fatores de produção) em troca de uma receita que supere o valor dos ativos sacrificados. Existe todo o interesse em se contabilizarem, assim, os ativos que irão ser sacrificados por quanto custaram à entidade. Através do confronto entre:

  • (+) receitas (valor de venda - de saída)
  • (-) despesas (ativos sacrificados - por quanto “custaram” - valor de entrada),
  • (=) obtemos o resultado, que esperamos sempre no positivo.

Assim, os ativos, enquanto estocados (no estado original ou nos estoques de produtos acabados ou semi-acabados), devem, via de regra, ser avaliados por algum tipo de custo.

Alguns autores e legislações admitem exceções para os produtos em estado de venda.

Consideramos, entretanto, que, mesmo nesse ativo, deva prevalecer um valor de entrada, de custo, com algumas exceções que veremos oportunamente.

A avaliação usual dos ativos por algum tipo de valor de entrada, ou de custo, é, cremos, conseqüência do Postulado da Continuidade. Se a descontinuidade é a exceção, caso em que avaliaríamos por algum tipo de valor de realização - de saída -, na regra devemos avaliar por valores de entrada.

Alguns autores se insurgem, sempre, contra a não-utilização de valores de realização. À primeira vista parece mais avançada ou mais moderna tal abordagem. Entretanto, os que assim professam não entenderam a verdadeira natureza íntima da Contabilidade que consiste, basicamente, no confronto entre sacrifícios (mensurados por custos) e realizações (mensuradas por valores de venda).

Entretanto, o valor de venda somente se materializa quando conseguimos obter do mercado a validação do nosso esforço de produção. O valor de mercado - de venda - é uma conquista da entidade, não é um mero apêndice de avaliação. Assim, os que insistem na avaliação, sempre a valores de venda, na verdade “vulgarizam” algo que é transcendental na Contabilidade, ou seja, o ponto de confronto entre o mercado e a entidade. A entidade, casta e operosamente, foi mantendo, sacrificando e estocando seus fatores a preços de custo; esses produtos ou serviços, sendo capazes de satisfazer às necessidades do mercado, são a este transferidos através de uma entrada de receita. Só neste ponto é que se realiza o casamento entre valores de entrada - que agora saem - e valores de saída, que finalmente entram.

O Postulado da Continuidade das Entidades é, portanto, um dos axiomas ambientais básicos aceitos pela Contabilidade que apresenta influência direta nos Princípios Fundamentais.

A entidade em continuidade é a premissa básica da Contabilidade.

Conceitos-chave deste item:

  1. vida e morte;
  2. ventura;
  3. valores de saída;
  4. valores de entrada;
  5. sacrifícios;
  6. realizações.






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