CONFERENCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS
Reginaldo Oscar de Castro - Presidente Nacional da OAB
XVII Conferência Nacional dos Advogados
Carta do Rio de Janeiro
O drama institucional básico do país, segundo a conclusão da XVII Conferência Nacional dos Advogados, está na crise avassaladora que compromete os Poderes da República, e, mais grave ainda, o próprio Direito no Brasil, o que gera novos problemas que infelicitam a Nação, nas áreas social, política, econômica e ética.
Violam-se os princípios fundamentais do Estado democrático de Direito quando a lei deixa de ser limitação dos governos, e a ordem constitucional submete-se a manipulações e casuísmos. Profana-se, então, a ordem jurídica e agride-se a cidadania.
A Constituição, nos últimos dez anos, recebeu 28 emendas - uma a cada três meses. Nos quase onze anos de sua vigência, são duas mil ações diretas de inconstitucionalidade, atestando o quadro de afrontas permanentes à Constituição, que dá origens àqueles processos.
São os governos que devem adaptar seus programas à Constituição - e não o contrário. O desrespeito a esse elementar princípio do Estado Democrático de Direito resulta em instabilidade, perplexidade e provisoriedade, o que marca tristemente o Brasil deste fim de século.
A OAB vê no desrespeito sistemático à Constituição e no abuso das medidas provisórias fatores que levam à ingovernabilidade e ao caos institucional.
A cidadania brasileira não está sendo garantida na forma prevista pela Constituição. A hipertrofia do Executivo desrespeita e enfraquece os demais Poderes da República: enquanto o Legislativo aprovou 642 leis na legislatura passada, o Executivo editou ou reeditou, no mesmo período, o triplo daquele número em medidas provisórias: 1.971.
O Judiciário, lento e inacessível ao povo, carece de reforma imediata, em bases mais profundas que as constantes na proposta em tramitação no Congresso Nacional. A OAB luta por um Judiciário democrático, eficiente e sob efetivo controle da sociedade, em condições de saciar a sede de Justiça do povo brasileiro.
E luta também pela observância ao artigo 133 da Constituição, cujo descumprimento viola não apenas direitos do advogado, mas sobretudo do cidadão.
A OAB reitera suas preocupações com a proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade em todo o país, formando bacharéis inaptos para o exercício da advocacia, empenhando-se ela no aperfeiçoamento da formação dos advogados, de maneira a garantir uma melhor atuação desse profissional para o cumprimento de seu papel social em benefício da cidadania.
A crise institucional, que desacredita o Estado perante a sociedade, torna mais problemática a superação dos desafios econômicos decorrentes da globalização. A sociedade brasileira sente-se economicamente lesada com a dilapidação do patrimônio público, sem a contrapartida de equilíbrio nas contas do Estado ou de melhora na renda nacional.
Onde está o dinheiro das privatizações? A que objetivos atendeu?
Enquanto se agrava o quadro de desemprego e subemprego, intensifica-se o trânsito de capitais especulativos, em busca de lucro fácil e predatório. O mercado tornou-se instância mítica a arbitrar conflitos e dilemas éticos e sociais. Acima dos interesses legítimos do povo brasileiro, sobrepairam os do FMI. Não é casual que o único setor a abster-se do coro de insatisfação seja o financeiro.
Mais de um século após o fim da escravidão, a demanda nacional básica continua sendo por Justiça, em sentido estrito (a reforma do Poder Judiciário) e em sentido amplo (a superação das desigualdades sociais). A impunidade, que mantém, vinte anos depois, sem solução o assassinato de dona Lyda Monteiro de Souza - o que continua a ser reclamado pela OAB - traz em seu bojo a mesma insensibilidade dos governantes com todas as formas de injustiça social, que remete o Brasil, oitava economia do mundo, às últimas colocações mundiais em matéria de indicadores sociais.
Os advogados crêem na capacidade já demonstrada pelo povo brasileiro de superar adversidades e encontrar saídas criativas para os problemas nacionais.
O Brasil precisa com urgência de um pacto político que torne realidade a utopia de uma sociedade mais justa e fraterna, pela qual todos, governantes e governados, zelem pelo fiel cumprimento da Constituição e das leis, pelo respeito aos direitos humanos e pela estabilidade da ordem jurídica, pressupostos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Os advogados brasileiros desejam um país internacionalmente respeitado não pelas vantagens que concede a investidores, mas pela firmeza com que, sem xenofobia ou sectarismos, defende os interesses prioritários de seu povo.