O BRASIL E A DESBUROCRATIZAÇÃO
São Paulo, 29 de abril de 2004 (Revisado em 14-03-2024)
A burocracia no serviço público brasileiro é quase intransponível.
Já tivemos um ministro da desburocratização que tentou ouvir as reclamações de diversos setores para tomar as medidas saneadoras. Mas, esbarrou na resistência daqueles servidores públicos que defendem a burocratização como forma de fiscalização indireta e assim evitar a contratação de auditores-fiscais (contadores) para efetuar a fiscalização direta na contabilidade das empresas. Por isso, algumas normas editadas pelo ministro simplesmente tornaram-se “letra morta”, nunca foram cumpridas.
Agora, no sentido de promover a diminuição da informalidade reinante no país, algumas autoridades do governo federal, apoiadas por organizações privadas, estão tentando diminuir a quantidade de procedimentos comuns ao registro e à baixa de empresas nos diversos órgãos governamentais, principalmente tentando reduzir o custo dessa burocracia, não somente para o Estado como também para o empresário que deseja entrar no mercado, assim como para o que deseja sair. O projeto é interessante e merece nosso total apoio.
Por mais incrível que pareça, baixar uma empresa inativa custa muito dinheiro para os seus proprietários mesmo que tenham todos os impostos e as contribuições devidamente quitados. E também custa dinheiro e alguns meses de ansiosa espera na inatividade para os que desejam registrar seu negócio. Até parece que, diante dos obstáculos criados, há um incentivo à informalidade ou o intuito discriminatório como forma de seleção de candidatos à atividade empresarial.
Por que as empresas fecham?
As razões são várias e a principal delas é a inviabilidade do negócio diante dos problemas de desaquecimento da nossa economia praticada por governos que privilegiaram a especulação financeira em detrimento do investimento na produção e no emprego, por considerarem que o aquecimento da economia causava a inflação, política esta que também está sendo adotada pela equipe econômica do governo Lula. Este é o principal motivo do grande número de falências e concordatas que têm ocorrido nos grandes centros urbanos do país.
A prática nos mostra que os empresários só resolvem fechar suas empresas quando estão insolventes, à beira da falência. Assim, obviamente não sobra dinheiro para baixar a empresa nos órgãos públicos.
O antigo Cadastro Geral de Contribuintes (CGC) não aceitava a mudança de endereço das empresas sem o registro de uma alteração contratual numa Junta Comercial ou num Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. O governo resolveu fazer um novo cadastramento (o CNPJ), mas não abandou o antigo e continuou a cobrar absurdas multas para quem quer legalizar sua situação perante o fisco. Para evitar tais gastos, os empresários deixam de tomar as providências burocráticas e assim os órgãos governamentais não mais o encontram, porque não aceitaram as mudanças de endereço sem os procedimentos burocráticos citados.
O interessante do novo projeto de desburocratização está no fato de que tanto o registro como a baixa será efetuada por um único órgão que abrangerá todas as esferas: municipal, estadual e federal. O imposto também seria único, sendo depois distribuído às três esferas governamentais. O que ainda não ficou claro é qual dos governos arrecadará o imposto e fará a distribuição. A tendência seria a de centralização no governo federal. Porém, desde 1996, no Congresso Brasileiro de Contabilidade, venho defendendo a municipalização dos impostos e do controle e fiscalização das empresas.
Quais as vantagens da municipalização dos impostos?
Na atual estrutura de arrecadação e fiscalização das empresas, o governo federal precisa ter delegacias ou representações em todos os quase 6000 municípios brasileiros. Da mesma forma os governos estaduais também necessitam ter representações em seus respectivos municípios. Assim sendo, em tese, por menor que sejam, todos os municípios deveriam ter um órgão de fiscalização e de arrecadação do governo federal, do estadual e do próprio município. É claro que na prática isto é impossível, razão pela qual o governo estadual e o federal estão ausentes na maior parte das cidades, cujas empresas ficam sem fiscalização, o que contribui para a sonegação, principalmente pelos detentores do poderio econômico e político da região. Esta é uma das razões de ter defendido a municipalização dos impostos em Fortaleza - 1996.
Uma das vantagens da municipalização dos impostos está no fato de que as autoridades municipais teriam que se esforçar para arrecadar, tendo em vista que não mais receberiam verbas federais ou estaduais. Pelo contrário, o município é que passaria a ser o contribuinte do Estado e este da União. Os Auditores Fiscais da União passariam a fiscalizar os Estados, os destes passariam a fiscalizar os municípios e os destes as empresas. Dessa forma, os Estados continuariam incumbidos de administrar as verbas para aplicação no seu próprio território, inclusive integrando municípios, e a União no território nacional, integrando os Estados.
Esta seria uma forma de desburocratização e de descentralização, dando inclusive maior autonomia aos municípios e aos estados para de fato traçarem as suas políticas de arrecadação e de investimentos, sem depender da burocracia estadual ou federal.
E os municípios dormitórios, como ficam?
Tanto os municípios dormitórios como os demais, que somente sobrevivem às custas de verbas do Fundo de Participação dos Municípios e de verbas a Fundo Perdido, seriam incorporados pelos municípios limítrofes dos quais dependem direta ou indiretamente. Assim, a municipalidade economizaria verbas com vereadores, prefeitos e com funcionários públicos. Assim fazendo, dos atuais quase 6000 municípios, aproximadamente 3000 seriam incorporados por outros e assim teríamos no máximo uns 2500. Ou seja, seriam economizadas as verbas do pagamento de uns 3 mil prefeitos, 30 mil vereadores e pelo menos 300 mil funcionários públicos, no valor aproximado de R$ 5 bilhões por ano.
Em grande parte dos pequenos municípios os políticos são as pessoas influentes da região e os funcionários públicos os seus cabos eleitorais. Nesse conluio, muitos municípios foram criados por desmembramento com a finalidade de obtenção verbas federais e estaduais que são aplicadas geralmente em proveito dos detentores do poderio econômico e político da região. Com a municipalização essa ilegalidade acabaria. Os municípios que não arrecadassem dentro de seus próprios territórios não sobreviveriam.
O grande problema para implantação desse novo sistema de arrecadação de impostos está na necessidade de alteração da constituição federal, na parte que se refere à tributação, com a conseqüente alteração do código tributário nacional e das demais leis tributárias e das constituições e legislações dos estados e municípios. Esta sim seria a verdadeira reforma tributária.
Porém, muitos políticos não a aprovariam, para que seus correligionários nos municípios não ficassem sem as verbas que recebem sem nada produzir. Assim, a municipalização dos impostos seria como um incentivo à produção: Quem não produzisse e não arrecadasse, não sobreviveria.
Com essa nova forma de arrecadação sobraria mais recursos para os municípios que de fato precisam de verbas para resolver os problemas da população. Grandes cidades estão abarrotadas de favelas justamente porque a maior parte dos impostos arrecadados em seu território vai para outros municípios que nada produzem. Assim como as empresas fecham, quando não produzem e não vendem o suficiente para sua manutenção, os municípios improdutivos também devem desaparecer por absorção por outros dos quais se desmembraram ou dependem direta ou indiretamente.
Enquanto não fosse resolvida a situação legal desses municípios improdutivos, haveria a intervenção do governo estadual, mediante a nomeação de seus dirigentes. O interventor providenciaria, então, a absorção por outro município. Se não fosse possível essa absorção, o município continuaria sob intervenção até que fosse regulamentada e implantada uma nova forma de arrecadação e controle que o tornasse auto-suficiente.