Ano XXVI - 21 de novembro de 2024

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XIITAS DA GLOBALIZAÇÃO



PERSPECTIVAS ANTES DA MAXIDESVALORIZAÇÃO DO REAL EM 1999

OS XIITAS DA GLOBALIZAÇÃO

Sangria aos Cofres Públicos, Aos Pobres nada; aos Ricos Tudo. Remuneração do capital e Desprezo às necessidades do Povo, Recursos para pagamento de juros especulativos desviados da Saúde, Educação e Infraestrutura. Especulação Cambial nas Bolsas de Mercadorias e Futuros, Ciranda Financeira. Privatização das Estatais falidas por má administração governamental (por incapacidade dos governantes).

JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO: LUÍS NASSIF - COLUNISTA

  • XIITAS DA GLOBALIZAÇÃO - janeiro de 1999 - um dos gurus da inflexibilização cambial divulgava contas demonstrando o prejuízo sofrido por aqueles que apostaram na mudança cambial. O número indicava quanto o Banco Central precisou pagar para preservar as aplicações em reais. Mas ele utilizava os dados para se vangloriar de que os que apostaram na mudança cambial deixaram de ganhar essas taxas extraordinariamente elevadas - pagas pelo Estado brasileiro, com recursos desviados da saúde, educação e infra-estrutura.
  • É LOBBY DA FIESP - 23/12/1998 - Se é para definir um culpado pela situação a que chegou a economia, debite-se ao patrulhamento ao qual incorreu majoritariamente o pensamento econômico brasileiro, criando essa enorme burrice do culto à unanimidade. É inacreditável como os bordões vão se perpetuando no tempo, como se realidades, pessoas e instituições não mudassem.


FOLHA DE SÃO PAULO

LUÍS NASSIF

XIITAS DA GLOBALIZAÇÃO

Dia desses, um dos gurus da inflexibilização cambial divulgava contas demonstrando o prejuízo sofrido por aqueles que apostaram na mudança cambial. O número indicava quanto o Banco Central precisou pagar para preservar as aplicações em reais. Mas ele utilizava os dados para se vangloriar de que os que apostaram na mudança cambial deixaram de ganhar essas taxas extraordinariamente elevadas - pagas pelo Estado brasileiro, com recursos desviados da saúde, educação e infra-estrutura.

Outro guru está há meses embrenhado na relevante discussão conceitual sobre dívida pública líquida. O Brasil quebrou não pelo fato de a dívida pública estar em US$ 300 bilhões, como supunham os ignorantes, mas em US$ 250 bilhões, como acreditam os sábios.

Apesar dessa extraordinária contribuição ao pensamento econômico nacional - a elucidação de um conceito que nem é relevante na discussão travada -, foge-se do tema central: dado o atual nível das taxas de juros, e a impossibilidade de o país crescer, devido a seus desequilíbrios externos, quais as chances de fazer ajuste fiscal e recuperar o crescimento com esse nível de câmbio?

DINHEIRO MORAL

Dia desses conversei longamente com um desses analistas, um (bom) especialista em fluxos internacionais de capitais. Sua avaliação não poderia ser mais otimista. O Brasil faz o ajuste fiscal no primeiro semestre de 1999 e, a partir do segundo semestre, terá um espaço de crescimento esplendoroso.

Ótimo, fico feliz, mas qual a lógica, a relação de causa e efeito, as etapas a serem percorridas? Suas próprias projeções de investimento externo revelam que, mesmo com ajuste, o volume de dólares a entrar no país, nos próximos anos, estará a léguas de distância do volume que sustentou os desequilíbrios externos até agora, porque o mercado mudou.

Vai se chegar ao paraíso, explicou-me, porque, fazendo o ajuste fiscal, todo dinheiro que União, Estados e municípios gastarem, dali por diante, será dinheiro virtuoso. Fiquei deveras entusiasmado com o enfoque moral do déficit público e propus a ele a seguinte questão:

1) o governo A gasta parte de seu orçamento pagando salários a funcionários públicos relapsos;

2) o governo B gasta montante similar para pagar juros de sua dívida interna.

Qual dos dois gastos é mais indutor de crescimento?

O funcionário, sendo relapso ou não, vai utilizar seu dinheiro para consumo, vai adquirir bens e serviços, ajudando a irrigar a economia. O dinheiro desviado para juros servirá apenas para financiar a saída de dólares do país ou provocar acumulação de riqueza.

Uma coisa é defender o ajuste público que permita enxugar o Estado, racionalizar gastos e ampliar o excedente a ser aplicado na melhoria dos serviços públicos. Outra é defender o ajuste para gerar excedentes para pagar esses juros irresponsáveis. Em termos macroeconômicos, um real aplicado em um funcionário relapso é muito mais importante para a economia do que o mesmo real utilizado para o pagamento de juros.

Daí comecei a me dar conta de que a defesa intransigente da política cambial gerou uma nova seita no Brasil, a dos fundamentalistas da globalização. Não argumentam, carimbam; não explicam, têm fé. São farinhas do mesmo saco, de seus adversários-irmãos: os xiitas do fechamento.

ITAMAR, O ESTADISTA

O governo Itamar Franco triplicou a folha de salários da União em apenas dois anos (com o concurso de seu ministro da Fazenda FHC), arrebentou com as estatais decretando congelamentos irresponsáveis de tarifas, permitiu a venda de 20% da Eletrobrás por 20% do valor, ajudou a quebrar o Banco do Brasil, demitiu ministros a três por quatro devido exclusivamente a seu temperamento incontrolável, permitiu privatização a preço de banana, sendo contra ela, e autorizou o escancaramento da economia, sendo a favor do fechamento.

Está certo que há a necessidade de encontrar um contraponto na oposição. Mas tentar ver em Itamar Franco virtudes de estadista, e, em seu governo, princípios de boa gestão, vai um certo exagero retórico.


Folha de São Paulo, 23/12/1998

LUÍS NASSIF

É LOBBY DA FIESP

Se é para definir um culpado pela situação a que chegou a economia, debite-se ao patrulhamento ao qual incorreu majoritariamente o pensamento econômico brasileiro, criando essa enorme burrice do culto à unanimidade. É inacreditável como os bordões vão se perpetuando no tempo, como se realidades, pessoas e instituições não mudassem.

Ponto central no desenvolvimento equilibrado de uma economia é a mudança gradativa de ênfases. Não existe política econômica, social, estratégia empresarial ou até tratamento médico que possa se basear em uma única ênfase. Há fases em que a ênfase, em uma determinada empresa, é o controle de custos. Superada a fase, entra-se em uma nova, de desenvolvimento de novos produtos. E assim por diante.

A arte do condutor de política econômica consiste em ponderar todos os fatores, e ir adaptando gradativamente as ênfases, de maneira a evitar desequilíbrios em uma ou outra direção.

Mas a discussão nacional ainda não conseguiu se sofisticar a ponto de ponderar os diversos argumentos e compor sínteses racionais. Aqui é esse besteirol da "turma do mercado" versus a "turma desenvolvimentista", onde só se aceitam conceitos em bloco, de preferência, porque escolher conceitos aqui e acolá, de acordo com a análise objetiva de problemas, dá muito trabalho e acaba com esse aspecto místico da discussão econômica.

Velhos como os pais. É impressionante como continuamos velhos como nos anos 80.

Naquele período, vinha-se de duas ênfases superadas: o protecionismo às grandes empresas nacionais e a indisciplina orçamentária em todos os níveis. Na linha de frente desse estilo, bordões tipo "o que é bom para a empresa nacional é bom para o país"; ou então o "tudo pelo social", como se princípios de disciplina orçamentária fossem anti-sociais.

Para superar as enormes resistências às mudanças, a mídia passou a exercitar novos slogans. A defesa da moeda e a disciplina orçamentária passaram a ser valores hegemônicos, defendidos radicalmente. A defesa do consumidor (em contraposição à defesa do produtor) permitiu abrir a economia.

A politização desses conceitos acabou gerando novos bordões, dos quais o principal foi "isso é lobby da Fiesp", uma entidade que dos anos 90 em diante era tão inofensiva quanto um tigre gordo e banguela e só agora começa a recuperar um papel que é importante -como é importante a representação dos diversos setores, inclusive do mercado financeiro.

Nada contra a radicalização nas fases heróicas, de consolidação de novos valores. Mas há momentos em que, consolidados os valores, impõem-se novas análises e a compreensão das novas etapas da vida nacional.

Em vez de instrumento de uma visão mais racional e sofisticada da realidade econômica, o que se fez foi transformar esses elementos em fetiches intocáveis. Em vez de análises isentas sobre a realidade, vieram patrulhamentos e slogans panacas, de quem se considera defensor da globalização e, no fundo, não consegue superar o sentimento provinciano e anticientífico dos velhos defensores dos modelos fechados.

Para um e para outro, herdeiros do espírito da inquisição portuguesa, qualquer forma de questionamento passa a ser vista como heresia. Profetas primários da nova ordem, arautos tropicais da globalização, não conseguiram avançar além das tintas para entender que, na sociedade moderna e complexa que todos ambicionamos, o exercício da pressão e da crítica não é só legítimo como absolutamente necessário para corrigir distorções.

O inacreditável é que esse espírito viceja não em 1995, quando a quebra do país era uma hipótese, mas em 1998, quando é fato consumado. No entanto, qualquer alerta sobre o desastre recebe o epíteto de "lobby da Fiesp", esse argumento imbatível, definitivo, humanizador, porque permite colocar no mesmo nível de discussão os sábios e os definitivamente néscios.







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