São Paulo, 16 de outubro de 2003 (Revisado em 15-03-2024)
Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE
Os juristas defendem a teoria do direito adquirido, pois não querem perder suas altas aposentadorias. Os trabalhadores de baixa renda, por sua vez, para não perderem seus direitos a ponto de retornarem à condição de escravos, também alegam a teoria do direito adquirido.
Os chamados radicais do Partido dos Trabalhadores são contra a cobrança de contribuição previdenciária dos aposentados, também com base no direito adquirido.
Foi o que se verificou durante a discussão da reforma previdenciária.
É preciso que haja bom senso em determinados julgamentos. A teoria na prática nem sempre é verdadeira.
Não podemos ser favoráveis ao sigilo bancário e fiscal acima de tudo, por exemplo, se estamos sabendo que eles estão sendo utilizados para o bem da criminalidade, dos sonegadores e da lavagem de dinheiro.
Da mesma forma muitas pessoas foram privilegiadas com altas aposentadorias em razão de duvidosas demandas judiciais. E entre os principais beneficiados estão justamente alguns magistrados.
Por que o tal direito não foi estendido a todos os demais cidadãos? Por que a maioria esmagadora dos aposentados recebe aposentadorias tão baixas?
E muitos recebem aposentadorias menores do que as previstas na própria legislação, como também é o caso do salário mínimo, que deveria ser satisfatório para a sobrevivência dos trabalhadores.
Certo partido político de esquerda, disse em um de seus programas políticos que o custo de um escravo, nos tempos do Império e do Brasil Colônia, era maior do que é pago hoje em dia como salário mínimo. E cálculos efetuados por especialistas dizem que isso é a mais pura verdade. Pergunta-se: Seria direito adquirido do trabalhador o de ser permanentemente escravo? Claro que não.
Há quem diga que se o direito adquirido prevalecesse sob todos os aspectos, os vassalos, proprietários de feudos, assim como os coronéis do interior brasileiro dos tempos do império, também teriam seus herdeiros com os direitos aos impostos arrecadados.
Na prática isso ainda ocorre em grande parte dos municípios brasileiros, porque as elites dominantes política e economicamente se beneficiam de incentivos fiscais, de subsídios e de verbas a fundo perdido, além de viverem às custas do Fundo de Participações dos Municípios. Estes Municípios pouco arrecadam porque os contribuintes em potencial pertencem à elite e por isso são isentos de impostos, contrariando inclusive o que está previsto na Constituição Brasileira, onde se lê que os impostos devem ser cobrados proporcionalmente à situação econômica do contribuinte.
Contra a teoria do direito adquirido, um comunista militante, não filiado a partidos políticos, mencionou que, se prevalecesse esse direito, os escravos não tinham sido liberados pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Obviamente que, a bem da justiça (não a social), os senhorios teriam o direito adquirido sobre os escravos, principalmente por que pagaram por eles.
Algo parecido também aconteceu no final de 1985, a partir de quando os banqueiros falidos passaram a ter que pagar correção monetária sobre empréstimos obtidos no Banco Central do Brasil. Alguns banqueiros chegaram a impetrar medidas judiciais para lhes fosse garantido o direito adquirido do não pagamento da correção monetária, enquanto que os mutuários do SFH - Sistema Financeiro da habitação já a pagavam desde 1967 (18 anos antes).
A partir de 1986, nova lei sancionada em 1985, obrigava que todas as empresas encerrassem seu exercício fiscal em 31 de dezembro de cada ano. Algumas empresas que faziam planejamento tributário encerrando balanços em nos dois primeiros meses de cada ano e só começavam a pagar imposto de renda a partir do ano seguinte, entraram com medida judicial para garantir o direito adquirido, o qual evidentemente foi negado, visto que estavam cometendo um ato de elisão fiscal, fazendo algo que não estava claramente previsto em lei, mas que o bom senso negaria o direito de fazer.
A Constituição Federal de 1988 garante a prioridade ao trabalho, à justiça social e à livre iniciativa.
Diante disso, alguém poderia dizer: Se assim o é, por que camelôs e perueiros são perseguidos? Por que as respectivas profissões não são regulamentadas? Por que o registro de camelôs e perueiros não é regulamentado para que possam exercer legalmente suas profissões, como, aliás, já foi feito em alguns municípios.
Na realidade, a teoria do direito adquirido só pode ser observada quando ela vem em garantia do trabalhador, por que a constituição federal prevê acima de tudo a justiça social.
Assim sendo os camelôs e perueiros têm direito ao trabalho assim como os trabalhadores e os aposentados têm o direito a um salário suficiente à sua sobrevivência, desde que, obviamente tenham contribuído para constituição de um fundo com essa finalidade.
Mas, aí ficou um outro problema, aquele gerado pela Lei 8112/90. Por intermédio dessa lei a União ficou obrigada a assumir a aposentadoria integral de todos os funcionários públicos e autárquicos, independentemente do seu tempo de contribuição. Assim sendo, funcionários que nunca tinham contribuído e os recém admitidos puderam aposentar com seu salário integral, desde que tivessem 35 anos de trabalho, mesmo que sem contribuição à previdência social. Aqueles que contribuíam para entidades de previdência privada tiveram suas contribuições de volta e aposentaram com salário integral, contribuindo somente a partir de 1991.
E foi assim que se deu o rombo na previdência, aumentado pela aposentadoria dos bóias-frias, de indígenas, de idosos e agora também pela aposentadoria proposta para donas-de-casa. Note-se que os ricos ruralistas nada contribuíram para a previdência social de seus empregados, assim como não contribuíram os ingígenas, muitos idosos e as donas-de-casa.
É obvio que, se não falta dinheiro para o pagamento dos juros dos banqueiros, também não poderá faltar para o pagamento dos aposentados. Se faltar para estes, tem faltar dinheiro para os outros também.
Não pode ser tudo uma questão de direito adquirido. E por uma questão de justiça social, os banqueiros e os detentores de incentivos fiscais não podem ser privilegiados em detrimento do povo.