São Paulo, 22 de julho de 2004 (Revisado em 14-03-2024)
A Associação Comercial de São Paulo, criou o “Feirão do Imposto”. Nela, cada produto de uso praticamente obrigatório de todos os brasileiros ficava exposto com o preço cobrado do consumidor e o respectivo valor dos impostos incidentes sobre o mesmo. Essa forma de exposição do preço dos produtos é obrigatória pela nossa Carta Magna (a Constituição Federal de 1988).
Essa obrigatoriedade não foi colocada em prática porque o texto constitucional nunca foi regulamentado, embora esteja em vigor há muitos anos. E isto não é novidade, o Sistema Financeiro Nacional também ainda não foi regulamentado. São muitos os interesses corporativistas contrários a algumas regulamentações, tal como aconteceu com o sigilo bancário e fiscal. De forma vil, os projetos de lei complementar são engavetados com os devidos esforços dos “lobistas”, que é o nome dado ao corruptor em potencial.
Na realidade, esta pode ser a forma encontrada pela associação representativa dos empresários do comércio de São Paulo para fazer campanha contra o governo, na tentativa de desmoralizá-lo e assim conseguir eleger seus pares nas próximas eleições municipais e já pensando na eleição maior, que se realizará dois anos depois.
Essa forma de cobrança de impostos indiretos existe no Brasil desde a década de 1960, depois de extinto o imposto cobrado através de selo (estampilha). Mas somente agora eles “resolveram botar a boca no mundo”, dezoito anos depois da obrigatoriedade ser efetivamente prevista na Constituição de 1988.
O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, em entrevista à TV Cultura de São Paulo, disse que não vê nenhuma medida prática na obrigatoriedade de expor o valor dos impostos incidentes nos produtos.
Ao contrário, penso que essa obrigatoriedade possa fazer com que os consumidores passem a exigir a emissão da nota fiscal pelos comerciantes. Se assim acontecesse, o tiro teria saído pela culatra da arma apresentada pela Associação Comercial, visto são os comerciantes os maiores sonegadores de impostos. Vários governos estaduais já fizeram campanhas para aumentar a arrecadação do ICMS, mediante o sorteio de prêmios para consumidores que exigissem a emissão de notas fiscais.
A maior parte dos impostos no Brasil é indireto. Ou seja, o consumidor é quem paga. Afif Domingos, dirigente da Associação Comercial de São Paulo, respondendo a pergunta de um entrevistador da TV Cultura de São Paulo, disse que de fato os empresários são meros intermediários na arrecadação da maior parte dos impostos, tal como sempre mencionei em textos publicados no site do Cosife Eletrônico.
Os empresários, contrapondo-se, dizem que não agüentam mais pagar tantos impostos, mas Afif Domingos os desmascarou, dizendo a verdade: “a maior parte dos impostos é paga pelo consumidor e não pelos empresários”.
O poder público brasileiro optou pela cobrança de impostos particularmente dos consumidores justamente porque os empresários os sonegam. A falha do sistema de arrecadação está no fato de que os próprios sonegadores (os empresários) são os agentes arrecadadores do Estado (o governo precisa encontrar um novo sistema de arrecadação em que o sonegador também seja obrigado a pagar). Escolhendo os empresários como agentes arrecadadores, o governo entregou as galinhas dos ovos de ouro para que as raposas tomassem conta e arrecadassem os ovos (os impostos), que podem ser utilizados em proveito próprio, mediante apropriação indébita.
Foi por isso que, a partir da promulgação da constituição federal de 1988, as empresas estatais passaram a ser as principais arrecadadoras de impostos. Elas passaram a ser as maiores arrecadadoras, porque, sendo governamentais, não havia a possibilidade de sonegação. Aí estava a solução contra a sonegação, porém, agora as ex-empresas estatais também são privadas. Isto é, novamente entregaram as galinhas dos ovos de ouro às raposas.
A grande verdade é que os empresários, tentando justificar a sonegação, dizem que é preciso diminuir os impostos pagos pelas empresas para que possam gerar emprego, o que não é verdade. Foram concedidos incentivos fiscais em diversas áreas e os empregos não aumentaram a ponto de diminuir os altos índices de desemprego.
A sonegação é facilmente observada quando se entra num estabelecimento das pequenas, médias e microempresas. O consumidor sempre sai de lá sem a nota fiscal relativa à mercadoria comprada. Geralmente é entregue ao consumidor um papelzinho sem valor, onde está escrito PEDIDO, ou algo semelhante como: “CUPOM SEM VALOR FISCAL”. E, se não é emitida a nota fiscal, obviamente o imposto é sonegado. Entretanto, o consumidor pagou o imposto, pois o empresário não deu desconto no preço da mercadoria vendida. Neste caso, o empresário se apropriou do imposto que devia ser repassado ao governo e, assim, cometeu crime de apropriação indébita, cuja primeira pena é a prisão imediata.
Parece que neste caso estou fazendo apologia às grandes empresas. Mas, elas também sonegam, e muito. Muitas das notas fiscais ou cupons de caixa destas são frios, ou seja, não entram na contabilidade e por isso não geram impostos. Agora mesmo a Receita Federal está instalando controladores eletrônicos da produção nas fábricas de cerveja. E nesse ramo de atividade não existem pequenas e médias empresas, são todas grandes. Ademais, sempre há a possibilidade de desvio de lucros, da importação ou compra superfaturada, que permite desviar lucros para o que em contabilidade é conhecido como “CAIXA 2”. O dinheiro desse “CAIXA 2” geralmente vai para paraísos fiscais, através do Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes e das contas correntes bancárias conhecidas como CC5, com a indevida anuência do Banco Central do Brasil, que não fiscaliza essas operações e não denuncia as irregularidades às autoridades tributárias.
De mãos atadas, o governo federal, não tendo de onde tirar, porque não possui fiscalizadores em número suficiente e agora tendo que pagar aos aposentados e às pensionistas a conta deixada pelos governos anteriores, que não atualizaram os proventos dos segurados da previdência oficial, diz que só tem uma forma de pagar os débitos: aumentando a contribuição à presidência social paga pelos empresários, que é incidente sobre a folha de pagamentos de salários.
O governo desistiu de assim fazer porque os empresários passaram a dizer que esse aumento da contribuição previdenciária desestimularia o emprego, que passaria a ser formal ou na forma instituída pelo governo FHC, isto é, como emprego temporário, sem os direitos trabalhistas. Esta legislação foi instituída com a finalidade de aumentar o nível de emprego, já que diminuía a carga tributária dos empresários. Entretanto, na prática, verificou-se que o desemprego aumentou, principalmente em razão da desastrosa política econômica de FHC, já detalhada em outros textos, e que é tida com “a herança maldita” pelo governo Lula, plenamente reconhecida por FHC durante o primeiro programa “Dois A Um”, de Mônica Waldvogel, no SBT.
Os empresários pagam menos impostos porque têm incentivos fiscais na Zona Franca de Manaus, nas zonas de processamento das exportações, na região nordeste e na Amazônia. Entretanto, nessas regiões, e no restante do país, os consumidores não têm incentivos fiscais. Pelo contrário, pagam impostos até sobre os produtos da cesta básica.
O governo do Estado de São Paulo e também o governo federal dizem que estão reduzindo os encargos cobrados do consumidor. Pior para os negociantes, que vão sonegar menos, ou melhor, vão se apropriar indevidamente de menos impostos. Mas, para compensar essa perda, não reduzirão os preços dos produtos menos tributados.
Por sua vez, os profissionais dos meios de comunicação, que têm o poder de manipular a opinião pública a serviço do poderio econômico e em nome dos propalados “contribuintes”, dizem que é um absurdo pagar tantos impostos porque o governo não devolve o dinheiro na forma de benefícios à população. E de fato não devolve. A maior parte dos impostos arrecadados vão para os investidores e especuladores nacionais e estrangeiros que atuam no Mercado de Capitais e no restante do SFN.
No Jornal da Cultura, da TV Cultura de São Paulo, Marcelo Tas fez uma breve comparação entre os impostos pagos no setor produtivo em relação aos cobrados no SFN. Por sua vez, os privilegiados investidores estrangeiros são isentos de impostos, por isso muitos brasileiros remetem dinheiro clandestinamente ao exterior e o aplicam no Brasil como estrangeiro.
Este absurdo sempre foi por mim comentado, inclusive nos cursos que ministrava a auditores-fiscais da Receita Federal. Os impostos cobrados sobre os investimentos no Mercado de Capitais são muito baixos, se comparados com os pagos pelos consumidores e pelos próprios empresários. Além disso, a maior parte do orçamento nacional é exatamente destinada ao pagamento de juros aos especuladores do sistema financeiro.
Assim, Marcelo Tas concluiu que é muito mais fácil e lucrativo aplicar dinheiro no mercado financeiro do que aplicar na produção e no emprego. Produzindo, o empresário pode ter prejuízo e no Mercado de Capitais o lucro é certo e ainda são pagos menos impostos.
E, digo mais: se o investidor for daquele tipo que gosta de cassinos e emoções fortes, ainda pode colocar seu rico dinheirinho nas Bolsas de Valores e de Mercadorias e Futuros, os mais sofisticados cassinos do mundo, cujo entendimento do jogo e da forma de apostas não estão ao alcance do cidadão comum. É preciso ter a consultoria dos especialistas do mercado de capitais, que geralmente enganam os incautos.
Os defensores dos impostos baixos para o SFN dizem que se for aumentado o tributo, a taxa de juro também tem que ser aumentada. Os empresários de seu lado dizem praticamente o mesmo: aumentando os impostos, também devem ser aumentados os preços, gerando inflação. Ou seja, se ficar o “bicho pega, se correr o bicho come”.
O governo, por sua vez, aumenta os impostos e as contribuições dos empresários, mas não diminui os juros, não aumenta os impostos dos investimentos improdutivos, nem decreta a moratória, que é a única forma de resolver a inquietante situação em que se encontra o orçamento nacional, que, para pagar juros, deixa de destinar verbas (dinheiro) para setores essenciais, praticamente nada aplicando em novos investimentos produtivos e nem na manutenção dos existentes, como por exemplo, a conservação das rodovias e ferrovias do país, importantes para o barateio da produção e inclusive como corredores de exportação. E para exportar é preciso reaparelhar e ampliar os portos brasileiros.
Conclusão: Sem moratória não há solução. Sem moratória a ciranda financeira não acaba.
Os empresários se eximem de dizer isto assim abertamente. Preferem deixar que o fato fique oculto nas entrelinhas de frases de efeito, tal como: - O setor produtivo não agüenta pagar tantos impostos (eles deviam ser cobrados do setor improdutivo). É claro que o setor improdutivo é justamente o dos banqueiros e dos especuladores do SFN.
Frases semelhantes são proferidas: “com taxas de juros tão altas é impossível aplicar dinheiro na produção e no emprego” (preferimos aplicar na especulação financeira); “com contribuições previdenciárias e impostos tão elevados não podemos gerar empregos” (aplicamos na ciranda financeira, porque nela o lucro é fácil e pagamos menos impostos).