CLÁUSULA COMPROMISSÁRIA NO CONTRATO DE JOINT VENTURE (Revisado em 07-03-2024)
SUMÁRIO:
Por Marco Aurélio Gumieri Valério - advogado, mestrando em Direito na Unesp de Franca (SP) - http://www.jus.com.br/
Não é possível a existência, hoje, de contrato internacional sério, sem que tenha sido proporcionado por uma convenção de arbitragem.
Jean Robert e Bertrand Moureau na clássica obra Droit interne e droit international de l´arbitrage.
1. INTRODUÇÃO
1.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Fenômenos em contínua evolução, as relações negociais têm sido modernizadas pelas transações entre empresas localizadas em diferentes países, exigindo-se um dinamismo cada vez maior, diversificando-se formas de produção, investimentos e financiamentos, proliferando, em meio a esse contexto, variados tipos de associações, reguladas pelas necessidades, meios e objetivos almejados.
Entre os contratos internacionais aptos a serem aplicados nessa realidade, destaca-se o de joint venture, acordo sui generis que pode ser caracterizado como um vínculo, entre dois ou mais partícipes, denominados co-ventures, orientado na consecução de um projeto comum.
Não apenas no mundo prático, como também no teórico, nota-se a difusão dessa espécie contratual, bastando averiguar no meio acadêmico, a quantidade de trabalhos, entre dissertações e teses, além de artigos publicados em revistas científicas.
Há, contudo, um nítido distanciamento entre a necessidade de uma rápida solução de conflitos advindos da interpretação ou execução do joint venture e o direito, que andam em descompasso, aumentando o anseio e retirando a tranqüilidade dos agentes envolvidos.
Essa talvez seja a principal razão para explicar o extraordinário prestígio da cláusula compromissória nesses contratos. Derivado do termo latino arbiter, que pode significar juiz, louvado, ou ainda, jurado, a arbitragem é um meio extrajudicial de resolução de contendas, capaz de dirimir conflitos entre particulares, podendo ser determinada antes, pela cláusula arbitral, ou depois do surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral (1).
No intuito de abordar essa relação, faz-se necessário ilustrar, ainda que brevemente, elementos geralmente recorrentes em um joint venture, assim, serão descritos, sua origem, definição e características, além da conturbada natureza jurídica, passando pela sua classificação e motivação, chegando à cláusula compromissória e ao julgamento por equidade, fechando com uma conclusão dos pontos abordados ex ante.
1.2. Origem, definição e características do contrato de joint venture
A origem do contrato de joint venture está na prática empresarial norte-americana, onde os tribunais, através de sucessivas decisões jurisprudenciais, na segunda metade do séc. XIX e início do XX começaram a delineá-lo, apontando para uma identificação das características desse instituto (2).
Inicialmente, as cortes fizeram uso de duas expressões para evidenciar e descrever o objeto de um acordo com caráter associativo, com ou sem a constituição de uma sociedade distinguindo-as, respectivamente, em joint venture e joint adventure, juntados posteriormente com o desenvolvimento daquele, em detrimento deste (3).
Embora a locução joint venture, termo em inglês que significa aventura comum, seja vago e possa significar atualmente quase todas as formas de cooperação em empresas, é usualmente referido como um acordo de parceria visando a consecução de um projeto em conjunto, cuja importância ou complexidade reclamam a integração funcional, sem a qual, dificilmente o empreendimento se concretizaria.
Na lição de Ricardo Lorenzetti:
[...] no hay autor que no señale la ambigüedad del termino joint venture en la ciencia jurídica. Ya se ha señalando su extraneidad lingüística, su origen meta jurídico, su flexibilidad, o su renuencia a ajustarse a los moldes normativos clásicos: lo cierto es que ha sido y continua siendo fértil para la indagación jurídica (4).
Mesmo em seu país de origem, o contrato de joint venture não é legalmente delineado tratando-se, por isso, de um instituto de difícil assimilação por parte dos países de tradição romano-germânica, o que não impede, todavia, a sua larga utilização por essas nações, tanto as desenvolvidas, quanto as que estão em vias de desenvolvimento.
Os joint ventures aparecem sempre como fórmula de uso apta para diversas atividades, não delimitadas e sem prazo determinado de cooperação empresarial, não necessitando assumir forma jurídica societária com personalidade jurídica autônoma e distinta das empresas.
Na lição do Prof. Luiz Olavo Baptista:
Os contratos de joint venture são criados a partir de um acordo-base em torno do qual gravitam os contratos satélites, sendo seus objetivos realizados por um órgão de gestão e controle que pode ser uma pessoa física ou jurídica, mandatária, formal como uma sociedade por ações, ou informal, como o gerente de um consórcio (5).
O acordo-base, também denominado contrato-mãe é o instrumento que regulamenta as condições gerais do empreendimento contendo os objetivos, regras administrativas, direitos e obrigações das partes, distribuição de lucros, cláusula de duração e solução de conflitos, etc. e, os contratos satélites disciplinam algumas particularidades do primeiro como, por exemplo, o estatuto ou contrato social da pessoa jurídica, quando criada.
Com efeito, o êxito desse contrato se deve, em grande parte, à possibilidade de uma contínua adaptação do acordo as peculiariedades do negócio, sem a delimitação da manifestação de vontade dos contratantes podendo, ainda, estabelecer sua duração, seja por prazo determinado, determinável, ou indeterminado.
Com essas características, não é de se estranhar o crescente interesse sobre os contratos de joint venture como instrumento para a organização das mais variadas atividades de interesses.
1.3. Natureza jurídica dos contratos de joint venture
Ainda hoje, é comum encontrar trabalhos onde os autores, ao se depararem com o contrato de joint venture, não se dediquem a um detalhado estudo, evitando-se qualquer debate acerca de sua natureza jurídica tratando-o, em breves comentários limitados a parênteses ou notas de rodapé envolvendo-o, assim, numa densa neblina, atribuindo à expressão ares etéreos, de valor meramente semântico.
Mesmo nos tribunais, numa tentativa de defini-lo, acabou-se por atenuar suas características sui generis, sofrendo pela atração de institutos similares.
Segundo Luís Roberto Barroso:
[...] uma das patologias crônicas da hermenêutica brasileira é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar um texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo (6).
Essa tendência não é apenas dos aplicadores do direito no Brasil, haja vista que nos EUA, esse contrato perdeu interesse para os agentes, nos anos 50, devido à crescente tendência da jurisprudência em aproximá-lo de outros institutos, aplicando-se as disciplinas legalmente previstas.
Os contratos de joint ventures foram comparados às partnerships (7) do direito norte-americano, às filiais comuns, às sociedades de fato, às sociedades por ações, ao consórcio, à associação em conta de participação e, por último, à formas societárias atípicas (8).
Conforme salientou Agostinho Toffoli Tavolaro em palestra realizada na XIII Semana Jurídica da Unesp, na verdade, o joint venture prima pela simplicidade, até mesmo na constatação de sua natureza jurídica, tratando-se de um instituto meramente contratual, evidenciando o seu caráter funcional para a constituição de uma sociedade, ademais, seu êxito se deve, em grande parte, à possibilidade de uma contínua adaptação do acordo às peculiaridades do negócio (9).
1.4. Classificação dos contratos de joint venture
Não apenas por interesse didático, como também legal, os joint ventures podem ser classificados de várias formas, sendo, mais usuais, as que destacam a nacionalidade de seus integrantes, a aquisição de personalidade jurídica autônoma, a forma societária adotada, o maior ou menor risco dos seus partícipes, a sua duração e as atividades que desenvolverão.
Quanto à nacionalidade, esses contratos podem ser classificados em três tipos, a saber: joint venture nacional integrado por empresas de uma mesma nacionalidade, joint venture estrangeiro formado por empresas de diversas nacionalidades, não sendo, nenhuma delas, do país hóspede e, por fim, joint venture internacional, onde uma das partes possui a nacionalidade do país onde está localizado o objeto contratual, e a outra, não (10).
Dependendo da forma jurídica adotada, pode-se dividi-lo em dois tipos: corporate joint ventures (11), quando os co-ventures resolvem constituir uma sociedade com personalidade jurídica e, non corporate joint ventures, onde o desenvolvimento das atividades não dá ensejo a essa constituição (12).
Em relação ao risco, a distinção se dá entre duas possibilidades: equity joint venture, onde existe investimento direto de capital, sujeito aos riscos do empreendimento e, a non equity joint venture, em que a posição do investidor é a de credor num empréstimo a ser pago, independentemente do resultado do negócio (13).
No que se refere aos co-venturers que as compõem, pode as joint ventures ser classificadas de três formas: estatais, quando o empreendimento tenha como partícipes somente pessoas jurídicas de direito público, privadas, formada apenas por particulares, ou mistas, que é a junção dos dois em um projeto comum.
Cabe frisar, por fim, que essas distinções sempre ocorrem em conjunto, assim, um mesmo contrato de joint venture pode ser classificado como internacional equity corporate misto, ou estrangeiro non equity non corporate privado, e assim por diante.
1.5. Motivação do contrato de joint venture
A motivação para cada uma das contratantes não é necessariamente, a mesma, variando caso a caso, assim, enquanto uma empresa pode estar visando lucro, outra poderá estar em busca de novas tecnologias, ou procurando garantir presença num determinado mercado.
Conforme destaca Maristela Basso:
Não escapam às finalidades dos joint ventures o estabelecimento de centrais de compras e/ou prestação de serviços, o contorno às restrições legais ao capital estrangeiro, e a possibilidade de financiamentos por entidades de fomento (14).
De um modo geral, os joint ventures sediados em países desenvolvidos tem por meta a realização de concentração empresarial, enquanto que, as efetuadas entre empresas de países desenvolvidos e de países em vias de desenvolvimento visam assegurar a presença num mercado e a transferência de conhecimentos técnicos, respectivamente (15).
Por fim, cabe destacar a motivação financeira, explicada por Rasmussen:
Enquanto nos anos 60 a incorporação, a aquisição, o take over ou o investimento em capital de risco em subsidiárias ou filiais eram as ferramentas e estratégias expansionistas, hoje, com o altíssimo custo do dinheiro, o joint venture é o método preferido dos administradores para executar seus planos expansionistas, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito transnacional [...] (16).
1.6. Cláusula compromissória nos contratos de joint ventures
No joint venture, é comum a previsão da cláusula compromissória, motivada pelas notórias vantagens que um procedimento arbitral pode oferecer na consecução das relações empresariais advindas de um contrato tão característico.
Neste ínterim, cabe esclarecer que, cláusula compromissória e compromisso arbitral constituem espécies distintas do gênero convenção de arbitragem (17).
César Fiúza bem define a cláusula compromissória:
É o pacto acessório pelo qual as partes convêm em submeter à jurisdição arbitral as disputas que surjam no transcorrer de determinada relação jurídica, em termos genéricos, sem menção à espécie de litígio nem ao nome dos árbitros (18).
E, Alfredo Buzaid, o compromisso arbitral:
Chama-se compromisso o ato pelo qual as partes capazes de contratar podem louvar-se em árbitros, mediante documento escrito, a fim de que resolvam uma controvérsia (19).
Resumindo, enquanto a primeira objetiva um litígio futuro e potencial, o segundo é um contrato que tenciona resolver uma contenda presente e concreta.
Mediante a cláusula compromissória, as partes comprometem-se a acatar o procedimento que for instituído para resolver divergências contratuais, constituindo, assim, uma promessa de contratar ou contrato preliminar de arbitragem que fica dependente do conflito, elemento que o torna exigível.
A necessidade leva os co-ventures a optarem por procedimentos rápidos, visando favorecer a solução de controvérsias ou ainda evitar seu surgimento, já que podem prejudicar o êxito do empreendimento conjunto, ademais, a cláusula arbitral também é necessária para especificar modalidades de execução de obrigações assumidas pelas partes, além de completar eventuais lacunas contratuais.
Como assinala Andrea Astolfi:
É assim transferida ao árbitro, não tanto a função de órgão jurisdicional, mas sim, em certo sentido, de órgão de integração e gestão do contrato, sendo a ele demandada, contratualmente, a competência para interferir na determinação das modalidades de execução das obrigações singulares quando as partes não concordam sobre seu conteúdo (20).
Percebe-se que, a função assinalada ao árbitro é a de um poder decisório, substitutivo ou integrativo da vontade das partes, assim, os tipos de divergências em que se usa a arbitragem são diversos como, por exemplo, avaliação de bens a serem incorporados à empresa, fixação de remuneração de diretores, estabelecimento dos deveres e obrigações deste, saída ou admissão de dirigentes que devam ser escolhidos de comum acordo pelas partes, distribuição de dividendos, estabelecimento de prioridades na liquidação de fornecimentos, dentre outros (21).
Acrescente-se a essa lista que todas as decisões políticas da empresa, quando o tipo de acordo-base prevê situação de poder igualitário e de veto, ou não estabelece as áreas em cada qual tem o poder de decisão (22).
Todas essas razões fazem com que a maioria dos acordos de joint venture contenha cláusula arbitral, estabelecendo a realização do procedimento por determinadas pessoas ou instituições.
Paralelamente, no que tange à resolução de conflitos entre os contratantes, o árbitro pode atuar na qualidade de amigable componedor, aplicando o princípio da eqüidade, que supõe o predomínio da razão embasada na boa-fé, decorrendo disso, um abrandamento do rigor da lei, face à hipótese verificada no caso concreto (23).
Para Pontes de Miranda:
O poder de julgar, segundo a eqüidade, constitui poder de apagar a incidência e de aplicar outro direito que aquele que incidiu; portanto, volta à revelação, incidência e aplicação da regra jurídica simultânea (24).
Em trabalho sobre o tema, Carlos Aurélio Mota de Souza, lembra que compete aos juristas destacar os valores funcionais da eqüidade para o uso desse instrumento como renovação da ordem jurídica, afastar os preconceitos do positivismo jurídico e a desconfiança do legislador em relação ao arbítrio.
O autor reconhece na eqüidade:
Um instrumento jurídico indispensável a ser utilizado pelo intérprete sempre que o direito estrito - summun jus - não se adapte às circunstâncias do caso individual, ou se acarretar conseqüências jurídicas indesejáveis, caracterizando a summa ijuria, tão temida e execrada pelos romanos (25).
São notórias as vantagens oferecidas pela arbitragem de equidade frente à arbitragem convencional, sobretudo em relações empresariais internacionais, não olvidando que a própria desnacionalização do contrato favorece esse procedimento, o que, por outro lado, constitui a razão das dificuldades de sua aplicação nos contratos de joint ventures localizados nos países em vias de desenvolvimento (26).
Isto não ocorre somente pelas razões gerais que podem motivar a desconfiança das arbitragens internacionais por parte de alguns destes países, além da existência de disciplinas locais de necessária aplicação, mas também porque ao contrato internacional de joint venture se podem opor tanto instancias privadas, quanto públicas.
Na lição de Andrea Astolfi:
O contrato é um instrumento de política econômica do país hóspede, onde nem sempre se encontram o adequado respeito às decisões fundadas sobre a interpretação da vontade das partes à luz de critérios eqüitativos (27).
Por tais razões, e em presença de possíveis valorizações divergentes sobre a noção mesma de equidade, a área para uma composição amigável dos conflitos entre os co-ventures é restringida e, em conseqüência, mais comum é a entrega ao árbitro da solução legalmente correta segundo o direito aplicável ao contrato.
2. CONCLUSÃO
O Poder Judiciário luta com o dinamismo das rápidas transformações dos negócios tendo, diante de si, uma legislação que, na maioria das vezes, reflete necessidades de décadas atrás.
A globalização da economia, bem como a volatização das transações empresariais caminham em ritmo tal que a sociedade demanda a formação de alternativas para a solução de controvérsias eficazes para coadjuvar a missão do Estado de distribuir justiça.
Esse quadro é coerente e vem ao encontro do momento atual de busca pelo livre mercado, com o fortalecimento do princípio da liberdade de iniciativa e da autonomia da vontade, garantidos pela CF/88.
O empresário dá prevalência aos usos e costumes de cada setor da sua atividade, renunciando a direitos, preferindo estabelecer as normas aplicáveis à questão e indicar seus próprios árbitros para analisar e discutir a controvérsia.
Nessa perspectiva, colocou-se em análise o joint venture, sendo aqui delineado em suas formas atuais, partindo-se de sua conceituação, origem histórica e características, passando pela análise de sua natureza jurídica sui generis, chegando a sua classificação, extraindo-se os momentos norteadores do feito negocial e, em derradeiro, tratando sucintamente da cláusula arbitral e suas vantagens na resolução de contendas entre os co-ventures, compreendendo a razão de sua crescente afirmação nesses contratos.
Claro que o contrato de joint venture e a cláusula compromissória, possuem outros pontos a serem abordados aqui atenuados, porém, esse estudo, não se teve a pretensão em esgotar o tema, mas tão somente contribuir no seu desenvolvimento, suscitando idéias e discussões sobre seus mais variados aspectos.
3. NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
3.1. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
3.2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS