SOBRE AS CRISES ECONÔMICAS DURANTE O GOVERNO FHC
FOLHA DE SÃO PAULO - PAULO NOGUEIRA BATISTA JR
SÃO PAULO, 01/04/1999 (Revisada em 20-02-2024)
Referências: Maxidesvalorização do Real em 1999, Complexo de Vira-Latas, Recessão e Altos Índices de Desemprego, Ciranda Financeira. Shadow Banking System = Sistema Bancário Fantasma de Paraísos Fiscais, Financeirização, Canibalismo Econômico, Neocolonialismo Privado.
VALORIZARAM O REAL!
Por Paulo Nogueira Batista Jr - Economista e professor da Fundação Getúlio Vargas
De uma forma geral, o economista brasileiro é um melancólico, um deprimido. Vive se debatendo, angustiado, com a sua condição nacional. Em reuniões internacionais, por exemplo, passa por verdadeiros vexames quando é chamado a explicar as excentricidades da política econômica do país. Nessas ocasiões, como diria o Nelson Rodrigues, o nosso complexo de vira-lata dá arrancos triunfais de cachorro atropelado.
Por isso, não podemos deixar passar uma oportunidade de comemorar, por mais modesta que seja. O mês de março de 1999 correu bastante bem no que diz respeito a câmbio e inflação. Depois do período de terror que atravessamos, foi grande e justificada a sensação de alívio. Como no verso de Fernando Pessoa, podemos "rir como quem tem chorado muito".
Por certo, foi uma comemoração problemática e reticente, repleta de hesitações. Mas foi comemoração ainda assim. Desde o colapso cambial de janeiro de 1999, quando a maxidesvalorização do Real em 100%, ficara claro que o governo brasileiro teria, no curto prazo, duas tarefas fundamentais. A primeira era conter o surto inflacionário; e a segunda, ligada à primeira, orquestrar cuidadosamente uma inversão parcial da desvalorização cambial. Pois foi exatamente o que começou a acontecer em março de 1999.
A ninguém escapa que esse progresso incipiente ocorreu em meio a grave crise da economia real, que vem sofrendo forte recessão e níveis recordes de desemprego. Foi o preço que pagamos por vários anos de políticas inconsistentes e temerárias, preço ainda majorado pela maneira tumultuada como fizeram a mudança cambial em janeiro de 1999.
Mas o fundamental era tirar as lições do passado, aliás óbvias, para não cairmos outra vez no mesmo tipo de armadilha.
O que vimos em março de 1999, especialmente no final do mês, foi o início de um surto de otimismo em relação ao Brasil nos mercados financeiros internacionais e em suas ramificações domésticas. Instituições financeiras e de avaliação de risco começam a rever as suas avaliações alarmistas do início do ano de 1999. O pânico se dissolveu e já se notava, em alguns casos, os primeiros sintomas de entusiasmo, difíceis de conciliar com o lúgubre pessimismo de um ou dois meses atrás.
Todo cuidado era pouco. Parte da melhora da situação cambial e da valorização do real podia ser atribuída às medidas que o Banco Central (BC) tomou, depois da crise de janeiro de 1999, para incentivar o ingresso de capitais especulativos ou de curto prazo, isto é, isenções e diminuições de impostos sobre capitais externos e redução dos prazos mínimos para contratação de empréstimos no exterior.
Esse tipo de decisão poderia ter a sua justificativa em situações como a que vivemos no início de 1999. Mas só dentro de limites muito estreitos. Como reconheceu o presidente do BC, Armínio Fraga, em depoimento no Congresso, esse mencionado capital especulativo era uma espécie de "droga financeira". Produziu efeitos agradáveis e estimulantes no curto prazo, poderia até provocar euforia, mas depois...
Bem, depois produziu exatamente o tipo de efeito que estamos experimentando desde fins de 1997: um doloroso processo de ajustamento a uma redução abrupta da disponibilidade de liquidez externa. A recessão e o desemprego daquele período foram, no essencial, as convulsões de uma economia viciada, o resultado do uso abusivo dessa "droga financeira" desde 1994.
Era verdade que o regime de flutuação cambial constituía, por si mesmo, um desestímulo ao ingresso de capitais de curto prazo, na medida em que criava incerteza quanto aos termos em que se daria o retorno do capital. É verdade, também, que o BC poderia impedir que um surto de otimismo nos mercados financeiros produzisse apreciação indesejada do Real, comprando a oferta excedente de moeda de moeda estrangeira, como fez em março de 1999.
A experiência mostrava, contudo, que o regime de flutuação nem sempre era suficiente para desencorajar entradas excessivas de "hot money" [aplicações financeiras ou empréstimos com um dia útil de prazo], estimuladas por elevados diferenciais entre os juros internos e externos ou por ondas cumulativas de otimismo em mercados dominados por movimentos de "manada". E as intervenções do BC no mercado de câmbio nem sempre eram eficazes e podiam produzir efeitos colaterais adversos.
Talvez chegue o momento em que o BC tivesse de tomar medidas antipáticas do ponto de vista dos mercados financeiros, desencorajando a entrada de capitais de horizonte curto com medidas como o aumento da tributação sobre a entrada ou o rendimento dos capitais externos, a instituição de depósitos compulsórios ou o alongamento dos prazos mínimos exigidos para captação e renovação de empréstimos externos.
Naquele momento, o BC resolveu administrar doses moderadas da "droga financeira" para facilitar a administração da crise e a transição para uma flutuação ordenada da taxa de câmbio. Restava saber se, diferentemente das suas antecessoras, a nova diretoria do BC saberia privar-se desse instrumento problemático no momento apropriado.
NOTA DO COSIFE:
A verdade é que o Governo FHC não soube privar dos instrumentos problemáticos, razão pela qual perdeu a eleição em 2002. Naquele período pré-eleitoral a especulação financeira continuou e, ao contrário do que queriam os gestores de nossa política econômica e monetária, a maciça compra de dólar para serem expatriados, pressionava o preço do dólar para cima. Aliás, o que seria bom para a retomada das nossas exportações que se encontravam menores que as importações. Foi justamente idêntico desequilíbrio no Balanço de Pagamentos que levou os países desenvolvidos à fatídica bancarrota em 2008.
O Brasil salvou-se da mesma bancarrota porque a partir de 2003 o torneiro mecânico sindicalista, muito bem assessorado, deixou que a desvalorização do dólar forçada pelos Lavadores de Dinheiro obtido na ilegalidade interferisse positivamente no aumento das nossas exportações, automaticamente encarecendo e assim diminuindo as importações.
Com a perseguição aos sonegadores de tributos e à evasão de divisas e com a extinção do Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes em 2005, a acumulação de reservas monetárias possibilitou mais adiante a libertação do Brasil do jugo do FMI - Fundo Monetário Internacional.