EQUADOR: ALERTA PARA OS MAHUADS LATINO-AMERICANOS
Graças aos governos que temos tido, o Brasil tornou-se uma espécie de Equador gigante.
Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP. Publicado por OPINIÃO ECONÔMICA - Folha de São Paulo, 25/01/2000
Posso falar um pouco do Equador outra vez? Bem sei que brasileiro não dá, em geral, a menor importância para o resto da América Latina, especialmente para os países pequenos da região.
Somos todos um pouco como aquele personagem do Nelson Rodrigues para quem a América do Sul não passava de uma orla do Brasil. "Se o Brasil não existisse", dizia, "o Piauí e o Maranhão seriam grandes nações sul-americanas; outro grande do continente seria Madureira" (ou Sapopemba, diria um paulista).
Vamos baixar um pouco a bola. Graças aos governos que temos tido, o Brasil tornou-se, sob certos pontos de vista, uma espécie de Equador gigante. Temos motivos de sobra para acompanhar com atenção os desdobramentos da crise equatoriana.
Evidentemente, a situação do Equador é muito mais grave do que a nossa. O Brasil, como país de proporções continentais, possui uma capacidade de resistência e um raio de manobra bem maiores.
Mas não podemos ser arrogantes a ponto de não reconhecer que há semelhanças entre a nossa situação e a deles. Na verdade, a queda do presidente equatoriano, Jamil Mahuad, é um alerta para os numerosos Mahuads da América Latina.
Quais são os traços característicos desse tipo de governante? Primeiro, um respeito exagerado, quase supersticioso, pelas normas e regras de conduta produzidas no Primeiro Mundo, particularmente em Washington Treinados em universidades européias e, sobretudo, norte-americanas, esses governantes são típicos representantes das elites cooptadas da América Latina. Guardam vida afora o comportamento de alunos disciplinados e reverentes.
Essa atitude deferente e, não raro, subserviente favorece a adoção de políticas antinacionais. Nas áreas econômica, militar e internacional, os interesses fundamentais do país acabam subordinados às prioridades das potências dominantes e de grupos financeiros internacionais e seus aliados ou representantes domésticos. Nos anos 90, o apelo constante às inevitabilidades da "globalização" foi o discurso predileto desse tipo de governante.
Segundo traço: a democracia de fachada. Nos nossos países, a palavra democracia foi inteiramente desvirtuada. Passou a descrever governos e estruturas políticas que mantêm, pelo menos em parte, os rituais da democracia, mas obedecem basicamente a oligarquias locais e interesses estrangeiros.
Como o sistema político não é verdadeiramente democrático, esses governantes se permitem conduzir os negócios públicos com suprema indiferença em relação aos interesses da nação e da maioria da população. Contam para isso com o poder de manipulação sistemática da opinião pública, das eleições e das instituições políticas do país.
Os resultados desse estilo de governo são conhecidos. No campo econômico: estagnação, instabilidade e dependência em relação a capitais externos. No campo social: agravamento da miséria e da concentração da renda. No campo político: o descrédito crescente das classes políticas e das fachadas democráticas latino-americanas, tendência da qual a derrubada do presidente do Equador é a manifestação mais recente.
Está ficando evidente que a América Latina precisa mudar de rumo e distanciar-se do estilo de governar que prevaleceu na década de 90, sem recair no autoritarismo ou no populismo demagógico que marcaram a nossa trajetória em décadas anteriores.
Trata-se, essencialmente, de revisitar o óbvio e perceber que não podemos delegar a ninguém a defesa dos nossos interesses. De reconhecer que os nossos países têm de recuperar as condições de definir com independência as políticas públicas. Que o combate à pobreza e a desigualdade precisa ocupar um lugar central nas prioridades nacionais. E que as nossas democracias ainda são uma pálida sombra do que podem e devem ser.
Folha de São Paulo, 27/01/2000
E SE FOSSE NO BRASIL?
CLÓVIS ROSSI
Basel, Suíça - Pense um pouco, caro leitor, se, no fundo d'alma, você não abrigou em dado momento (ou ainda abriga, quem sabe) o desejo de fazer como os indígenas do Equador: invadir o Congresso com a sua turma, pôr para correr presidente e parlamentares e assumir o comando você mesmo.
Suspeito que esse recôndito desejo deve ser comum a uma boa parcela dos latino-americanos. É claro que, no Equador, houve a coincidência extrema entre anarquia política e uma feroz crise econômica, maior do que a que sofreram, na esteira dos problemas asiáticos, outros países da região.
Mesmo assim, um caso extremo como o do Equador não quer dizer necessariamente um caso único.
No Brasil, como nos demais países da região, respira-se um ambiente de saturação com os políticos de modo geral, tidos como senhores engravatados que não têm a mais remota idéia do que sentem seus representados.
Há exceções, é óbvio, mas cada vez mais o pessoal quer saber cada vez menos delas. Cresce em ritmo alucinante a generalização de que "todo político não presta", o que é absurdo, claro, mas é fruto do comportamento de boa parte das autoridades.
Basta imaginar a reprodução, em Brasília ou Buenos Aires, do que ocorreu no Equador: alguém aí acha que, se houvesse uma grande mobilização dos setores organizados da sociedade que marchasse para tomar o Congresso ante a omissão das forças de segurança, haveria alguma dificuldade para concretizar a operação?
Haveria alguma resistência, a não ser de alguns parlamentares, assim mesmo não muitos, porque a maioria se esconderia?
Antes que me acusem de golpismo, não estou sugerindo nada disso. Estou apenas constatando fatos. Não é que a democracia seja ruim (o regime militar é que legou boa parte dos problemas que os civis não estão conseguindo resolver). O diabo, na América Latina, é que os maiores interessados desmoralizam a democracia.