Ano XXV - 28 de março de 2024

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O DESASTRE CAMBIAL BRASILEIRO


O DESASTRE CAMBIAL BRASILEIRO (título de Américo Parada)

A INCOMPETÊNCIA DOS "TÉCNICOS" DO FMI  E DO BRASIL

Parodiando a cartilha editada pelo Banco Central do Brasil, intitulada "O REGIME CAMBIAL BRASILEIRO

Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 1999.

  • O DESASTRE DO TREM FINANCEIRO BRASILEIRO - Jeffrey Sachs - O histórico do FMI se conserva perfeito: cinco grandes pacotes de socorro desde meados de 1997, cinco grandes fracassos. O último trem a descarrilar foi o do Brasil. (Tradução de Clara Allain)
  • O PREÇO DA TEIMOSIA - José Roberto de Toledo - Foram cinco anos e oito meses de trabalho ininterrupto, a maior parte como principal figura do Banco Central e, desse modo, como responsável pelas políticas monetária e cambial do país.
  • A RECONHECIDA COMPETÊNCIA DO DR. CHF - Celso Antônio Bandeira de Mello - Nos Evangelhos reside a lição, amplamente disseminada, de que "uma árvore se conhece por seus frutos". Os frutos da gestão do governo reconduzido estão expressos em números alarmantes.


Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 1999.

O DESASTRE DO TREM FINANCEIRO BRASILEIRO

Jeffrey Sachs - diretor do Instituto Harvard de Desenvolvimento Internacional e professor da cadeira Gallen Stone de comércio internacional na Universidade Harvard. Já atuou como principal assessor econômico estrangeiro dos governos da Rússia, Polônia e Bolívia.

O histórico do FMI se conserva perfeito: cinco grandes pacotes de socorro desde meados de 1997, cinco grandes fracassos. O último trem a descarrilar foi o do Brasil. Na semana passada a moeda brasileira desabou e as Bolsas de Valores caíram vertiginosamente. O desastre provavelmente vai prejudicar não apenas o Brasil, mas boa parte da América Latina.

Tudo isso poderia ter sido evitado. Os três engenheiros que conduziam a política econômica brasileira -seu governo, o FMI e autoridades dos EUA- foram descuidados. Enquanto o FMI, em particular, não for convocado a assumir a responsabilidade por seus erros, todo o mundo corre o risco de sofrer choques financeiros inesperados que prejudicam os padrões de vida dos países em desenvolvimento e põem em xeque a estabilidade global.

Para falar em termos simples e diretos, o FMI tem dado atenção demais aos interesses de Wall Street. Se você fosse, digamos, um banco norte-americano com investimentos no Brasil, iria querer que o país mantivesse sua taxa de câmbio até receber o retorno sobre o que investiu (depois disso, quem se importa?). Assim, você pressionaria o FMI e o Tesouro norte-americano para que exortassem o Brasil, a Rússia ou qualquer outro indefeso receptor de empréstimo do FMI a defender sua moeda. Isso lhe daria tempo para retirar seu dinheiro ainda ileso do país, antes que fossem promovidas quaisquer mudanças nos valores das moedas.

Essas políticas desastrosas estão sendo abandonadas, felizmente - mas tarde demais e a um custo demasiado alto. De fato, as Bolsas brasileiras saltaram diante da notícia de que a moeda nacional, o real, seria liberada para flutuar e que o pesadelo de uma camisa-de-força monetária seria excluído.

Mas a moeda brasileira está super valorizada há anos, prejudicando os exportadores brasileiros e contribuindo para manter seu crescimento em patamar baixo. Qual a razão disso? Em 1994, o Brasil apresentou hiperinflação e os preços estavam subindo 2.000% ao ano. O então ministro da Fazenda (e agora presidente) Fernando Henrique Cardoso impôs uma nova moeda com valor estável em relação ao dólar norte-americano - aproximadamente um real por um dólar. A inflação caiu, mas levou algum tempo para parar de vez. O Brasil começou a se recuperar, mas os custos relativos da produção continuaram a subir durante algum tempo.

No final de 1995 a inflação já havia acabado, mas os exportadores enfrentavam dificuldades. Os custos domésticos dobraram, enquanto os preços recebidos pelas exportações continuavam inalterados, já que cada US$ 1 exportado se traduzia em aproximadamente R$ 1 em moeda nacional.

Os mercados financeiros compreenderam o impacto de tudo isso e já previam a ocorrência de uma desvalorização. Para o Brasil defender sua moeda, era preciso manter taxas de juro punitivamente altas no país, para incentivar os investidores, tanto estrangeiros quanto nacionais, a correr o risco de conservar seu dinheiro no Brasil. Para os credores estrangeiros, essas taxas altíssimas não importavam (ou pelo menos foi isso que pensaram). Se a defesa de uma moeda dá certo por seis meses, é só isso que precisam os bancos internacionais que concederam empréstimos de 90 dias. Eles vão conseguir se safar com seu dinheiro.

O governo brasileiro, o FMI e os EUA não precisariam ter tomado esse caminho. Eles foram exortados a permitir o enfraquecimento gradativo e leve do real, de acordo com as forças do mercado, com vista a restaurar a rentabilidade das exportações. Em 1996, Fernando Henrique Cardoso já era presidente, mas havia se apaixonado pela taxa de câmbio estável, embora pouco realista. Quando a crise asiática explodiu, em 1997, o FMI e os EUA acreditaram, como míopes, que a estabilidade cambial ajudaria o mundo e o Brasil. Encorajaram o presidente Cardoso a defender o real super valorizado por meio de medidas rígidas.

E foi exatamente isso o que ele fez. As taxas de juro foram elevadas para 50% ao ano, para incentivar os investidores ariscos a conservar seus ativos no Brasil. Os investidores não são cegos. Eles sabiam que a moeda estava sobrevalorizada. Mas, a uma taxa anual de retorno de 50%, apostaram nela, e chegaram até a esperar (com razão) que o FMI daria muito dinheiro ao Brasil para escorar sua moeda, se fosse preciso.

Durante 1998, a economia brasileira lançou-se numa queda recessiva trágica e previsível. As altas taxas de juro fizeram o déficit orçamentário subir aos céus, porque o governo brasileiro tinha grandes dívidas de curto prazo e o custo de seu financiamento era altíssimo. O déficit subiu de 4% do PNB, em 1997, para 7%, em 1998. Os investidores brasileiros e os bancos norte-americanos começaram a tirar seu dinheiro do país, forçando o Banco Central a vender seus escassos dólares para manter a sagrada estabilidade do real.

Durante o ano de 1998, teria sido preferível reduzir as taxas de juro e permitir que o real alcançasse um nível realista. Quando a Rússia declarou moratória, em agosto de 1998, e os investidores começaram a fugir dos mercados emergentes, os EUA e o FMI decidiram emprestar ao Brasil a proverbial corda com a qual o país iria se enforcar.

Em dezembro passado, diante dos aplausos do "establishment" financeiro, o FMI disse ao Brasil: "Não se preocupe com a queda de suas reservas em divisas, vamos lhe dar mais US$ 41 bilhões em empréstimos de curto prazo para defender sua moeda". Era insidioso. Os empréstimos do FMI são, na verdade, usados para pagar os investidores estrangeiros, ou por meio de um mecanismo mais ou menos direto (como, por exemplo, no caso da Coréia, em dezembro de 1997) ou indiretamente, quando o Banco Central vende dólares no mercado externo de divisas, para defender sua moeda. Agora os contribuintes brasileiros serão fortemente atingidos e os gastos sociais e outros serão reduzidos, para permitir o pagamento dos juros sobre os US$ 41 bilhões que o FMI emprestou ao país.

Agora o Brasil abandonou a defesa de sua moeda, mas só o fez depois de colocar sua economia no caminho de uma depressão e de acumular dívidas enormes, após um ano de juros astronômicos. Ao deixar sua moeda flutuar, o Brasil ganhou um pouco de tempo para reduzir as taxas de juro e evitar a depressão. Apesar disso, é possível que muitos investidores entrem em pânico, fugindo do Brasil e do restante da América Latina. Não há nada como um fracasso altamente noticiado de uma política econômica apoiada por Washington para alimentar uma fuga generalizada da região, provocando falências de bancos, contração econômica e sofrimento generalizado, tudo isso em cascata.

É preciso acabar com a estratégia FMI/EUA de instruir os países a defender suas taxas de câmbio por meio de juros altos apoiados por empréstimos de socorro do FMI, e indicar o caminho da porta de saída ao diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus. O Brasil já aprendeu a lição - mas pela via difícil. Outros países em desenvolvimento deveriam adotar taxas de câmbio flexíveis e juros moderados e fugir de empréstimos de socorro do FMI como o diabo da cruz.

Será preciso que, em toda a América Latina, os grandes bancos internacionais e os governos nacionais negociem um caminho responsável para avançar, um caminho no qual os governos se comportem de maneira sensata e realista, enquanto os grandes bancos reconheçam o interesse coletivo que têm em evitar as retiradas de capital movidas pelo pânico. Se os banqueiros entrarem em pânico e retirarem seus empréstimos, vão infligir prejuízos enormes a si mesmos e também às economias latino-americanas.

Tradução de Clara Allain


Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 1999.

O PREÇO DA TEIMOSIA

José Roberto de Toledo - repórter da Folha.

Foram cinco anos e oito meses de trabalho ininterrupto, a maior parte como principal figura do Banco Central e, desse modo, como responsável pelas políticas monetária e cambial do país.

Essa permanência, longa para os padrões brasileiros, deveu-se principalmente à admiração e confiança conquistadas por Gustavo Franco junto ao presidente Fernando Henrique Cardoso.

É atribuída ao ex-presidente do BC a idéia que garantiu o sucesso inicial do Plano Real: a URV. Daí sua posição de força dentro do governo.

Em sua nota de despedida, Franco afirma que participou de inúmeras batalhas, lutando pelo Brasil. "Não se tem noção do quanto é desgastante e solitária a defesa de princípios, a execução de políticas impessoais, voltadas para a maioria".

A história lembra a de um herói trágico que, apesar da luta solitária, é abatido em meio à batalha em nome de seus princípios e políticas impessoais.

Pode até ser, mas o problema é que os tais princípios se transformaram em dogmas. Durante o reinado de Franco, a supervalorização do real tornou-se tabu. As críticas à sua política cambial eram respondidas com ironias e nada mais.

Na primeira crise do Plano Real, o saco de maldades foi usado para aumentar as taxas de juros. Na segunda, saiu dele um novo aumento dos juros e um arrocho fiscal. Na terceira, o saco já estava vazio e foi necessário fazer o impensável: mexer no câmbio.

O que teria ocorrido se, em vez de produzir maldades a prestação, Franco tivesse corrigido o câmbio desde o início? Haveria hoje 500 mil desempregados a mais na Grande São Paulo do que havia no mês imediatamente anterior à posse de FHC?

As reservas internacionais teriam despencado de US$ 73,4 bilhões desde abril do ano passado até os US$ 31 bilhões atuais? Os empresários nacionais teriam se arriscado a multiplicar sua dívida externa até chegar aos US$ 139,5 bilhões de hoje?

Impossível responder com certeza, mas é provável que, como ensinou Maquiavel (um dos autores mais citados pelo presidente), a maldade, feita de uma só vez, tivesse produzido menos estragos.

Talvez soe inútil fazer perguntas para as quais nunca saberemos as respostas, mas elas ajudam a lembrar que decisões sobre políticas públicas baseadas na auto-suficiência de seus gestores são, no mínimo, temerárias.

Como afirmou o próprio ex-presidente do BC, "o Plano Real não pode depender da colaboração individual de pessoas especiais". Por mais especiais que elas sejam.

Apesar de Franco dizer que sempre teve isso claro, só agora sabemos que ele, "já faz tempo", vem amadurecendo a idéia de que necessitamos flexibilizar as políticas de juros e de câmbio.

Infelizmente o fruto demorou muito para amadurecer. Demais até. O câmbio foi finalmente flexibilizado, mas ninguém sabe dizer se em tempo de evitar o pior. O estrago está feito e vai aumentar.


Folha de São Paulo, 19 de janeiro de 1999.

A RECONHECIDA COMPETÊNCIA DO DR. CHF

Celso Antônio Bandeira de Mello, 62, é professor titular de direito administrativo da Faculdade de Direito da PUC-SP e presidente do Idid - Instituto de Defesa das Instituições Democráticas.

Nos Evangelhos reside a lição, amplamente disseminada, de que "uma árvore se conhece por seus frutos". Os frutos da gestão do governo reconduzido estão expressos em números alarmantes.

A saber: com ele, a dívida mobiliária interna elevou-se cinco vezes. Passou de R$ 60 bilhões para R$ 310 bilhões (setembro/98). O "déficit" de transações correntes cresceu de US$ 1,7 bilhão para US$ 30,9 bilhões (novembro/98): mais de 18 vezes. A dívida externa privada, dantes de US$ 54,3 bilhões, elevou-se a US$ 118 bilhões (outubro/98): acima do dobro.

As reservas se esvaem em sangria desatada. O déficit público, de 1,1% do PIB, elevou-se quase sete vezes, representando mais de 7% dele. Estatais que, bem ou mal, representavam longos anos de acúmulo de capital nacional foram alienadas, mas o apurável desapareceu em poucos dias com a "crise" da fuga de capitais. Ou seja: o país se descapitalizou, sem minorar a dívida e sem a contrapartida de realizações ou melhoria do bem-estar social, a despeito de a carga tributária ser a maior da América Latina: cerca de 30% do PIB.

O desemprego se amplia alarmantemente, causando insuportável sensação de insegurança nas famílias e a certeza, no meio empresarial, da progressiva redução do mercado consumidor, o que aponta sombrias perspectivas para cada unidade econômica brasileira. Pode haver maior insucesso na gestão econômica, financeira e social do país? Se for medida por esses parâmetros, a proclamada competência do governo receberia nota zero.

Contudo ninguém, mesmo se incondicionalmente hostil a seu chefe, poderá negar-lhe uma dada e específica excepcional competência. Com efeito, apesar desses desastrosos resultados, conseguiu emendar a Constituição para candidatar-se à reeleição, ainda que, à época, haja sido questionada a espontaneidade de alguns votos dos "emendantes". Dois deles renunciaram ao mandato acossados pela suspeita (praticamente confirmada com a renúncia) de que haviam comercializado a opinião cidadã em prol da reelegibilidade. E, apesar dos esforços do senador Eduardo Suplicy, não foi alcançado o número de assinaturas suficiente para instauração de CPI apuradora de fatos tão graves (ou que assim seriam considerados no passado).

O mesmo se pode dizer no caso das "fitas gravadas". Também isso atesta a competência do chefe do Brasil. Demonstra sua força irrefragável no Legislativo, pois são paralisados os desdobramentos naturais de fatos que, em outros governos, provocariam, além de escândalo, amargura, e colocariam em risco a credibilidade do governo e a aptidão de seu chefe para continuar no exercício de tão elevadas funções.

Sua notável competência é confirmada, outrossim, pelo apoio estrondoso que a "mídia" sempre lhe dispensou. Contudo o que mais a avaliza é ter se reelegido, apesar dos resultados mencionados. Tal sucesso é particularmente importante, pois foi obtido também com o apoio do empresariado nacional, uma das vítimas prediletas da política econômica do governo, que o condenou à morte: lenta, mas inexorável.

A política de juros altíssimos, assim mantidos para atrair o capital externo volátil (sobre quebrar Estados e municípios tão endividados), agrega ao produto nacional um componente de custos que torna baldos quaisquer esforços de modernização das nossas empresas, pois lhes retira condições normais de competição com produtos estrangeiros, os quais entram livremente em nome dos decantados neoliberalismo e globalização.

Se isso não bastasse, as mercadorias externas ainda foram irresponsavelmente subsidiadas pelo governo até 15 de janeiro de 1999, com a artificial valorização do real ante o dólar, eliminando qualquer possibilidade de disputa equânime do empresariado nacional pelo nosso próprio mercado consumidor, além de tornar, por óbvio, extremamente difícil a penetração nos mercados externos. Sem embargo, o empresariado pátrio prefere sucumbir a retirar o apoio ao chefe do Brasil, com receio de algo pior. Mas o que pode ser pior? Um pouco de amor ao país e às próprias empresas, um mínimo de solidariedade aos seus empregados, lançados ao desemprego, não deveria conduzir a outras opções?

Por derradeiro, talvez a suprema demonstração de competência do governante máximo resida em sua capacidade de efetuar, na prática, a inversão de suas teses ou promessas, colhendo os benefícios políticos da inversão, sem todavia sofrer os ônus que lhe seriam correlatos. Com efeito, o chefe do Brasil inverteu completamente as posições políticas, econômicas e sociais que sempre sustentara até assumir o poder. Assim, agregou o apoio de todos os que lhe eram adversos, conservando o da maioria dos antigos correligionários; preferiram mudar de identidade ideológica, junto com o chefe, a se manter fiéis aos princípios dantes defendidos. Destarte o chefe do Brasil tornou-se -é forçoso reconhecer- o mais importante líder da direita que o país jamais teve, pois, como nenhum outro, unificou em torno de si todos os conservadores, todos os outrora chamados "entreguistas" e ainda os que teimam em se qualificar partidariamente como social-democratas. Falhou em quase todas as promessas e continua apoiado.

Resta conferir se é possível que muitos, sobre incorrerem em engano por muito tempo, permaneçam enganados por todo o tempo. Com efeito, afinal, a quem aproveita essa competência que vem de ser enfaticamente reconhecida? Ao país certamente não. A FHC, isto é, ao sociólogo e político de passado ilustre, também não. Este parece não mais estar presente. Quem governa é o seu inverso, é CHF, como se a "sombra" de FHC quisesse se converter em sua "persona".







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