REVISTA POR SINAL #56 - SEM FANTASIA
REPRESENTANTES SINDICAIS COLOCAM A BOCA NO TROMBONE
São Paulo, 30/03/2018 (Revisada em 20/02/2024)
7. “VIVEMOS A HIPOCRISIA DAS REFORMAS DA PREVIDÊNCIA E TRABALHISTA”
Referência mundial da Economia Solidária, Joaquim Melo fundou, em 1998, o primeiro banco comunitário do Brasil, o Banco Palmas, no Conjunto Palmeira, bairro pobre da periferia de Fortaleza. O desafio era estimular a geração de renda e desenvolver a economia local, a partir da criação de uma rede de produtores e consumidores. A experiência deu tão certo que hoje ele é coordenador do Instituto Palmas, entidade gestora (e única certificadora) de uma rede de 113 bancos comunitários, espalhados pelas regiões mais carentes e longínquas do país – comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos da Amazônia, semiárido, sertão. Lugares, na maioria das vezes, abandonados pelas instituições financeiras tradicionais, por não oferecerem lucros atraentes, e que hoje recebem “clientes” que foram banidos desses bancos. Joaquim não para. Indignado com o aumento da pobreza e da desigualdade, quer criar mais e mais bancos comunitários pelo Brasil afora, acreditando na eficácia da metodologia das finanças solidárias. Esta é sua tarefa. Mas os desafios são maiores, e ele deixa um recado nesta entrevista: “Enquanto não se taxarem, de forma contundente, as grandes fortunas, o capital especulativo e as grandes heranças, falar das reformas para resolver os problemas sociais é hipocrisia.
ENTREVISTA COM JOAQUIM DE MELO - Por FLÁVIA CAVALCANTI repórter da Revista Por Sinal #56 - FEV/2018 - Editada pelo SINAL - Sindicato dos Funcionários do Banco Central.
"A automação dos bancos comerciais tem como objetivo reduzir custos e maximizar o lucro. Por isso, cada vez mais, os bancos comerciais reduzem o número de funcionários e de agências bancárias. A estratégia é deixar tudo digital, via plataformas móveis. Para os pobres, as pessoas de baixa escolaridade, os idosos, os “desconectados”, isso vira um horror e aumenta o processo de exclusão". (Joaquim de Melo - Coordenador do Instituto Palmas)
FLÁVIA CAVALCANTI:
Há duas décadas, os moradores do Conjunto Palmeira, na periferia de Fortaleza, no Ceará, viviam em uma situação de extrema pobreza, sem água tratada, esgoto e luz elétrica. Vinte anos depois, a realidade é outra, graças à criação do Banco Palmas, o primeiro banco comunitário do país. O que mudou? Como vivem hoje os moradores do Conjunto Palmeira?
JOAQUIM DE MELO:
A qualidade de vida do Conjunto Palmeira melhorou em larga escala. As mudanças podem ser observadas tanto do ponto de vista urbano, econômico, como de governança participativa do bairro.
Do ponto de vista urbano, há 20 anos o bairro tinha apenas uma escola de primeiro grau, hoje tem quatro escolas de ensino fundamental e uma de ensino médio. Havia um posto de saúde, atualmente são dois; 70% do bairro carecia de abastecimento de água e energia elétrica, hoje 100% das casas têm cobertura destes serviços; 40% das residências eram de taipa, hoje, 98% são de alvenaria — todas estão passando por regularização fundiária e vão receber as escrituras, que ainda estão em nome da prefeitura de Fortaleza.
Do ponto de vista econômico, investimos milhões de reais para ações produtivas. Só nos últimos sete anos, R$ 14 milhões para 5.600 empreendimentos, 84% de mulheres. Centenas de milhares de "palmas" (moeda social criada para uso local) emprestados para apoiar o consumo local, sem juros. Milhares de pessoas abriram sua primeira conta, acessaram seu primeiro seguro de vida e receberam formação em educação financeira. Em 20 anos, 3.500 postos de trabalho foram gerados e aumentou em 60% a venda no comércio local.
E em relação à governança participativa?
O bairro se tornou mais organizado e unido. Foi criado o Comitê do Bairro, um colegiado com reuniões mensais, que articula 26 organizações comunitárias, ONGs e igrejas do Conjunto Palmeira — um órgão de deliberação e concertação coletiva da comunidade. Recentemente, num processo de democracia direta, criaram-se 39 Conselhos de Quarteirão, que consistem numa organização dos moradores, quarteirão por quarteirão, com o objetivo de cuidar, limpar, plantar, pintar e deixar a área saudável.
Como funciona o modelo de renda baseado no microcrédito e na produção solidária? Em linhas gerais, a ideia é que o dinheiro circule dentro da própria comunidade, proporcionando uma qualidade de vida melhor. Que instrumentos são necessários para garantir essa circulação?
O Banco Palmas tem duas linhas de crédito. Uma, em moeda nacional (Real), para empréstimo a pequenos empreendimentos produtivos da economia popular e solidária que querem se implantar ou ampliar seus negócios. Outra, sem juros, para empréstimos em moeda social, a fim de estimular compras nesses empreendimentos locais. Todo esforço consiste em criar localmente uma Rede de "Prossumatores", em que todos do bairro são considerados produtores, consumidores e atores sociais de transformação. Dessa forma, as pessoas se relacionam e compram entre si, fazendo o dinheiro circular na comunidade.
Com o objetivo de ajudar tecnologicamente na formação dessa rede, o Banco Palmas criou a PalmasLab — laboratório de inovação e pesquisa em economia solidária, formado por jovens da periferia, treinados por especialistas. Um dos produtos da PalmasLab é o aplicativo Palmap, com o qual os jovens realizam pesquisas participativas sobre o que o bairro consome, produz, e verificam seus sonhos e utopias. Esses estudos ajudam a orientar as linhas de crédito do banco e seus programas de capacitação, de forma a facilitar a formação das cadeias produtivas locais e redes de colaboração.
Quais são as formas de financiamento que o Banco Palmas adota? E o perfil dos tomadores? As mulheres têm peso importante?
O Banco Palmas possui 6.500 clientes ativos em sua carteira de crédito produtivo e 3.330 no crédito para o consumo. O crédito produtivo é feito em reais, com juros que variam de 1% a 3%, dependendo da renda do tomador. Quem tem renda maior paga mais juros; renda menor, menos juros. O financiamento varia de quatro a 12 parcelas mensais, podendo ser financiado de R$ 50 até R$ 15.000. O crédito em moeda social é sem juros, pago em até quatro parcelas, financiado de R$ 20 até R$ 600. Quanto ao perfil dos tomadores de crédito, 85% são mulheres e 95% têm renda familiar abaixo de três salários mínimos.
Há um expressivo contingente populacional que não tem acesso ao sistema financeiro, ou por serem analfabetos, ou por não terem renda formal, ou nada em seu nome. A automatização do atendimento bancário só piorou essa situação, pois muitos não entendem, ficam constrangidos e envergonhados. Ao mesmo tempo, um dos pilares do Banco Central é a cidadania financeira. O que o BC pode aprender com essas instituições de crédito comunitário?
Há dois tipos de automação do atendimento bancário. A automação dos bancos comerciais tem como objetivo reduzir custos e maximizar o lucro. Por isso, cada vez mais, os bancos comerciais reduzem o número de funcionários, agências bancárias, correspondentes, caixas eletrônicos, etc. A estratégia é deixar tudo digital, via plataformas móveis. Para os pobres, as pessoas de baixa escolaridade, os idosos, os “desconectados”, porque não têm acesso à internet, isso vira um horror e aumenta o processo de exclusão.
É preciso se ter claro que o Brasil tem um problema sério com a conectividade, e são milhares de territórios que não contam com sinal de internet. Além disso, as pessoas com mais de 40 anos têm dificuldade de fazer transações financeiras pelo celular ou internet banking, quer pela pouca habilidade com as tecnologias digitais, quer por desconfiança na segurança do sistema. O que temos visto são centenas de municípios e milhões de brasileiros sem alternativa financeira e bancária em nome de um “avanço tecnológico” que, se não bem aplicado, agrava a desigualdade e a pobreza.
E no caso dos bancos comunitários?
Os bancos comunitários optaram por uma automação que não dispensa a presença humana. Criamos uma plataforma digital (E-dinheiro), que permite a milhares de brasileiros fazerem suas transações financeiras e bancárias de forma digital, sem sair de casa, mas não dispensamos os bancos comunitários presentes nos territórios. Aqueles que não conseguem fazer suas transações digitais podem se dirigir ao banco comunitário e serão atendidos presencialmente.
Muitas vezes, por conta da dificuldade de acesso à rede, o banco disponibiliza internet gratuita em sua sede, de forma que as pessoas vão até lá para se conectar e realizar suas operações pelo celular. Assim, optamos por um modelo que é ao mesmo tempo digital e presencial. Os bancos comunitários têm evoluído em tecnologia, mas com o cuidado e muita solidariedade com os milhões de brasileiros que ainda não utilizam o sistema digitalizado.
Como funciona essa plataforma? Quantos usuários a utilizam hoje?
A plataforma E-dinheiro é um arranjo de pagamento pré-pago, para compra e transferência, considerada pelo Banco Central como não integrante ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Pertence à Rede Brasileira de Bancos Comunitários, representada pelo Instituto Banco da Periferia, que é a organização custodiante.
O aplicativo pode ser baixado normalmente na play store, tanto por usuários como comerciantes. Contudo, circula localmente em cada território de um banco comunitário. Essa circulação local e o controle da comunidade dão ao dinheiro eletrônico a funcionalidade de “moeda social digital”.
O esquema funciona nacionalmente, mas cada banco comunitário anima sua rede local, cadastrando na plataforma usuários e formando uma rede credenciada de comércios locais. Toda vez que um usuário compra na comunidade, utilizando a plataforma, é cobrada uma taxa de 2% ao comerciante. Essa taxa retorna para o banco fazer operações de crédito para os produtores locais e, também, ajudar na sua sustentabilidade.
Os comerciantes podem fazer saques no banco comunitário, ou transferir (via plataforma) sua moeda social digital para qualquer banco comercial do país. Quando isso acontece, o depósito no banco comercial é realizado em reais.
Vocês promovem algum tipo de formação para os moradores com mais dificuldade de entrar na era digital?
O Instituto Banco da Periferia, responsável pela plataforma E-dinheiro, tem realizado oficinas com a população para a Cidadania Financeira Digital. São processos formativos nos quais se distribuem celulares e se ensinam às pessoas como podem ser feitos pagamentos de contas, faturas, transferências bancárias, compras no comércio, utilizando o celular via plataforma. É um processo lento, adaptado a cada público, alfabetizando as pessoas para a inclusão financeira e bancária digital. Sem esse procedimento, é impossível incluir os mais pobres na utilização de plataformas digitais. Já promovemos 70 oficinas, atendendo mais de mil pessoas em várias regiões do Brasil.
Sobre o processo de desbancarização, de que forma os bancos comunitários podem ocupar o lugar deixado pelas agências bancárias que estão fechando em todo o país?
Por seu modelo de atuação, instalados em pequenas associações comunitárias, com baixo custo, trabalhando com pessoas da pró- pria comunidade, os bancos comunitários conseguem se estabelecer nos territórios empobrecidos e longínquos. Temos bancos em comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos da Amazônia, semiárido, no sertão, enfim, nos lugares nos quais nenhuma agência bancária tradicional quer se instalar, por considerar que não trazem lucro. Cada dia mais, os bancos comunitários têm se instalado em locais abandonados pelas instituições tradicionais e recebido “clientes” que foram banidos desses bancos.
Com a plataforma digital E-dinheiro, esse alcance aumentou bastante, porque as pessoas podem se associar ao banco, mesmo à distância, bastando baixar a plataforma e escolher o estabelecimento e comparecer, a cada bimestre, a uma reunião presencial, a fim de criar laços de solidariedade com os outros associados.
A garantia solidária viabiliza o acesso ao crédito dos bancos comunitários. Além disso, algumas dessas instituições trabalham com o aumento do valor emprestado ao devedor. No caso dos bancos tradicionais, temos o cadastro positivo de crédito como uma promessa de reduzir as taxas. Dá para se fazer algum tipo de analogia com os novos bancos?
Os bancos comunitários trabalham com o aval de vizinhança. São os vizinhos que dão seu testemunho se a pessoa é honesta ou não. Além do mais, por serem instituições comunitárias, estão naturalmente no meio dos moradores, facilitando que o agente de crédito (que é da comunidade) conheça os tomadores de crédito e seus antecedentes. A proximidade com a população facilita a análise e impõe um novo tipo de avaliação para a decisão sobre a concessão do crédito, que leva em conta todo o contexto da vida das pessoas e suas relações socioeconômicas.
Esse modelo de verificação da capacidade financeira do tomador de crédito, de sua credibilidade, de suas condições para honrar o financiamento, foge dos tradicionais, frios, que não levam em consideração o dia a dia das pessoas. Os bancos comunitários partem do princípio da confiança e o reforçam ao inserir os tomadores de crédito numa rede local, onde todos se sentem responsáveis (e proprietários) do banco.
Portanto, todas as propostas que buscam novas formas e parâmetros de análise de crédito, diferentemente dos modelos tradicionais, se aproximam dos bancos comunitários e têm muito a contribuir.
No caso dos bancos comunitários, qual o nível de inadimplência e como ela é administrada? Lembrando que nas contratações dos bancos tradicionais, a inadimplência tem sido posta como parcela principal na composição dos juros.
Primeiro, tem que se questionar o conceito e os parâmetros de inadimplência que o Banco Central adota. Para o sistema financeiro oficial, se de 100 pessoas muito pobres que receberam crédito, 94 se deram bem, abriram seu pequeno negócio, pagaram em dia seu crédito e estabilizaram sua vida financeira, mesmo assim isso representaria inadimplência de 6% (porque seis não pagaram em dia). E esse banco seria considerado de “má gestão creditícia”. Ora, para os bancos comunitários, esse quadro representa uma excelente operação de crédito, tendo em vista as condições financeiras dessas famílias e os resultados que foram alcançados.
Para o Banco Palmas, o tomador de crédito fica inadimplente após 12 meses. Desde que ele esteja se relacionando com o banco, explicando a situação que o levou a não pagar a parcela do crédito, participando das reuniões, nós consideramos que essa pessoa encontra-se em dificuldade, mas não é inadimplente, por isso não terá seu nome negativado. Os pobres enfrentam dificuldades porque suas finanças estão sempre “no limite”. Portanto, temos de ter paciência e instituir outros padrões de análise de inadimplência.
Mas qual é a inadimplência do Banco Palmas?
A inadimplência do Banco Palmas, hoje, está na casa dos 6,5% (números de dezembro de 2017). Consideramos baixa em relação ao público que trabalhamos. Como já explicamos, 95% das pessoas de nossa carteira têm renda familiar abaixo de três salários mínimos.
A redução da inadimplência é feita através do diálogo permanente com os tomadores, reuniões bimestrais no banco e uma política de redes locais de "prossumatores", onde o próprio banco comunitário consegue “clientes” para comprar as mercadorias produzidas pelos tomadores de crédito. Trimestralmente, o Banco Palmas promove um feirão, priorizando barracas para clientes inadimplentes, oferecendo oportunidades para que eles vendam seus produtos e se restabeleçam financeiramente.
Portanto, estamos diante de um banco de novo tipo, voltado para o desenvolvimento da comunidade e o bem-estar das pessoas. Não basta que o tomador de crédito pague a parcela em dia, o banco também é responsável e se preocupa se ele está conseguindo melhorar de vida, aumentar sua inclusão socioeconômica, caminhando para o bem-viver.
Qual a sua opinião sobre o custo do dinheiro no Brasil? Existe um spread aplicado nas transações feitas pelos bancos comunitários?
Mesmo com os juros em queda, a taxa no Brasil é altíssima. Além dos juros, têm as taxas bancárias inclusas nas operações de crédito. Se o tomador ficar inadimplente, aí é a morte! As condições de negociação com os bancos inviabilizam o tomador para o resto da vida!
Os bancos comunitários têm taxas de juros variadas (de 1% a 3% ao mês), que permitem aos pequenos tomadores pagar menos juros e aos grandes, juros mais altos. É crédito evolutivo com juros evolutivos. Quanto menos dinheiro você pegar do banco, menos juros você paga; quanto mais dinheiro, mais juros. Dessa forma, distribuímos renda e enfrentamos a desigualdade. Em caso de inadimplência, a negociação é bem diferenciada, dependendo da situação financeira e social de cada cliente.
O spread é o menor possível, suficiente apenas para garantir a sustentabilidade do banco comunitário, sem objetivar lucro. Afinal, ele não existe para “ganhar dinheiro”, e sim para promover o desenvolvimento local.
O que o senhor pensa sobre a regulação dos juros, da taxação dos dividendos e das grandes fortunas? E de que forma um sistema fiscal mais justo e eficiente poderia contribuir para uma economia mais cidadã?
O rentismo e a desigualdade fiscal são, hoje, responsáveis pelo aumento da pobreza e da desigualdade no Brasil. Não podemos aceitar que cinco brasileiros tenham mais dinheiro que a metade da população do país. Isso é gravíssimo, porque impossibilita que qualquer problema social seja resolvido. É como enxugar gelo. Ou se enfrenta essa questão, ou o Brasil implodirá.
Vivemos, atualmente, a hipocrisia das reformas da Previdência e trabalhista, enquanto não se toca no problema maior que é taxar, de forma contundente, as grandes fortunas, o capital especulativo, as grandes heranças.E criar uma carga tributária diferenciada, dependendo do porte financeiro de pessoas e empresas. Urge, como extrema necessidade, que se enfrente a questão das grandes fortunas, que passam de pai para filho de forma especulativa e eterna, para podermos desenhar qualquer possibilidade de justiça social no país.
É impossível se conceber que os pequenos produtores do Conjunto Palmeira paguem impostos iguais (ou superiores) às grandes indústrias. É impossível se conceber que, quando um produtor no Conjunto Palmeira fabrica um detergente, um sabonete, uma roupa, um par de sapatos, pague o mesmo imposto que as grandes multinacionais e os grandes conglomerados empresariais.
A injustiça fiscal é terrível e faz o Brasil se tornar uma casta, onde pobre morre pobre e rico fica cada vez fica mais rico. É evidente que, em algum momento, essa brutal desigualdade, geradora de tanta violência, vai levar o país a uma implosão social. Teremos convulsões insuportáveis. Basta olhar o que está acontecendo nas periferias do Brasil com o avanço do tráfico, o aumento da pobreza, o genocídio da juventude, o colapso dos serviços públicos. Estamos diante da barbárie.
Uma das propostas para resolver as altas taxas, altas tarifas e a dificuldade de acesso aos bancos é o cooperativismo, com experiências bem-sucedidas, mas ainda um tanto restritas ao Sul do Brasil. Quais são as semelhanças e diferenças entre o modelo cooperativista tradicional e o do banco comunitário?
A lógica da cooperação, da propriedade coletiva, dos excedentes partilhados entre todos os associados, a democracia interna nas decisões em que todos têm direito a um voto, a proximidade com a comunidade são características que aproximam os bancos comunitários das cooperativas.
Contudo, há de se pontuar que muitas cooperativas já não exercem mais suas características originárias e perderam o espírito cooperativista. A rede de bancos comunitários diferencia as cooperativas do campo popular e solidário das cooperativas capitalistas, que objetivam somente o lucro.
Talvez a maior diferença dos bancos comunitários para as cooperativas seja o fato de não sermos fiscalizados pelo Banco Central. Isso garante a esses bancos maior liberdade de atuação, inclusive de criar critérios próprios para concessão de crédito, produtos financeiros diferenciados e adaptados aos mais pobres, liberdade para inovação financeira e bancária. Outra diferença é que os bancos comunitários não estão obrigados a obter lucro e as cooperativas de crédito, sim. A desvantagem maior é que, pelo fato de não sermos cooperativa, temos mais dificuldade em captação de recursos no mercado, e estamos impossibilitados de captação de poupança.
O Instituto Palmas estava estudando uma maneira de conseguir um mecanismo para bonificar os poupadores digitais. Qual foi o resultado? Em caso positivo, esse serviço atraiu mais usuários para a plataforma E-dinheiro, como previsto pelo senhor?
Essa bonificação está presente na plataforma, no menu “Minhas Economias”. As pessoas se propõem a alcançar uma meta financeira para realizar um sonho. Por exemplo, comprar uma bicicleta, ou uma televisão. Então, vão guardando moeda social digital até conseguir sua meta. Uma vez isso acontecendo, nós bonificamos seus esforços.
Ainda está sendo pouco utilizada, porque não é muito conhecida dos usuários. Com as oficinas de Cidadania Financeira Digital que estamos realizando, esperamos que essa ferramenta cresça bastante em 2018. Ensinamos que é melhor guardar o dinheiro e comprar à vista, com desconto, do que a prazo, por um preço maior.
No início de 2017, o senhor solicitou uma audiência com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para que fosse autorizado à Rede Brasileira de Bancos Comunitários o pagamento de aposentados e pensionistas pelo E-dinheiro. Como estão as negociações com a Fazenda?
Estou aguardando o ministro me atender. Há milhares de aposentados e pensionistas que andam quilômetros para municípios vizinhos atrás de receber suas aposentadorias. É um sacrilégio. A ausência de bancos e serviços financeiros nos municípios, além de dificultar o desenvolvimento local, impõe um sofrimento desnecessário às pessoas. Em algum desses municípios, existem bancos comunitários, poderíamos pagar os aposentados com a plataforma E-dinheiro. Eles não precisariam nem sair de casa. Recebendo nossa moeda digital, fazem compras no comércio local e ajudam o município a se desenvolver.
É só querer! Agora, em 2018, vou mandar outra carta para o ministro, com um abaixo-assinado de 10 mil aposentados dizendo que querem receber pelo E-dinheiro.
E com o Banco Central, alguma parceria está sendo discutida? Quais seriam os eixos dessa colaboração?
Temos ótima relação com o Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central. Estamos sempre dialogando como levar educação financeira digital para os territórios de baixa renda, capacitando as pessoas a usarem plataformas digitais, possibilitando, assim, a inclusão de milhares de clientes nos sistemas financeiro e bancário.