São Paulo, 10 de junho de 2004 (Revisado em 14-03-2024)
Hoje estava com o umbigo encostado no balcão de uma loja que vendia pisos e azulejos antigos, daqueles fora de linha de fabricação, esperando o funcionário procurar o que eu queria, quando me deparei com um recorte de jornal fixado na lateral de uma estante de azulejos à minha frente.
Como não lembro exatamente o que lá estava escrito, vou fazer a minha versão da história, que se assemelha ao que sempre pensei e tenho dito e escrito.
Um certo indivíduo tinha um sítio à beira de uma estrada. Como o rendimento de sua plantação era pequeno, quando vendido aos intermediários, resolveu vender as morangas, as bananas, entre outras frutas e legumes que produzia, à beira da estrada. Colocou alguns avisos escritos com tinta preta em pedaços de “madeirit”, conseguidos em uma obra, nos 100 e 200 metros da estrada, pouco antes de sua tendinha improvisada.
Como o negócio se mostrou promissor ele resolveu comprar uma pequena moenda para vender caldo de cana, uma geladeira de isopor para vender coco gelado e no seu alambique rudimentar passou a produzir uma boa “caninha” (aguardente).
O interessante é que todo aquele empreendimento e seu relativo progresso tinham surgido instintivamente e algumas vezes por solicitação ou sugestão da própria freguesia.
Não foram os livros e os meios de comunicação que lhe haviam ensinado a diversificar sua produção e as vendas, pois agora, devido ao excesso de trabalho, não mais não tinha tempo para ver televisão, praticamente não ouvia rádio e nunca lia jornais ou revistas, além de ter pouca instrução em razão da vida interiorana e do trabalho na roça que sempre exerceu.
O tempo foi passando, o negócio foi crescendo e ele transformou boa parte do seu sítio numa linda lanchonete à beira da agora rodovia, com área para estacionamento de automóveis, ônibus e caminhões. Fez parcerias com alguns conhecidos para instalação de um posto de gasolina e de serviços para atendimentos de emergência aos veículos automotores.
Meditando sobre os tempos de escola primária, lembrou ter ouvido sua professora dizer que a grande oportunidade na vida de um homem era o estudo. Porém, devido ao seu tipo de trabalho, não teve oportunidade de estudar. Foi assim que resolveu promover os estudos de seu filho e por fim mandá-lo estudar economia numa universidade na cidade grande.
A esta altura a lanchonete já tinha um grande letreiro luminoso, que se via muito além dos 200m de estrada iniciais e, três quilômetros antes, os motoristas já avistavam um “outdoor” dizendo da presença daquele oásis. Possuía muitos empregados e as encomendas de produtos eram cada vez maiores.
Foi exatamente nesse momento que resolveu chamar seu filho já formado, para lhe ajudar nos negócios. O rapaz, que nunca teve um emprego, continuava na cidade grande, deliciando-se das polpudas mesadas enviadas pelo pai, fruto do árduo trabalho interiorano.
Ao chegar, o filho disse ao seu progenitor: Pai, o senhor não se emenda mesmo. Continua sem ver televisão, sem ouvir rádio e sem ler jornais e revistas. O senhor nem imagina que o mundo e o nosso país estão passando por uma grande crise recessiva e que, por isso, é perigoso investir. Pelo contrário, é preciso reduzir custos, reduzir a quantidade de mão-de-obra, demitindo alguns funcionários, e há grande necessidade de economizar luz, pois há uma crise energética à vista. Além disso, é preciso reduzir os custos dos insumos utilizados pelas empresas.
O velho rapidamente ouviu a voz da sabedoria do filho culto e assim passou a manter o grande luminoso desligado à noite, diminuiu a luz dos ambientes, durante o dia não mais renovou as bandeirolas que chamavam a atenção dos passantes, que tinham a sensação de que ali sempre havia uma festa, deixou de colocar cartazes, retirou o “outdoor”, demitiu funcionários e passou a comprar menos mercadorias.
Entretanto, enquanto isso acontecia, o filho, em vez de ajudar e desprezando a dita recessão, continuava a gastar de forma perdulária o rico dinheirinho de seu pai.
Diante das medidas tomadas, muitos daqueles que passavam pela rodovia não mais paravam no local, imaginando que estava em decadência. Os que paravam já não encontravam todos os produtos que antes estavam à disposição para venda. Por falta de funcionários qualificados (que sempre têm maiores salários), a qualidade dos serviços já não era a mesma. Muitos produtos comprados para revenda eram agora de baixa qualidade, porque, sob a orientação do filho, passou a privilegiar apenas os preços baixos.
Conclusão: algum tempo depois a lanchonete e o posto de gasolina e de serviços estavam fechados por falta de freguesia. Não, em razão da redução do movimento na rodovia, que efetivamente não aconteceu, mas, sim, porque não foram efetuados novos investimentos e nem a manutenção dos existentes, que eram necessários para chamar a atenção dos que por ali passavam.
A moral da história é uma só. O mundo está em recessão simplesmente porque existem governantes e empresários escutando profissionais que, baseados numa teoria errada, que na prática nunca conseguiram provar ser verdadeira, estão fazendo com que o mundo regrida. Desde os tempos mais remotos, o ser humano sempre evoluiu porque não existiam os ditos sábios dizendo-lhes para não investirem ou dizendo-lhes que era “perigoso” investir. Aliás, naquela época não existia a palavra “recessão”.
Um dos meus colegas de trabalho, o Nicolino, sempre que certos indivíduos vomitavam muitas teorias e na realidade só falavam besteiras, dizia com ar pejorativo: “Ele é um teórico!”
A realidade nos mostra que grandes e antigos empreendimentos, exclusivamente comandados pelos patriarcas das tradicionais famílias, quando a administração foi transferida para os seus letrados herdeiros, os negócios minguaram e muitas vezes chegaram à falência. As razões de tal declínio foram a incompetência, a briga entre os herdeiros na divisão dos bens, os gastos nababescos e a inconseqüência, incompetência e arrogância dos teóricos contratados para gerir os negócios.
O Nicolino, na verdade, chamava de teóricos os “estudantes profissionais”. Aqueles que concluíam todos os cursos disponíveis: graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, porém, nunca tiveram um emprego, nunca tiveram uma verdadeira experiência profissional na vida. Ou seja, era “teórico” aquele que envelheceu sem que algum dia tivesse trabalhado, sempre vivendo às custas dos pais.
O grande problema é que muitos desses teóricos acabam se tornando professores e continuam repetindo aquilo que leram em livros escritos há décadas. Esse é o grande problema enfrentado pelos profissionais do poder judiciário, que teimam em manter as tradições jurídicas, completamente ultrapassadas, incluindo as fantasias com becas e togas durante o exercício da profissão.
De nada adiantam os estudos sem que se observe e escute aqueles que aprenderam na escola da vida e sem que as teorias sejam aperfeiçoadas ao momento presente. É por isso que se dá importância ao mestre-de-obras na engenharia e na arquitetura. Só será um bom engenheiro aquele que por longo tempo trabalhar e aprender com um mestre-de-obras, porque somente ele “põe a mão na massa” (trabalha na obra). E, para que isso possa acontecer, é preciso deixar de lado a arrogância e agir com certo grau de humilde.
O bom contador sempre será aquele que começou a trabalhar numa empresa como “Office boy” aos 14 anos de idade, exerceu diversas funções e, quando chegou à maior idade, concluiu que o seu futuro estava na contabilidade. Isto significa dizer que os contabilistas desse tipo, ao se formarem, geralmente já possuem pelo menos dez anos de experiência profissional, alguns também como estagiários ou empregados em empresas de auditoria, enquanto que em outras profissões o indivíduo só consegue o mesmo nível de experiência dez anos depois de formado. Tendo em vista o explicado, o tempo de aproveitamento profissional de um contabilista é pelo menos 10 anos maior do que nas demais profissões.
Foi motivado pela arrogância e pela falta de experiência prática de seus mentores que os nossos mirabolantes planos econômicos nunca vingaram.