INTRANSIGÊNCIA, MATRIZ DAS GREVES
Greve de professores, servidores públicos e dos trabalhadores de importantes segmentos da sociedade
Estado de Minas, 11/07/2000 (Revisado em 16/03/2024)
Por Jayme Neves - Médico. Foi professor titular de Doenças Infecciosas e Parasitárias da UFMG
... que fascínio poderoso é este, capaz de cegar os governantes para uma realidade que está aí ...
Quando da publicação deste artigo, há probabilidade de que ainda persista a greve de professores, servidores públicos e dos trabalhadores de importantes segmentos da sociedade. E isso se deve à imensa dificuldade ou, com mais propriedade, à intolerância e/ou à intransigência dos governantes em parlamentar (parlar: forma antiga de falar - entrar em negociações a fim de chegar a um acordo). Numa conjuntura econômica, política e social desfavorável, como a que atravessa o País, nada mais natural que o medo do caos nos assuste o espírito. E este temor, esta idéia de perigo real ou aparente clama pelo remédio democrático da discussão ampla, na busca, não da solução impossível (ex.- combate e/ou controle do delito de usura), mas do acordo possível (ex.: reposição por perdas salariais). Por pedir pedindo, mas protestando, deve-se estigmatizar alguém de intransigente? Seria, acaso, pedir demais?
Aos que têm olhos de ver, é fácil observar como são frágeis, tímidas e esquivas as tentativas de intervenção do Estado no plano da saúde, na assistência social, nas políticas públicas em geral, e na difícil (para não dizer impossível) integração delas no quadro da realidade brasileira. Em virtude do vazio do descaso do Estado para com os problemas populares, mergulha-se o País em crises. Crises que se precipitam ou se agravam a partir da diminuição de gastos com as políticas sociais, o que prenuncia o indesejável - mas previsível -, ciclo da violência na cidade e no campo, a eclosão do crime organizado, a exacerbação da fuga na droga. A violência real das periferias urbanas já é um fato. E como a violência possui grande poder de contágio, ameaça alastrar-se, primeiro, pelos centros urbanos das grandes metrópoles.
É de pasmar que, para os alunos, esteja em jogo a perda de quase todo um semestre letivo. Para os trabalhadores assalariados, as perdas são também significativas, por força da intolerância e/ou da intransigência de políticos que, embora parlamentares, aparentam mais falastrões e hábeis profissionais da falácia. Pior ainda quando ameaçam esta gente tão sofrida com medida autoritária, ilegal e cediça (mas jamais esquecida), de corte do ponto e da dispensa do trabalho.
Quando professores, não importa a que pretexto, encontram-se fora das salas de aula e dos laboratórios, durante tanto tempo, alguma coisa realmente grave acontece. Queiram ou não os mestres, este comportamento - embora plenamente justificável -, é incompatível com compromissos assumidos com a mocidade. Para ela, também o bom professor tem o direito de se posicionar em greve para defender melhores condições de trabalho, mudanças pedagógicas e salário condigno. Antes de tudo, porém, deve bem conhecer os objetivos da educação, os justos anseios dos alunos e da sociedade; deve gostar dos alunos, procurar conhecê-los como eles são. Por isso mesmo, deve sentir mais, pensar mais e compreender mais que a média dos homens da sociedade em que vive, assumindo todo o risco implícito em suas afirmações de líder se, para tanto, possui efetiva vocação para a grandeza do magistério.
Pensava nessas coisas quando atinei com a quantidade de professores a deterem cargos públicos e o poder no atual governo, a começar pelo presidente da República. Ao que tudo indica, trata-se de docentes, em sua grande maioria transitoriamente atrelados ao poder. Que o poder fascina, ninguém duvida; mas que fascínio poderoso é este (mesmo quando episódico e precário) capaz de cegar os governantes para uma realidade que está aí, ao alcance dos olhos, ao toque das mãos? Das duas uma: ou não são mestres autênticos, com vocação de grandeza, ou fazem de conta que o são.