A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
São Paulo, ano 2000.
Para alguns políticos e seus partidários a reforma da previdência social traduz-se simplesmente na extinção dos direitos do trabalhador brasileiro. Dizem eles que é necessário reduzir o “Custo Brasil”, como se o Brasil fosse o único país no mundo em que existe legislação previdenciária e de proteção ao trabalhador. Na verdade, parece que desejam ardentemente o retorno ao regime escravocrata, o que não é permitido pela constituição brasileira e por convenções internacionais. Até o nosso primeiro presidente da república reeleito chegou a dizer que aposentado é vagabundo, embora eles (os políticos) tenham aposentadorias privilegiadas, que evidentemente o trabalhador comum e os demais servidores públicos não têm.
Para outros a reforma da previdência traduz-se na busca de novas formas de manutenção e custeamento dos direitos dos trabalhadores, o que parece mais racional. Uma dessas formas seria a criação de um sistema de capitalização individual das contribuições. O grande problema para implantação desse sistema é a falta de credibilidade das instituições privadas que vez por outra ou quase sempre quebram, deixando os pequenos investidores a verem navios (totalmente desprotegidos). Isso já aconteceu com os montepios e com as instituições privadas incumbidas da captação de recursos através de cadernetas de poupança. O outro problema reside no setor público, onde são constantes os desvios de recursos do sistema previdenciário oficial e das instituições de previdência privada fechadas. Isto é, impera a fraude e sempre quem paga e perde é o trabalhador.
Dizem que essa forma de capitalização individual das contribuições só é válida se forem retirados alguns encargos dos empregadores, transferindo-os para os trabalhadores.
Parece óbvio que ao transferir os encargos para os trabalhadores haverá a necessidade de aumento dos salários, o que se constitui no mesmo. Ou seja, os encargos dos empregadores continuarão os mesmos ou serão ainda maiores com os aumentos de salários necessários para que o trabalhador brasileiro possa comparar-se com o dos países do primeiro mundo. Quando os membros do Congresso Brasileiro passaram a pagar imposto de renda na fonte foi necessário conceder aumento de salário para todos eles. E com o trabalhador não pode ser diferente, salvo se a intenção é a de realmente torna-los miseráveis em potencial.
Parece claro, embora muitos não queiram enxergar, que em razão dos baixos salários pagos aqui, o tal do Custo Brasil ainda é menor do que a metade do “Custo Japão” ou do “Custo Estados Unidos”. A grande diferença entre nós e eles é que eles não pagam as extorsivas taxas de juros que pagamos.
Na verdade, para que se tenha um sistema de seguro social igual ao do primeiro mundo há a necessidade de que os salários no Brasil também sejam iguais aos dos países do primeiro mundo. E todos nós sabemos que em média o brasileiro recebe um décimo do que ganha o trabalhador de lá.
Do exposto, podemos concluir que, em matéria de “Custo Brasil”, há muita coisa mal explicada e muita vontade de enriquecimento fácil pelas oligarquias, sem a necessária distribuição de renda para o trabalhador. É a mais pura demagogia, que o dicionário Aurélio define como sendo o conjunto de processos políticos hábeis tendentes a captar e utilizar, com objetivos menos lícitos, a excitação e as paixões populares. E os demagogos sempre alegam de devem ser reduzidos os custos dos empresários para que possam gerar mais empregos. Enganam-se redondamente os que acreditam em tal balela.
ASSALTO AO TRABALHO
Aldo Rebelo - 01/02/2000
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso está empenhado em reduzir os direitos históricos, sociais e sindicais, dos trabalhadores do Brasil, sob o argumento de que a economia globalizada exige a "flexibilização" dos contratos de trabalho. O plano para alterar a legislação trabalhista prevê, entre outros esbulhos, a troca de benefícios universais, como férias remuneradas e indenização, por estabilidade no emprego.
Obter ganhos de produtividade com a redução de postos de trabalho e da folha de pagamento é uma rapinagem neoliberal. Está em curso no mundo um esforço do grande capital para reduzir conquistas importantes dos trabalhadores, cujos movimento social e organização sindical estão enfraquecidos no momento. Para dar um exemplo próximo, na Argentina o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) levou o governo de Carlos Menem a bater-se pela extinção das férias remuneradas, indenizações e piso salarial. No Brasil, articula-se, de há muito tempo, uma campanha pela redução dos direitos do trabalhador. É uma campanha baseada em mentiras e meias-verdades:
"Benefícios demais" - A primeira impostura diz que os trabalhadores brasileiros têm muitos benefícios. Comparando-os com os de outros países verificamos que isso não é verdade. Vantagens como férias e feriados remunerados, licença-maternidade, indenização na demissão são regras comuns e até mais pesadas em países da Europa. A carga horária de trabalho equivale à dos Estados Unidos e à da Espanha e é maior que a da França, onde, para compensar o desemprego, governo e empresas fixaram a jornada em 35 horas semanais.
"Custo Brasil" I - A legislação trabalhista seria um peso insuportável para o grande capital internacional e portanto um dos itens do (mal) chamado "custo Brasil". É outra impostura. Executivos de companhias multinacionais instaladas no Brasil, entrevistados pelo World Economic Forum, deixaram claro que os encargos trabalhistas não são um peso, sequer uma preocupação importante para essas grandes empresas. O custo dos encargos, tão criticado por burocratas do governo e analistas da nossa legislação, ficou em 36% lugar na classificação geral levantada pelo World Economic Forum. Ao noticiar a pesquisa, o Jornal do Brasil deu um título definitivo "Multinacionais aprovam CLT".
"Custo Brasil" II - O verdadeiro "custo Brasil" é baixo, porque a mão-de-obra é barata. A mesma pesquisa do World Economic Forum informa que os trabalhadores brasileiros recebem o quarto pior salário do mundo - à frente apenas de Equador, Filipinas e México. O salário mínimo no Brasil, de R$ 136, é pífio se comparado aos 5,15 dólares por hora que se pagam nos Estados Unidos, o que rende a um trabalhador americano cerca de R$ 1.500 por mês. Isso explica por que os executivos estrangeiros estão se lixando para o custo do trabalho no Brasil: os benefícios históricos são calculados sobre salários irrisórios.
"Legislação fascista" - Até mesmo correntes do movimento sindical embarcaram na canoa furada de que a legislação trabalhista é ilegítima porque outorgada pelo ciclo autoritário do governo Vargas, depois de copiada da "Carta del Lavoro" do fascismo italiano. É uma injustiça com o movimento operário e uma agressão à história dizer que a CLT foi uma dádiva da ditadura do Estado Novo. O ministro Arnaldo Süssekind, aposentado do Tribunal Superior do Trabalho, é um dos que não se conformam com essas injustiças. Ele diz que, ao ser promulgada, em 1943, a CLT resultou de uma conjuntura nacional e internacional de expansão dos direitos trabalhistas, amparados, por exemplo, pelas convenções da Organização Internacional do Trabalho e pela encíclica Rerum Novarum. Como o nome diz, a CLT consolidou, no plano jurídico, conquistas do movimento dos trabalhadores que, ao contrário do que muitos imaginam, não começou com a greve de 1978 no ABC. As primeiras décadas do século foram marcadas por um movimento operário ativo, de inspiração anarquista, que colocou em pauta a "questão social". Já em 1918 foram criados o Departamento Nacional do Trabalho e a Comissão de Legislação Social da Câmara O trabalho noturno das mulheres foi proibido. A previdência social (primeiro para os ferroviários) nasceu em 1923. A lei de férias surgiu em 1925.
"Lei reduz o emprego" - Progressivamente, o governo tem rasgado a CLT e deixado de fiscalizar a aplicação da lei. Resta aos trabalhadores recorrer à Justiça do Trabalho, a única realmente popular, embora demorada demais, para fazer valer seus direitos. Não por acaso, o governo também quer enfraquecer a Justiça do Trabalho. Segundo dados do professor Márcio Pochmann, da Universidade de Campinas (Unicamp), dos cerca de 76,5 milhões de integrantes da População Economicamente Ativa, nada menos que 54 milhões estão fora da lei, isto é, não têm registro em carteira e portanto não são protegidos pelo arco jurídico. Dos 22,5 milhões que têm carteira assinada, cerca de 8,5 milhões são demitidos por ano, o que significa que a cada três anos toda esta força de trabalho muda de emprego. É a rotatividade mais alta do mundo - a provar que alguns perseguidos encargos do trabalho, como aviso prévio e multa do FGTS, não doem no bolso das empresas.