AMPLIAÇÃO DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - Folha de São Paulo - Opinião Econômica - 16/09/2004 - Economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras na coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002)
Escrevo este artigo na tarde de quarta-feira, sem saber, portanto, se o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) subirá ou não a taxa de juro. Não importa. A alta dos juros básicos pode não começar nesta reunião, mas tudo indica que haverá aumentos nos próximos meses. Alguns esperam que a taxa básica possa chegar a 17% ou 18% no final do ano.
Um absurdo. Não se deve esquecer que o Brasil já pratica taxas de juro estratosféricas, que estão sempre entre as mais altas do mundo. Os "spreads" bancários (a diferença entre as taxas de empréstimo e de captação dos bancos) também estão entre os mais altos do mundo.
Por que a insistência nessa política? A razão ostensiva é a necessidade de cumprir as ambiciosas metas de inflação fixadas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Essa é parte da explicação, sem dúvida. Se o CMN é muito ambicioso, a margem de manobra do BC (Banco Central) na condução da política monetária estreita-se consideravelmente, em especial quando ocorrem choques de oferta ou pressões de custo. É o que vem ocorrendo, de uma maneira geral, desde a introdução do regime de metas para a inflação, em 1999. Na ânsia de cumprir as metas, o BC acaba praticando juros extravagantes ou permitindo uma apreciação cambial perigosa.
Mas não é só isso. Por trás da discussão técnica sobre inflação, há o jogo dos lobbies e interesses. No Brasil, temos sofrido há muito tempo os efeitos da hegemonia do que se poderia chamar de "partido dos juros altos". Quem são os integrantes desse partido? Fundamentalmente, os credores (diretos e indiretos) da dívida pública, que se beneficiam das extraordinárias taxas de juro pagas sobre papéis altamente líquidos. Ou seja: são as instituições financeiras carregadas de títulos públicos, as empresas não-financeiras com excedentes de caixa e as pessoas físicas de elevada riqueza que detêm fundos de investimento ou aplicações assemelhadas. Os rentistas, em suma -aqueles que vivem de rendimentos financeiros, e não da atividade produtiva, do investimento, do trabalho e da criação.
No último capítulo da "Teoria Geral", Keynes falou na "eutanásia do rentista", que resultaria da prática de taxas de juro reduzidas para estimular o investimento produtivo. No Brasil, o que temos, infelizmente, é a apoteose do rentista. Não por acaso estamos praticamente estagnados há quase 25 anos.
O que fazer? Permita-me, leitor, reprisar uma das minhas "teses" preferidas. Parece-me que o essencial é quebrar o jugo do "partido dos juros altos" sobre as instituições monetárias brasileiras, especialmente o BC e o CMN. Hoje, vou tratar principalmente do segundo.
Do jeito que está, o CMN é prisioneiro da visão rentista-financista. Desde 1994, conta com apenas três membros: o ministro da Fazenda (que o preside), o ministro do Planejamento e o presidente do BC. A Fazenda e o BC costumam atuar em sintonia. Eventuais divergências do Planejamento acabam não tendo muita importância prática. A secretaria do CMN é exercida pelo BC. Detentor da maior parte das informações e instrumentos relevantes, o BC tem influência decisiva sobre o CMN.
Ora, sabemos que o BC mantém relação simbiótica com as instituições financeiras privadas. Isso porque grande parte, provavelmente a maior parte, das pessoas que passam pela diretoria do banco tem nessas instituições (ou em atividades de consultoria a elas ligadas) a sua origem e/ou destino.
A solução é ampliar o CMN para torná-lo mais sensível aos interesses e problemas da produção, do investimento e do trabalho. Conviria incorporar alguns outros ministros de Estado (do Desenvolvimento, da Agricultura e do Trabalho, por exemplo) e presidentes de instituições financeiras federais (Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal, por exemplo). Caberia, também, incluir nomes representativos dos empresários e trabalhadores de diferentes setores da economia. O governo manteria a maioria no CMN, que continuaria a ser presidido pelo ministro da Fazenda.
Bem sei que já fiz essa sugestão várias vezes nesta coluna (para mais argumentos em sua defesa, ver "Reforma das instituições monetárias", 5/8/04, "Demissão no Banco Central", 29/7/04, e "Uma reforma do regime de metas de inflação", 18/3/ 04). Mas o que seria do colunista semanal se não tivesse direito a umas reprises de vez em quando? Além disso, como dizia Nelson Rodrigues, o que é escrito só uma vez permanece rigorosamente inédito.
Hoje, tinha uma desculpa especial para voltar ao assunto. Noticiou-se que o presidente da República vem defendendo em conversas reservadas a ampliação do CMN, com a inclusão de representantes dos empresários e dos trabalhadores. O ministro do Planejamento confirmou, em entrevista à imprensa, que o presidente está com essa idéia, mas ressalvou que ela ainda precisa ser estudada e amadurecida.
Isso deveria ser feito com certa rapidez. Como lembrou o próprio presidente da República, em discurso de improviso no encerramento do Seminário Brasil-Venezuela, em Manaus, nesta semana: "Muitas vezes, nos nossos países, temos uma atividade econômica que quer determinar a política do Estado".
Não sei se o presidente estava pensando no sistema financeiro quando fez essa observação. Mas é exatamente por isso que a reforma do CMN se faz tão importante.