CONTABILIDADE DE TRANSPORTES - AS FERROVIAS NO BRASIL
A QUALIDADE E A PRODUTIVIDADE IMPOSTAS PELAS PRIVATIZAÇÕES
São Paulo, 20/06/2010 (Revisado em 22-02-2024)
Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFe
PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO VENDIDO COMO SUCATA
IBRALOG - Instituto Brasileiro de Logística - Cosmo Online - 09/04/2007
Bens ferroviários de propriedade da União estão sendo livremente desmontados, e, em alguns casos, comprovadamente comercializados, em Campinas, numa verdadeira espoliação do patrimônio público.
Bens ferroviários de propriedade da União estão sendo livremente desmontados, e, em alguns casos, comprovadamente comercializados, em Campinas, numa verdadeira espoliação do patrimônio público. Documentos obtidos pela reportagem do Correio Popular apontam como responsável por algumas das mais recentes vendas ou remoções de material, num processo com fortes indícios de ilegalidade (alguns dos atos, inclusive, sob investigação policial), a própria concessionária das linhas, a Ferrovias Bandeirante S.A. (Ferroban), controlada pela holding América Latina Logística (ALL) - a maior operadora de ferrovias da América Latina, com 20 mil quilômetros de rede.
O Centro de Controle Operacional (CCO) de toda essa malha (comandada via satélite) ficava, até dezembro de 2006, no pátio central de Campinas. No final do ano, alguns meses após a oficialização do repasse, pela Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), da posse de 75 mil metros quadrados de área não-concessionada ao Município (para a construção da nova rodoviária), a ALL transferiu a estrutura administrativa para sua sede, em Curitiba, no Paraná. A partir daí, o pátio ficou praticamente às moscas e teve início uma operação de desmanche que incluiu o conteúdo de vários prédios e material de linhas.
O fato mais grave registrado ultimamente, que resultou na instauração de um inquérito criminal, aconteceu no dia 20 de março passado, quando uma firma contratada pela Ferroban foi flagrada pela Polícia Militar (PM) retirando trilhos de um trecho da antiga Sorocabana - usado depois pelo extinto e malsucedido Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Campinas. Esse percurso sequer chegou a ser concessionado à ALL ou à sua antecessora, a holding Brasil Ferrovias (que até maio de 2006 controlava a Ferroban, a Ferronorte e a Novoeste).
Segundo o boletim de ocorrência 0900/07, lavrado no 2º Distrito Policial de Campinas pelo delegado Messias Pimentel de Camargo Júnior, a PM atendeu ao chamado de dois policiais ferroviários federais que surpreenderam, na ocasião, em plena luz do dia, às 14h, funcionários da JF AMV Manutenção Ltda., de Bauru, operando uma máquina que removia trilhos e peças da via permanente do VLT, sob o viaduto da Avenida Lix da Cunha. Levados para a delegacia, os acusados pelo furto apresentaram um contrato (anexado ao inquérito) de prestação de serviços à Ferroban.
De acordo com o BO, cerca de 700 metros lineares estavam sendo retirados no momento do flagrante, e outro 1,4 quilômetro de trilhos já estava solto. Além disso, foram removidos 1,8 mil placas de apoio (usada na junção dos trilhos), 3,6 mil grampos de fixação, 3,6 mil tirefonds (espécie de parafusos) - todas essas peças em aço - e mais 500 dormentes. Tudo foi deixado no mesmo local, às margens do leito, mas logo desapareceu (e permanece em local ignorado), como verificou a reportagem dois dias depois.
Um dos sócios da JF, José Fernando Traci Júnior, falou pelo telefone com a reportagem sobre o caso, garantindo que a prestação de serviços era apenas para a retirada da linha. A Ferroban falou pra nós que esses trilhos seriam remanejados para outro trecho, disse. Ou seja, a concessionária pretendia usar peças do VLT - o qual nunca operou - em outros pontos de sua malha.
Desmanche
Mas há mais casos com suspeitas de irregularidades. Num flagrante de venda, o proprietário de uma empresa de sucata de informática de Campinas, que não quer ser identificado, comprou da Ferroban, por R$ 9 mil, tudo o que conseguisse arrancar em fiação elétrica, de dados e telefonia, além de divisórias, forros de lã de vidro e luminárias, em cinco prédios do pátio central, inclusive construções históricas que eram usadas pela Brasil Ferrovias mas não chegaram a ser ocupadas pela atual controladora.
A comercialização desses itens é comprovada pela nota fiscal de n 005294 - que realmente não especifica a quantidade vendida -, emitida pela Ferroban em 28 de dezembro do ano passado [2006], com cópia em poder da reportagem. O comprador, ainda por cima, afirma ter sido enganado pela empresa. Quem negociou comigo foi uma engenheira da ALL. O combinado era que eu tiraria tudo de cinco prédios, mas depois do terceiro eles mandaram "fechar a porteira" pra mim. Pode ser que achassem que eu estava tendo muito lucro, mas se você me vende sua fazenda de "porteira fechada", sem saber quantos bois têm lá dentro, o problema é seu, ironiza.
O mesmo homem garante ser apenas um dos comerciantes de sucata a ter negociado material estrutural retirados de prédios que, com a saída da ALL de Campinas, deveriam ter sido devolvidos à RFFSA - na ocasião da entrega, a estatal teria que fazer uma vistoria desses imóveis, o que evidenciaria o desmanche. A reportagem teve acesso, ainda, a fotografias que mostram a situação precária, de quase destruição, em que foram deixados internamente - telhas, forros, fios de todos os tipos, divisórias, esquadrias, portas e janelas foram alguns dos alvos do despojo.
Empresa de Sorocaba buscou parte do material
Outras imagens em poder da reportagem, feitas em 13 de fevereiro deste ano [2007], mostram a remoção de peças de vagões e locomotivas e da via permanente, supostamente sucateadas, que estavam depositadas em uma caçamba. As fotos são de um caminhão da empresa Sudeste Paulista Comércio de Metais Ltda., com sede em Sorocaba. O veículo, ainda de acordo com o flagrante fotográfico, entrou pela portaria principal da ALL, no número 1.380 da Rua Salles de Oliveira, a única monitorada 24 horas por seguranças - ou seja, não invadiu, mas teve permissão para chegar ao local.
A Sudeste foi procurada pela reportagem, via e-mail (que recebeu confirmação de leitura) para informar se realmente adquiriu o material da Ferroban, e, se foi esse o caso, apresentar as notas fiscais correspondentes. No entanto, até o fechamento desta edição, nenhum representante da empresa deu retorno. Também procurada, a RFFSA não se manifestou sobre o assunto.
Segundo ex-ferroviários, ainda que o material supostamente comercializado fosse realmente sucata, precisaria ser acompanhado de um laudo que atestasse que era imprestável operacionalmente.
Além dos documentos que evidenciam a venda de material pela Ferroban, a ALL teria remanejado para outros vagões, sem autorização expressa da RFFSA, peças de carros de passageiros feitos em aço inox, que, segundo fontes da reportagem, nunca chegaram a ser utilizados em linhas controladas pela holding. A reportagem constatou, poucas horas depois da retirada dessas peças, há cerca de 15 dias, que os carros foram completamente depenados por dentro.
RFFSA está em processo de liquidação
No final de março [2007], a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 346 (convertida na Lei 11.478/2007), que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e abre crédito extraordinário de R$ 452,18 milhões para a conclusão dos processos de extinção da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e de liquidação da Companhia de Navegação do São Francisco (Franave). No caso da RFFSA, após a extinção, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), do Ministério dos Transportes, será responsável pela auditoria, supervisão e controle da estrutura ferroviária. O restante das obrigações da estatal - gastos operacionais, gestão e manutenção de bens móveis, imóveis e de valor histórico, artístico e cultural, pagamento de ações trabalhistas, transferência de mão-de-obra e gestão dos contratos de arrendamento, para citar algumas - será distribuído entre departamentos ligados a outros ministérios.
PRÓXIMO TEXTO: A SITUAÇÃO DA MALHA FERROVIÁRIA GAÚCHA