SOBRE AS CRISES ECONÔMICAS DURANTE O GOVERNO FHC
FOLHA DE SÃO PAULO - PAULO NOGUEIRA BATISTA JR
São Paulo, 23/07/1998 (Revisada em 20-02-2024)
Referências: Internacionalização do Capital Nacional, Expatriação de Lucros, Juros e Dividendos, Interferência de Estrangeiros nas Decisões Nacionais, Entreguismo, Acumulação Entravada = Bloqueio ou Impedimento ao Desenvolvimento do Brasil, Desnacionalização da Economia. Balanço de Pagamento, déficits em conta corrente, Tributação dos Capitais Voláteis, Câmara dos Deputados - Frente Parlamentar pela Taxação das Transações Financeiras Internacionais, Crise Mundial. Shadow Banking System = Sistema Bancário Fantasma de Paraísos Fiscais, Financeirização, Canibalismo Econômico, Neocolonialismo Privado.
UMA LIQUIDAÇÃO CHAMADA BRASIL
Por Paulo Nogueira Batista Jr - Economista e professor da Fundação Getúlio Vargas
Defender a causa nacional em um país como o Brasil sempre foi tarefa ingrata, que não dá futuro para ninguém. Da esquerda à direita do espectro político, passando por todos os principais partidos, o entreguismo, mais ou menos explícito, mais ou menos descarado, sempre encontra inúmeros e poderosos defensores. Para esses, o Brasil é uma mera figura de retórica, a ser acionada em época de eleição ou Copa do Mundo.
É claro que poucos, muito poucos podem competir nesse terreno com o atual [em 1998] presidente da República. Desde os seus tempos de sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, conhecido pela sigla FHC, sempre tratou com desenvoltura o tema da dependência. Nos anos 60, consagrou-se como um dos formuladores da chamada Teoria da Dependência.
Mas é como político e presidente da República que FHC vem imprimindo a sua marca no campo da dependência externa. As suas políticas de desnacionalização da economia são de deixar ruborizados os políticos tradicionais, mais acostumados a limitar ou pelo menos disfarçar a subordinação aos poderes internacionais.
Acontece que na era da "globalização" a entrega do patrimônio público e a venda das empresas nacionais ganharam um impulso realmente extraordinário no Brasil. O entreguismo, que antes se esgueirava pelas esquinas e nunca se assumia totalmente, agora se apresenta de peito aberto, com coragem sempre renovada. Reivindica até mesmo a condição de arauto da modernidade e do futuro.
Não há, afinal, muita surpresa nisso. "Tief ist der Brunnen der Vergangenheit" ("profundo é o poço do passado"), dizia Thomas Mann O passado colonial deixou pesada herança. De qualquer maneira, é cômico ver o velho e surrado entreguismo brasileiro apresentar-se, com a maior cara-de-pau, como o "dernier cri" em matéria de modernidade.
O que está ocorrendo em matéria de desnacionalização da economia nos últimos anos mereceria maior preocupação, investigação e debate. Peço a paciência do leitor para mencionar alguns números divulgados recentemente.
A revista "Exame" apresenta anualmente um levantamento das maiores empresas do país. A edição deste ano, lançada agora em julho de 1998 com dados para o ano de 1997, trouxe novas evidências sobre o avanço das firmas estrangeiras na economia do Brasil. Em 1993, a relação das 500 maiores empresas privadas não financeiras incluía 143 de capital estrangeiro. No ano passado, esse número subiu para 170.
A participação das estrangeiras nas vendas totais das 500 maiores empresas privadas e das 50 maiores estatais aumentou de 28,5% em 1985 para 31% em 1990 e 36,3% em 1997. De 1996 para 1997, a presença do capital estrangeiro cresceu de modo significativo em 12 dos 21 setores analisados no levantamento da "Exame".
Firmas no exterior dominam amplamente setores como a autoindústria, higiene e limpeza, computação e farmacêutica, nos quais [setores] respondem por 80% ou mais das vendas das maiores empresas. Predominam também nos setores de alimentos, plásticos e borracha, com cerca de 60% das vendas, e detêm ainda participações na faixa de 40% a 50% nas indústrias mecânica e eletroeletrônica.
Por que é relevante essa preocupação com a nacionalidade das empresas?
Há várias razões, mas a principal delas está no fato de que o aumento do peso do capital estrangeiro implica a transferência para o exterior dos centros de decisão empresarial. E também a expatriação de lucros, juros e dividendos, que significam a evasão de divisas ou de reservas monetárias.
Decisões estratégicas das empresas que operam no Brasil serão tomadas, cada vez mais, nos países de origem dos grupos estrangeiros, quase sempre nações desenvolvidas.
Atividades cruciais como pesquisa, desenvolvimento tecnológico e formação de recursos humanos de alto nível se farão com mais frequência fora do país, mesmo em áreas nas quais o Brasil vinha acumulando experiência e realizações.
Em 1998, o processo de desnacionalização continuou e vem atingindo fortemente muitos setores, inclusive o bancário. A venda de 40% do capital votante do Real a um grande banco holandês alarmou os banqueiros nacionais, suscitando inclusive reações inusitadas da presidência da Febraban - Federação Brasileira de Bancos.
Em breve, teremos a desnacionalização do setor de telecomunicações, com a venda a empresas estrangeiras de boa parte do sistema Telebrás. Já desnacionalizaram até a seleção brasileira de futebol, que ficou à mercê das injunções de patrocinadores estrangeiros.
Recentemente, o presidente da República [FHC] declarou em entrevista à televisão que, caso não fosse reeleito, escreveria um livro sobre a sua experiência. Se é assim, já podemos sugerir um título: "Dependência: da Teoria à Prática".