AS CRISES ECONÔMICAS DURANTE O GOVERNO FHC
FOLHA DE SÃO PAULO, novembro de 1998
FOLHA DE SÃO PAULO, novembro de 1998
Por PAUL SINGER - economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).
O Brasil se encaminhava para uma recessão cuja severidade era ainda desconhecida, pois dependeria do tempo em que o crédito ficaria estrangulado, o gasto público encolhido e a economia mundial em crise. O pior é que ela se revelaria inútil: a economia deveria sair dela tão desajustada quanto estava em novembro de 1998.
A recessão, provocada pela política econômica do governo [FHC] e provavelmente agravada pelo acordo que estava sendo fechado com o FMI, visava evitar que a desvalorização do real fosse corrigida e que a dependência de mais endividamento externo fosse eliminada.
Tudo isso decorria de dois diagnósticos literalmente opostos. Um deles afirma que o Brasil gastava no resto do mundo muito mais do que o que recebia dele pelos bens e serviços que vendia. Portanto o país vinha tendo um déficit externo em conta corrente, coberto, como não podia deixar de ser, com saldos na conta de capital - ou seja, crescente endividamento externo, explícito (dívidas de diferentes naturezas) ou implícito (um estoque cada vez maior de inversões diretas do exterior, que geravam envios de rendimentos para fora e repatriamento de capital). A situação só tendia a se agravar: a cada ano em que o país conseguia fechar seu balanço de pagamentos, o desequilíbrio externo aumentava para o ano seguinte.
NOTA DO COSIFE:
Enfim, total descontrole na política econômica e monetária.
O desequilíbrio fiscal, àquela altura, não passava de simples decorrência do déficit externo, pelos seguintes motivos:
a) grande parte da dívida externa formada pelo mecanismo acima descrito foi feita pelo poder público e, por isso, responde pelo aumento da dívida pública;
b) outra parte da dívida pública correspondia às reservas cambiais, inchadas pela necessidade de inspirar confiança aos investidores diante de um endividamento insustentável;
c) essa necessidade era a principal razão para manter os juros em nível absurdo.
NOTA DO COSIFE:
Ou seja, bem mais da metade dos impostos arrecadados eram destinados aos capitalistas na forma de pagamento de juros pelos seus investimentos para financiamento do déficit público (interno = falta de arrecadação tributária, em razão da enorme sonegação fiscal) e para financiamento do déficit externo (em razão das exportações serem inferiores às importações, estas automaticamente incentivadas em razão da supervalorização do Real, saía mais barato comprar no exterior do que produzir no Brasil).
Conforme o explicado em letras azuis, o diagnóstico oposto explica os mesmos fatos pela sequência causal inversa: o desequilíbrio original, do qual decorrem os demais, não é o externo, mas o fiscal [interno]. Os governos gastam mais do que arrecadam [porque a sonegação fiscal dos que apoiavam o Governo FHC não era combatida]; por isso o Brasil importa tanto capital [oriundo da lavagem de dinheiro dos sonegadores de tributos que apoiavam o Governo FHC]. O excesso de gasto público [ou, mais precisamente, a deficiência de arrecadação] impedia que houvesse suficiente poupança, o que obrigava o país a recorrer cada vez mais à poupança externa. Os juros se mantinham muito altos para atender à exigência dos poupadores que financiam o déficit do setor público.
A valorização da moeda [REAL] era o preço pago pela estabilidade, que estaria ameaçada pelo excesso de demanda [interna dos pobres. Porém, os ricos podiam importar livremente]. Graças à valorização do REAL, o Brasil podia importar as mercadorias que satisfaziam [segundo o Governo FHC] esse excesso de consumo sem a inflação voltar [Mas, o Povo não tinha condições de comprar os produtos que eram importados, geralmente supérfluos. As encheram de carros de luxo importados]. Logo, se o governo desvalorizasse o real sem "corrigir" o excesso de demanda, teria de haver inflação, pois só a alta dos preços esterilizaria o excesso de procura, pela perda de poder aquisitivo das receitas públicas e dos salários. Essas eram as balelas ditas para enganar os desatentos.
Como esse é o diagnóstico do governo, o Brasil vinha sendo submetido há três anos e meio a sucessivas dietas, com crédito escasso e caríssimo e cortes cada vez mais fundos no gasto público, para corrigir o pretenso excesso de demanda efetiva com recessão e mais recessão. A dieta funciona: o encolhimento do mercado reduz a demanda por importações e força a alta das exportações, por menos rentáveis que fossem. Só que a quebra de empresas, a eliminação maciça de empregos e o empobrecimento mostram-se insuportáveis, e o governo tem de suspender a dieta. Tão logo os juros caem para níveis menos absurdos e o gasto público se recupera, o desequilíbrio retorna.
NOTA DO COSIFE:
Ou seja, durante o Governo FGH os gestores da nossa política econômica e monetária não sabiam o que estavam fazendo. Estavam mais perdidos que cegos em tiroteio. Ou, de fato estavam dispostos a desfalcar o Tesouro Nacional, mediante a internacionalização do capital nacional e mediante o pagamento de altas taxas de juros.
Só perceberam o lamentável erro na política econômica e monetária quando o caos ficou extremamente visível. Ou decidiram parar com os desfalques, porque estavam ficando muito manjados.
Como consequência dos descalabros, houve aumento das favelas e enorme crescimento na criminalidade.
E o País na bancarrota, tinha seus efeitos reparados pelos empréstimos fornecidos pelo FMI - Fundo Monetário Internacional, por banqueiros internacionais e mediante a emissão de títulos da dívida externa e interna, estes com correção cambial.
Por isso as nossas dívidas interna e externa aumentaram 6 vezes durante os 8 anos do Governo FHC.
Não restou dúvida de que o diagnóstico de excesso de demanda devido ao gasto público era falso. A prova era que, nesse período todo, tinham sido enormes o desemprego e a capacidade ociosa das empresas (ou seja, a subutilização dos fatores de produção). O único excesso de demanda era por produtos estrangeiros, induzido por inegável distorção do valor externo da moeda [o Real].
Naquela época dizia-se: Enquanto isso não for reconhecido e se tornar a base da política econômica, a atual recessão será tão inútil quanto as anteriores. A sociedade civil deveria se manifestar com força, para abrir os olhos das autoridades.
NOTA DO COSIFE:
Mas, o povo brasileiro naquela época era muito ordeiro, as vezes dito "cordeiro".
Embora no Governo Dilma os problemas não sejam tão graves como no Governo FHC, o povo agora se manifesta violentamente com o apoio daqueles que deixaram o Brasil sem investimentos em infraestrutura durante as décadas perdidas de 1980 e 1990.
Mais uma vez o Povo está sendo enganado por eles.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER - FOLHA DE SÃO PAULO, novembro de 1998
O Brasil das elites fervilha. Cruzaram-se duas confusões: uma, sobre o salvamento da economia; outra, sobre o manejo da relação entre responsabilidades públicas e interesses privados.
Encontro, no país politizado, angústias gêmeas. Há a convicção de que nossa vida pública continua sob o controle de aglomerado de "lobbies". Os interesses organizados tripudiam sobre as maiorias desorganizadas sem nem sequer se entenderem entre si. É o corporativismo. No vazio resultante governa tecnocracia que administra o país em nome de ideias vinculadas a interesses mais estrangeiros do que nossos.
Ao temor do corporativismo associa-se a revolta contra o patrimonialismo: as trocas escusas entre o Estado e o capital, que ameaçam limitar a política a parcerias entre endinheirados e poderosos, com o poder reproduzindo o dinheiro e o dinheiro, o poder. Juntos, o corporativismo e o patrimonialismo empobrecem, amesquinham e humilham o país.
O Brasil quis muito escapar da inflação. Mas o que quer mesmo, desesperadamente, é fugir do corporativismo e do patrimonialismo. A classe média e a burguesia profissional, sempre centro de gravidade da política brasileira, receberam com ceticismo a ideologia do mercado. Aceitaram, porém, muito dessa ideologia, em parte porque nela viram maneira de afrouxar a mão dos privilégios escudados no poder.
A mera suspeita de que o avanço do projeto do mercado sirva para reinventar a aliança do patrimonialismo com o corporativismo, com tudo acertado entre amigos, ainda que amigos bem-intencionados, é explosiva. O risco é grande tanto de se cometerem injustiças contra indivíduos quanto de se perder esperança no esforço de desprivatizar o Estado.
Que tem tudo isso a ver com a discussão sobre como salvar a economia brasileira de recessão arrasadora?
A política atual [no Governo FHC] segue a ideia de que a causa fundamental de nossos problemas é que o governo e, portanto, o país estão vivendo acima de seus meios. A solução seria forçar o governo a gastar menos, executando política de contração econômica e defesa cambial no quadro de recessão já instalada. Como a ideia é falsa, a política malogrará, ainda que o dinheiro estrangeiro lhe dê, por alguns meses, sobrevida. A conquista de confiança baseada em ilusões não substituirá o salvamento da economia brasileira pelos brasileiros.
Há dois candidatos ao plano B. O primeiro é fazer do Brasil a Argentina. Significa lastrear reais em dólares, um por um, após desvalorização que teria de ser exagerada, e fazer o que o capital externo quer. É inviável porque nos faltam tanto os dólares suficientes quanto a tolerância ilimitada com o desemprego exigida por tal regime.
O segundo plano B é o produtivismo: organizar, sobre a base de refinanciamento do Estado e mobilização dos recursos nacionais, reação desenvolvimentista à falta de financiamento externo, transformando trauma em oportunidade. Só será aceito e funcionará se for ajuda para muitos e não subsídio para poucos, democratização do mercado e não alocação privilegiada de recursos. Reduzir o produtivismo a um Ministério da Produção, balcão de favores e compensação por política ruinosa, é matá-lo no nascedouro.
O Brasil começa a pegar fogo, de cima para baixo. A rebelião produtivista é o caminho de fuga. O jogo dos privilégios é a porta fechando a saída porque reduz o produtivismo a clientelismo. Temos de arrombar a porta e abrir o caminho, para que o Brasil possa viver.
JOSIAS DE SOUZA - FOLHA DE SÃO PAULO, novembro de 1998
São Paulo - Dois governos sobrevivem hoje sob FHC: o governo dos "babaquinhas" e o governo dos espertalhões. O primeiro, seguindo a lógica da mulher de César, tenta ser e parecer honesto. O outro acha que essa história de parecer honesto é, por assim dizer, coisa de babaca.
FHC entregou à turma dos espertos a venda das estatais de telefonia. O grampo do BNDES revelou que o negócio foi trançado num ambiente de alto risco ("no limite da irresponsabilidade").
O linguajar dos espertos aproximou a administração do professor Cardoso das mesas de botequim. À vulgaridade ("se der m..., estamos juntos") somou-se uma dose de truculência ("temos que fazer os italianos na marra").
Eles têm afetos e desafetos. Tratam os amigos com especial deferência ("o importante é que montem com o Pérsio, chegando a um acordo"). E os inimigos, com escárnio ("tá uma operação de levanta o consórcio, depois dá uma rasteira, joga lá embaixo. Oh, tá engraçado").
Audazes, eles exalam poder ("sabe por que, Beto? Porque você controla o dinheiro, na boa"). Atilados, farejam traições como ninguém ("sei que eles estão falando com a Telefónica de España. Está um negócio assim meio esquisito"). Precavidos, trazem no bolso um último recurso ("se precisar, nós vamos ter que detonar a bomba atômica").
Antes do grampo, eram a vanguarda da modernidade, os meninos de ouro da República. Aqueles que untaram a engrenagem da máquina estatal com as manhas do mercado. Depois da escuta, viraram a face cínica do tucanato.
Suponha-se, porque é de justiça, que nada tenham feito em benefício próprio. Ainda assim restará o incômodo de notar que uma ala do governo tem licença para fazer o tipo bandido, roçando a fronteira da marginalidade. Com métodos assim, pode-se operar numa sala do BNDES ou numa boca-de-fumo. Não há muita diferença.
FOLHA DE SÃO PAULO, novembro de 1998
As micro e pequenas empresas estão sendo dizimadas com a complacência dos omissos e dos coniventes
ABRAM SZAJMAN - 59, empresário, é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). É candidato à reeleição na FCESP.
Fundada em 1938, a FCESP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo) desenvolveu, ao longo dos anos, uma atuação voltada para o crescimento econômico do país. Defendeu o mercado interno, a livre iniciativa, a desestatização e o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas.
A FCESP é uma entidade apartidária, mas que não se ausenta dos debates dos grandes temas políticos, econômicos e sociais do país. Mantém com os Poderes Executivo e Legislativo, nos níveis municipal, estadual e federal, uma colaboração que objetiva aperfeiçoar o sistema democrático e a economia de mercado. A entidade se tem posicionado com firmeza a favor das reformas estruturais do Estado, de um sistema tributário simplificado e justo, pela maior participação do Brasil no comércio externo mundial e por mecanismos que assegurem a concorrência contra práticas desleais de comércio.
Com 138 sindicatos empresariais filiados, a Federação do Comércio representa um universo em torno de 500 mil empresas, que corresponde a mais de 4% do PIB brasileiro. Sua área de atuação abrange todo o Estado, que concentra 40% do varejo brasileiro. O comércio paulista emprega mais de 1,2 milhão de pessoas e paga uma massa de salários superior a R$ 1,4 bilhão.
Nenhum país moderno se tornou civilizado, próspero, democrático e socialmente justo sem uma legislação de proteção às micro e pequenas, que no Brasil representam 97% do total das empresas, respondem por 30% do PIB e absorvem 57% da mão-de-obra empregada no mercado formal. No setor de comércio e serviços, diretamente por nós representado, 70% das empresas são micro e pequenas, respondendo por 59% dos empregos.
Vítimas do poder econômico dos grandes conglomerados, da concorrência desleal acobertada por uma legislação (ou pela falta dela) que consagra privilégios para cartéis e oligopólios, as micro e pequenas empresas brasileiras estão sendo dizimadas pela epidemia da discriminação, com a complacência dos omissos e dos coniventes.
As micro e pequenas empresas dependem quase exclusivamente do mercado interno, pois raramente possuem a estrutura e o suporte para exportar. Assim, o peso do ajuste econômico recaiu por inteiro sobre elas. Sofreram e sofrem, muito mais que qualquer outro setor da economia, com a redução dos investimentos e o aumento da inadimplência, consequência direta da elevação das taxas de juros. Sofreram e sofrem com a queda das vendas e a redução da demanda, consequência do alarmante quadro de desemprego.
A Federação do Comércio do Estado de São Paulo tem lutado pela renegociação das dívidas das micro e pequenas do comércio varejista com os bancos, com taxas de 9% ao ano, prazo de cinco anos para pagamento e carência de dois anos. Por linha de crédito para capital de giro, nos moldes da resolução 695/81 do Banco Central, com juros de 12% ao ano, prazo de pagamento de até cinco anos e carência de um ano. Pelo parcelamento dos débitos com INSS e FGTS, com redução dos juros e multas, prazo de cinco anos e carência de um ano. Pela simplificação e pela adequação do sistema tributário à capacidade contributiva do setor, que, em parte, foi obtida com a instituição do Simples em nível federal e municipal na capital de São Paulo. Em nível estadual, o governador Mário Covas enviou e a Assembléia Legislativa aprovou o projeto sugerido pela FCESP, criando o Simples Paulista, que estará em vigor em janeiro do ano que vem.
A economia brasileira vem sofrendo grandes transformações com a abertura comercial e a globalização, fatores que passaram a exigir das empresas maior eficiência para a competição nos mercados interno e externo.
Isso exige a continuidade da tese e da prática de um sindicalismo voltado para a defesa prioritária dos interesses da micro, da pequena e da média empresa do setor comercial. A voz, a presença e a força das posições da Federação do Comércio são ouvidas, respeitadas e acatadas nacionalmente. O padrão de qualidade e excelência das atividades do Sesc e do Senac em São Paulo é reconhecido no país e no exterior. Nosso discurso não se limita à perspectiva estreita e superada do corporativismo.
É por todas essas razões e pela consciência dessas responsabilidades que sou candidato a presidente da Federação do Comércio paulista.