ECONOMIA DE MERCADO OU ESPECULAÇÃO
Ser partidário da economia de mercado não significa ser favorável a especulação. Porém, não foi essa a imagem deixada pelo Governo FHC. E a legislação brasileira, embora de forma bastante superficial e ramificada, oferece o meio legal para o combate à especulação. Isto é, existem pelo menos quatro entre cerca de meia dúzia de sete ou oito leis que poderiam ser utilizadas para o combate à especulação e que não foram usadas no duplo mandato de FHC.
A primeira é a Lei 4595/64 (Lei do Sistema Financeiro Nacional), a segunda é a Lei 4728/69 (Lei do Mercado de Capitais), a terceira é a Lei 7913/89, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários e a quarta é a Lei 8137/90 que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo.
É sabido que as operações com moedas estrangeiras à vista são efetuadas no chamado mercado de balcão (fora das Bolsas de Valores) e que somente as operações para entrega futura são realizadas nas Bolsas de Mercadorias e de Futuros.
Também sabemos que o lobby dos especuladores é tão grande que, durante o governo de FHC, conseguiram isentar da incidência da CPMF as operações especulativas realizadas nas Bolsas. E isso aconteceu apesar dos constantes ataques especulativos contra a moeda brasileira e dos infinitos desvios e atos de sonegação e elisão realizados através das Bolsas e do mercado de balcão.
Qual foi o principal motivo da especulação com o dólar norte-americano no final de 2002? Ou seja, qual foi o principal motivo do ataque especulativo à moeda brasileira?
Foi que o governo brasileiro emitiu títulos indexados pela moeda norte-americana e os investidores nesses títulos simplesmente patrocinaram o ataque à moeda brasileira com o intuito de elevar o valor de resgate em moeda nacional dos títulos por eles adquiridos. Tratou-se, portanto, de mais uma forma de desviar recursos do Tesouro Nacional em proveito dos investidores em títulos públicos com paridade cambial, verdadeiro roubo institucionalizado.
Analisando as citadas leis podemos ver que os legisladores não tiveram a preocupação de oferecer meios concretos de combate à especulação na negociação de moedas estrangeiras com intuito de obter vantagens financeiras em prejuízo do Estado.
O mesmo é observado na Lei 7492/86, a Lei do Colarinho Branco. Ela menciona as operações de câmbio, mas não se refere à especulação cambial contra a União ou contra a ordem econômica de modo geral.
Mas, com base nessa analise conjunta da legislação podemos concluir que o Governo Federal tinha condições de tomar medidas enérgicas contra a especulação, da mesma forma como foi feito no ano de 1990 quando houve a intervenção na antiga Bolsa de Mercadorias de São Paulo (depois incorporada pela BM&F - Bolsa de Mercadorias e de Futuros), na qual estavam sendo realizadas operações especulativas contra a moeda nacional e contra a política econômica adotada pelo Governo Collor de Melo.
Os dois principais textos contra os especuladores estão nas Leis nºs 4728/65 e 7913/89, onde se lê:
Lei 4728/65:
Art. 1° Os mercados financeiro e de capitais serão disciplinados pelo Conselho Monetário Nacional e fiscalizados pelo Banco Central do Brasil.
Art. 2º O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central exercerão as suas atribuições legais relativas aos mercados financeiro e de capitais com a finalidade de:
III - evitar modalidades de fraude e manipulação destinadas a criar condições artificiais da demanda, oferta ou preço de títulos ou valores mobiliários distribuídos no mercado;
Observação: A Lei 6385/76 estendeu essas atribuições do Banco Central do Brasil para a CVM - Comissão de Valores Mobiliários.
Lei 7913/89:
Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, adotará as medidas judiciais necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de:
I - operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários;
Note-se que o caput do artigo faz menção aos "titulares de valores mobiliários" (que, entendemos, são os emitentes dos títulos) e aos "investidores do mercado" (que são os aplicadores nos títulos emitidos).
Diante dos dois textos legais podemos ver que a punição aos especuladores depende diretamente da ação fiscalizadora do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários, que são órgãos subordinados ao Governo Federal. O outro órgão que poderia ter feito alguma coisa, independentemente da ação fiscalizadora citada, é o Ministério Público Federal, que inclusive podia valer-se do Banco Central e da CVM como auxiliares na apuração dos fatos.
Mas ainda existe o texto da Lei 8137/90, onde se lê:
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante:
a) ajuste ou acordo de empresas;
d) concentração de ações, títulos, cotas, ou direitos em poder de empresa, empresas coligadas ou controladas, ou pessoas físicas;
II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:
a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;
III - discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência;
VII - elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado. (Redação dada pela Lei 8.884, de 11.6.1994).
Por sua vez, a Lei 4595/64 criou e deu plenos poderes ao Banco Central do Brasil para fiscalizar o mercado financeiro e de capitais e para adotar medidas relativas ao câmbio, as quais não foram usadas por mera conivência com os atos praticados pelos especuladores ou por mais pura incompetência dos dirigentes de nossa política monetária.
Talvez a segunda hipótese citada seja a mais verdadeira, tendo em vista que a maioria de nossos dirigentes econômicos é formada no exterior e, portanto, nunca estudou algo ou teve qualquer experiência que se referisse mesmo que longinquamente à peculiar situação brasileira.
De outro lado está a Lei 6385/76 criou e deu poderes à Comissão de Valores Mobiliários para fiscalizar o mercado de capitais (as operações realizadas nas Bolsas de Valores) e os lançamentos e as negociações de títulos emitidos pelas sociedades de capital aberto.
Portanto, como dizem à boca pequena, bastava "vontade política" para que fossem tomadas as medidas necessárias ao combate à especulação. Ou seja, bastava que os dirigentes da nação ou dos órgãos competentes gritassem: MERCADO SIM, ESPECULAÇÃO NÃO!