Ano XXVI - 21 de novembro de 2024

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VENEZUELA - JOGO DE DUPLO RISCO



VENEZUELA - JOGO DE DUPLO RISCO

O PROGRAMADO GOLPE DE ESTADO CONTRA HUGO CHÁVEZ

São Paulo, 02/06/2004

Manchete: A oposição tentou articular a deposição de Chávez por mercenários estrangeiros, mesmo dizendo que vai vencê-lo no referendo.

Por Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa - Carta Capital - ed.293 - 02/06/2004

Entre 28 e 30 de maio [2004], o processo político venezuelano passa por outra fase crítica: mais de um milhão de venezuelanos são chamados a confirmar ou não as assinaturas que constam como suas na petição de plebiscito para impedimento do presidente Hugo Chávez, preenchida em novembro último (novembro de 2003).

Segundo a Constituição de 1999, afastar qualquer mandatário exige uma petição que, se assinada por 20% dos eleitores - exatamente 2.491.196 -, obriga o governo a marcar um referendo. Se o comparecimento for superior a 25% e a proporção dos votos pelo afastamento superar a recebida na eleição - 57%, no caso de Chávez -, o mandato é revogado. Se não, fica confirmado até seu final.

Em fevereiro de 2003, durante a greve geral, a oposição improvisou um abaixo-assinado que dizia reunir 2,7 milhões de assinaturas, mas o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não o aceitou. Só depois de completada a metade do mandato, como especifica a Constituição, autorizou a coleta legal, pela revogação do mandato do presidente e de 32 deputados (20 chavistas e 12 da oposição).

Apoiados pela mídia privada, patrões e governos locais de oposição pressionaram seus funcionários a assinar contra Chávez, prometendo gorjetas ou ameaçando com demissões os que se abstivessem e apresentaram 3.448.747 assinaturas. Mas, em março, o CNE impugnou 375.241 como inválidas (de menores, falecidos ou eleitores não registrados) e 1.192.914 como duvidosas. Incluem dezenas de milhares de planilhas nas quais todas as assinaturas têm caligrafia idêntica e eleitores com dados ilegíveis.

Três dos deputados tiveram contra si assinaturas suficientes para ter de enfrentar um referendo e outros quatro, dos dez ainda sob avaliação, estarão provavelmente na mesma situação. Todos oposicionistas.

O Centro Carter (que, junto com a OEA, avaliza a lisura do processo) viu nisso um atentado à “presunção de boa-fé do eleitor” e Roger Noriega, subsecretário de Bush para a América Latina, atacou o CNE e garantiu que todos os 3,4 milhões de assinaturas eram válidas. Atitude curiosa, partindo de um país cujo atual governo só foi eleito graças à anulação de quase meio milhão de votos “duvidosos”.

Apenas 1.910.965 assinaturas, contra Chávez, foram validadas, insuficientes para a convocação do referendo, a menos que 580.231 das duvidosas sejam confirmadas. O CNE anunciará em 4 de junho [2004] o resultado da confirmação que, segundo uma fonte da oposição moderada disse a CartaCapital, teria 50% de chances de ser bem-sucedida. Se for o caso, o plebiscito será em 8 de agosto [2004].

Pode já ser tarde para os objetivos dos oposicionistas. Desde o fracasso do golpe, o presidente fez o que pôde para protelar o plebiscito que poderia apeá-lo do poder. Apostou que o tempo trabalharia a seu favor, aparentemente com razão.

Pesquisas independentes indicam que a popularidade do presidente recuperou-se de seu piso de 30%. Um observador internacional que trabalha para o Centro Carter disse ao jornal argentino Página/12 que ela estaria em torno de 40% e subindo. Um índice de fazer inveja ao colega peruano Alejandro Toledo que, segundo o instituto Idice, está com 4,7% e caindo, mas nem por isso é pressionado pelos EUA e a OEA a renunciar.

Mesmo que o referendo seja realizado, bastam 44% de apoio em agosto para manter Chávez no poder até 2006. E, apesar de a economia continuar abaixo do patamar de 1998, cresceu 29,8% no primeiro trimestre de 2004 em relação ao mesmo período do ano anterior - durante o qual a produção, principalmente de petróleo, havia sido paralisada pela greve geral iniciada em dezembro de 2002, que terminou com a retomada do controle total da estatal petrolífera PDVSA pelo governo central após a demissão de 16 mil grevistas antichavistas.

Nos últimos 12 meses, a exportação de petróleo recuperou-se em 72,5% e seu preço subiu 40%, chegando a mais de US$ 41 no mercado norte-americano - um bônus e tanto para um país no qual esse produto representa 80% das exportações, 55% da receita fiscal e 25% do PIB.

Não é à toa que a Venezuela é um dos membros da Opep que mais se opõem à revisão do teto da produção proposto pela Arábia Saudita (ainda que seja apenas para confirmar o atual patamar da extração). A alta do petróleo trouxe mais recursos ao governo venezuelano e aos programas de alfabetização e educação implementados nos morros que rodeiam Caracas, com ajuda de 10 mil médicos cubanos e de organizações sociais e comunitárias que contornam a má vontade da burocracia oficial.

Segundo o governo, 1,27 milhão de pessoas teriam sido alfabetizadas em seis meses. Outras 100 mil estariam sendo beneficiadas por um programa que paga um salário mínimo de 296.525 bolívares (R$ 488,18) a seus beneficiários para que recebam cursos em vários ofícios para formar cooperativas. Mais de 2 milhões de hectares foram distribuídos a 117 mil famílias camponesas.

O risco, porém, não é só o do impedimento legal. O receio de nova tentativa de golpe foi alimentado, em 29 de fevereiro [2004], pela deposição do presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide por milicianos uniformizados e armados não se sabe bem por quem - golpe tacitamente apoiado pelos EUA, que imediatamente invadiram o país para “restaurar a ordem”. Tanto para simpatizantes quanto para opositores de Chávez o caso pareceu um ensaio para a Venezuela.

Em 19 de março [2005] o próprio candidato da oposição democrata a Bush, John Kerry, deu sinal verde a uma intervenção ao criticar seu governo por ser “mole” contra Hugo Chávez - que, duas semanas antes, havia lhe oferecido seu apoio.

Desde então, a situação no Iraque deteriorou-se tão rapidamente que pareceu menos provável que a Casa Branca se dispusesse a correr o risco de outra aventura fracassada antes das eleições de outubro - mesmo provocada por Kerry, que em 5 de maio voltou a dizer que Chávez está se tornando um ditador e tenta desestabilizar toda a América Latina.

Em 9 de maio [2004], porém, um grupo de colombianos, vestidos com uniformes do Exército venezuelano, foi descoberto na fazenda El Hatillo, próxima de Caracas e pertencente a Robert Alonso, cubano anticastrista e líder antichavista.

Foram imediatamente presos 56 deles (incluindo oito rapazes e uma garota menores de idade). Outros fugiram, mas 85 foram capturados até a sexta-feira 21 [05/2004]. Vários oficiais venezuelanos, suspeitos de envolvimento no caso e no abastecimento dessas tropas, também foram detidos, inclusive os generais Néstor González e Francisco Usón (ex-ministro de Chávez que aderiu aos golpistas em 2002).

Segundo o comissário de polícia Miguel Rodríguez, alguns desses mercenários - que seriam parte de um total de 500 presentes no país - disseram ter sido recrutados para roubar armas do comando da Guarda Nacional na capital que seriam distribuídas a um grupo paramilitar de 3 mil homens, que oito dias depois seria formado para atacar o palácio presidencial em uma nova tentativa de depor Hugo Chávez.

Seus líderes e grande parte dos homens vieram das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) - força paramilitar organizada há décadas por fazendeiros e empresários para combater as esquerdas. Outros eram reservistas colombianos, contratados [como mercenários] especificamente para a ação na Venezuela. Um deles, entrevistado pela tevê venezuelana, disse ter sido iludido pela oferta de US$ 250 para um suposto trabalho agrícola.

O presidente Chávez denunciou um complô internacional armado em Miami e Bogotá - e aproveitou para espicaçar os EUA com a promessa de que “não haverá tortura, vendas e sadomasoquismo, pois nossos soldados e polícia não são sádicos”. Três dias antes, em uma rádio colombiana, o foragido ex-presidente Carlos Andrés Pérez havia voltado a declarar, de Miami, que considera esgotados os meios pacíficos e que seus aliados iriam depor o governo venezuelano pela violência.

O governo Chávez isentou o presidente Álvaro Uribe, que apoiou oficialmente a ação da Venezuela contra os paramilitares [mercenários], mas acusa o general colombiano Martín Orlando Carreño, que em dezembro e março teria se reunido, na fronteira, com líderes da oposição venezuelana.

Esta acusou o presidente de montar uma farsa, mas na segunda-feira 17, o noticiário da televisão colombiana La Red Independente divulgou gravações interceptadas pela Procuradoria-Geral em Cúcuta, perto da fronteira nas quais os líderes da AUC “Andrés” e Carlos Enrique Mora, El Gato, discutiam ações na Venezuela.

O governo venezuelano incrementou operações de vigilância e inteligência contra possíveis tentativas de incitação à violência. O país permanece dividido e propenso a um conflito capaz de repercutir em todo o continente.

Veja o texto O Modo de Agir do Ditador Hugo Chávez.







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